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sexta-feira, 28 de maio de 2010

Fraude em alto escalão-E-mail envolvendo generais faz MP Militar pedir a prisão de oficial acusado de falcatruas no IME

Um email com revelações bombásticas sobre supostas ações criminosas dentro do Instituto Militar de Engenharia (IME) foi encaminhado à Justiça e circula em listas de discussões de oficiais do Exército na internet. Com denúncias que vão de enriquecimento ilícito a pagamento de propinas mensais a generais do instituto e até a agentes da Polícia Civil, o documento é atribuído ao major Washington Luiz de Paula, mas não há confirmação de que ele seja o autor. Por considerar que a distribuição do material prejudica as investigações, o Ministério Público Militar pediu a prisão preventiva do oficial. Ele é um dos principais investigados no inquérito que apura um esquema de fraude no conceituado centro acadêmico, conhecido por ter um dos mais difíceis vestibulares do país. As denúncias do documento atingem 14 oficiais do Exército.
A mensagem foi enviada um dia depois de a primeira de uma série de reportagens sobre as irregularidades no IME ter sido publicada pelo GLOBO. O caso revelado pelo jornal tratava sobre as investigações em torno de um cartel de empresas que agia dentro da instituição de ensino, tendo como sócios parentes ou pessoas ligadas a militares da unidade à época dos fatos. Além de oficiais da ativa, agora lotados em outros quartéis, havia ainda, entre os suspeitos, militares que já passaram pelo instituto, mas atualmente estão na reserva.
O conteúdo do email, que relata fatos com riqueza de detalhes - a veracidade de alguns deles já foi constatada -, causou constrangimento no meio militar. A prisão do major Washington está sendo pedida por dois procuradores e uma promotora que integram a força-tarefa criada exclusivamente para investigar o caso: Maria de Lourdes Sanson, Antônio Antero dos Santos e Ana Cristina da Silva. Como as denúncias divulgadas no email se referem a oficiais lotados nos mais altos postos do Exército, o MP também considerou que houve quebra de hierarquia e disciplina. A Justiça, agora, tenta identificar a origem do material através de um rastreamento digital. O juízo da Auditoria Militar também já recebeu e analisa uma cópia do email.
Por meio de nota, a assessoria de imprensa do Exército informou que, durante as apurações preliminares que deram origem ao inquérito policial-militar, o oficial teria negado a autoria das denúncias divulgadas através da rede mundial. Os nomes dos integrantes do esquema de fraude são citados na mensagem eletrônica, porém, como as denúncias ainda estão sendo investigadas, os militares não serão identificados nesta reportagem. O autor do email diz que dispõe de provas, como vídeos e gravações. Ele também afirma estar sendo ameaçado de morte, dizendo saber que sua "cabeça está a prêmio".

