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quinta-feira, 29 de abril de 2010

Eros Grau defende manutenção do texto, assim como AGU e MP; julgamento continua hoje

O ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou ontem pela manutenção da Lei da Anistia, que, em 1979, beneficiou tanto autoridades como militantes da oposição que cometerem crimes durante a ditadura militar. Como relator, ele deu o primeiro voto do julgamento, que deverá ser concluído hoje. Se a maioria da Corte concordar com Eros Grau - como tende a acontecer neste caso -, continuará vedada a possibilidade de processar torturadores. A mesma regra vale para quem lutou contra o regime militar.
Eros, que foi preso e torturado nos porões do DOI-Codi, ressaltou a importância da anistia como marco político fundamental para a restituição da democracia no país. O ministro, no entanto, ponderou que anistia não significa esquecimento ou perdão aos crimes cometidos contra os direitos humanos. Ele defendeu que, para fechar essa ferida histórica, sejam liberados os arquivos da ditadura. Eros citou uma poesia do uruguaio Mario Benedetti. E concluiu, emocionado:
Há coisas que não podem ser esquecidas. É necessário não esquecermos, para que nunca mais as coisas voltem a ser como no passado.
Segundo o relator, a lei não pode ser julgada com os parâmetros atuais, e sim com a lógica da época. Ele argumentou que a lei foi necessária para garantir uma transição pacífica para a democracia. E que foi amplamente negociada entre políticos da situação e a sociedade civil - com a participação, inclusive, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), autora da ação que hoje questiona a lei.
- Os subversivos obtiveram a anistia às custas dessa amplitude. Era ceder e sobreviver ou não ceder e continuar a viver em angústia. Em alguns casos, nem mesmo viver. Quando se deseja negar o acordo político que efetivamente existiu, resultam fustigados os que se manifestaram politicamente em nome dos subversivos. Inclusive a OAB - disse o ministro. - O que se deseja agora? Que a transição tivesse sido feita, um dia, posteriormente ao momento daquele acordo, com sangue e lágrimas, com violência? Todos desejavam que fosse sem violência, estávamos fartos de violência!

Marco Aurélio e Gilmar elogiam voto
No voto, Eros concorda com o argumento da OAB de que a anistia não foi ampla, pois beneficiou torturadores, mas excluiu militantes que haviam sido condenados pelos tribunais militares. No entanto, o ministro ressaltou que esse acordo era o único possível à época.
- A Lei da Anistia veicula uma decisão política naquele momento, o momento da transição conciliada de 1979, assumida. (A lei) não é uma regra para o futuro, dotada de abstração e generalidade. Há de ser interpretada a partir da realidade no momento em que foi conquistada.
O ministro também refutou o argumento da OAB de que a anistia não poderia ter sido concedida porque nunca foram identificados todos os agentes da ditadura:
- A anistia liga-se a fatos, não estando direcionada a pessoas determinadas. É mesmo para ser concedida a pessoas indeterminadas, que também foi contrário ao argumento de que a Lei da Anistia viola princípios da Constituição de 1988.
Após o voto, os ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello elogiaram o relator. Eles defendem a lei como marco da redemocratização. Mudá-la agora, portanto, poderia causar instabilidade. Mesmo com a lei revista, seria difícil punir os agentes. No Brasil, o crime com prescrição mais longa é o homicídio: 20 anos.
O principal argumento da OAB é o de que o artigo 5º da Constituição estabelece crimes hediondos - tortura, inclusive - como práticas insuscetíveis de anistia. Antes de começar o julgamento, manifestantes protestaram do lado de fora do STF.


Para a União, lei é fruto de acordo
Mas há discordâncias no governo sobre a tese
ADAMS, da AGU: anistia extingue efeitos penais, mas não memória

BRASÍLIA. Embora esteja dividido internamente sobre o tema, o governo federal apresentou no julgamento de ontem posição amplamente favorável à Lei de Anistia. A sustentação oral em plenário coube ao advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. Ele ponderou que todos compartilham do sentimento de "aviltamento moral e físico" aos atos da ditadura. No entanto, afirmou que a anistia é fruto de um acordo político firmado entre militares e civis num momento em que a prioridade era devolver a democracia ao país.
Embora tenha sido representado no julgamento pela AGU, o governo federal reúne opiniões divergentes sobre a validade da Lei da Anistia. Os ministérios da Defesa e das Relações Exteriores concordam com a posição defendida ontem pela AGU. Por outro lado, a Secretaria de Direitos Humanos, do ministro Paulo Vannuchi, e o Ministério da Justiça defendem a responsabilização do agentes públicos acusados de tortura durante o regime militar.
Assim como fez o relator do processo, ministro Eros Grau, Luís Inácio Adams lembrou que a própria Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) participou da luta pela anistia, em 1979. Ele citou um parecer daquele ano, escrito por Sepúlveda Pertence - ex-ministro do STF que, à época, era representante da Ordem nas negociações -, no qual é defendida a anistia para todos, ainda que os militantes políticos saíssem prejudicados com a lei. Para Adams, anistia é "perdoar, esquecer".
- Mudar essa interpretação, além de romper o compromisso anterior, atinge situações jurídicas já consolidadas - sustentou o advogado da União.
Adams acrescentou que, apesar de defender a Lei da Anistia, o governo brasileiro faz esforços na direção da "busca da verdade" e oferece "medidas compensatórias" às vítimas do período, como as indenizações financeiras. Ele também citou como importante o reconhecimento, por parte do Estado, de responsabilidade pelos desaparecidos políticos da guerrilha do Araguaia.
- Anistia é ato político que consiste na extinção dos efeitos penais, e não na extirpação da memória dos fatos ocorridos. Reconhecer a legitimidade da Lei de Anistia é diferente de defender condutas merecedoras de repúdio - disse.
A sessão de ontem começou com a manifestação do jurista Fábio Konder Comparato, que falou em nome da OAB. Ele sustentou que a Lei da Anistia prejudicou os militantes, pois excluiu do benefício quem já tinha sido julgado por tribunais militares. Para o advogado, rever a Lei de Anistia seria uma forma de conferir justiça a quem lutou contra as arbitrariedades da ditadura.
- É lícito e honesto que governantes e seus subordinados que tenham mandado e executado durante anos a fio crimes de violência fiquem impunes? - questionou.
Comparato foi sucedido por outros quatro advogados, todos a favor da mesma tese. Por fim, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, defendeu a interpretação ampla da Lei de Anistia. Ele sugeriu que uma eventual revisão da lei poderia dificultar a abertura dos arquivos da ditadura. Gurgel também lembrou que a norma foi fruto de um amplo debate nacional, com a participação da OAB:
- Todos sabemos do papel da OAB no processo de construção da anistia ampla, geral e irrestrita.

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