"Armadilha de rato" será investigada
As revelações, supostamente feitas pelo major Washington Luiz de Paula em tom de desabafo, atingem em cheio a cúpula do Exército. São passagens, por exemplo, sobre o pagamento de uma mesada de R$35 mil em espécie a um oficial do instituto a quem chama de "Meu general". Este era o valor exigido pelo superior hierárquico para encobrir as falcatruas do grupo no IME e que deveria ser pago em notas de R$100. Por causa do fracionamento da propina, Washington teria ganhado o apelido de "Pica-fumo". Os envolvidos nas fraudes, ainda segundo a mensagem eletrônica, se reuniam frequentemente, às vezes para jogos de futebol. O autor do email lembra que, nessas ocasiões, o tal general costumava justificar seus atos: "Isso é em nome da instituição". Depois, ria e, batendo no bolso, afirmava: "Nosso bolso". De acordo com o email, o mesmo general teria tido um filho aprovado no IME com uma "ajudinha" do major e seus cúmplices. O jovem teria, inclusive, morado, por um tempo, no apartamento de um dos integrantes da quadrilha, na Urca.
Um dos pontos que podem ser checados pelo Ministério Público Militar diz respeito a uma multa de R$600 mil aplicada após uma fiscalização em despesas do IME pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O órgão teria encontrado irregularidades na dispensa de uma licitação em dezembro de 2004. O problema foi atribuído à cobiça de um outro general, que queria ganhar mais do que o combinado. "Depois do futebol combinávamos seu percentual, lembra? O senhor sempre querendo mais do que da última vez, que ganância desenfreada", afirma o autor do email. E conclui afirmando que a "conta" foi paga pela Fundação Ricardo Franco. A fundação é um braço do IME, que funcionava fazendo a intermediação dos contratos entre o instituto e as empresas. "Mas como a fundação levava muito "dindin" (sic), tudo se acertou. O senhor até levou uma graninha respeitável, né, meu genera". A Fundação Trompowsky, outra ligada ao IME, também é citada.
A pessoa que se apresenta como Washington afirma ter preparado uma "armadilha de rato" para um coronel do esquema. Ele diz ter tratado da compra de uma cobertura na Urca para o superior usando um cheque assinado pelo sócio de uma das empresas que prestaram consultoria ao IME. É informado, então, o nome do empresário Marcelo Cavalheiro, dono das empresas Grisa, GNBR/JLG e Alce Olecram - todas prestaram consultoria ao instituto. Cavalheiro, que tinha como sócios em algumas empresas parentes do major Washington, é um dos investigados no inquérito que corre na Procuradoria. O autor debocha da situação criada: "O senhor, meu coronel, ficou de rabo preso, lembra? Aquela investida da Polícia Civil? Mais grana que saiu". Neste ponto, ele faz referência a várias extorsões que teriam sido praticadas por servidores do TCU, das polícias Federal e Civil e Icefex (possivelmente, Inspetoria de Contabilidade e Finanças do Exército).
Para verificar se foi usado o cheque de uma das empresas que prestavam serviço ao IME no pagamento de um imóvel comprado por um oficial do Exército, os investigadores da Procuradoria de Justiça Militar terão que recorrer à quebra do sigilo bancário e fiscal dos suspeitos. O GLOBO apurou que, na escritura da referida cobertura, arquivada no 3º Registro de Imóveis do Rio, não consta o número do cheque e do banco envolvido na operação imobiliária, o que é um procedimento de praxe. Nele, o comprador, um oficial das Forças Armadas, informa apenas que o pagamento foi feito de forma antecipada.

Suspeito já foi acusado de fraude
No email, há também perfis de todos os envolvidos nas irregularidades dentro do IME. No capítulo sobre outro investigado no inquérito, o capitão Márcio Vancler Augusto Geraldo - que era da comissão de licitação do instituto e hoje está lotado no 1º Depósito de Suprimentos no Rio -, é revelado que ele já esteve envolvido em outro escândalo, na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército (Esao), de onde foi afastado. Em 2006, o capitão teria sido acusado de compra das provas para instrutor. De fato, já foi comprovado que Márcio Vancler foi expulso da unidade por este motivo. Mas a acusação, investigada na 1ª Auditoria da Justiça Militar, acabou arquivada. O oficial, depois, entrou com um mandado de segurança na Justiça Federal do Rio para recuperar o direito a promoções, que haviam sido canceladas, mas não teve o seu pedido aceito.
Ainda sobre Vancler, é dito que ele seria amigo íntimo do ex-capitão Ailton. A suspeita é de que Ailton seja o mesmo oficial que foi investigado pelo Exército no caso do desvio de armas da corporação que foram parar no arsenal de traficantes do Morro da Rocinha, em 2006. Depois disso, embora sem relacionar a decisão ao episódio, o Exército afastou Ailton por considerá-lo incompatível com a carreira militar. Outro evento mencionado no email é sobre o período em que Vancler ainda era aspirante. Ele teria sido autuado por um assalto em Niterói. Também teria sido preso administrativamente no IME. Segundo a mensagem eletrônica, Vancler teria 18 imóveis. O jornal levantou que o oficial tem, hoje, 13 apartamentos e salas.


Um centro de excelência acadêmica
Desde a década de 50, uma instituição intocável

No olho do furacão desde que vieram à tona as denúncias sobre fraudes em pagamentos por consultorias, em especial entre os anos de 2004 e 2006, o Instituto Militar de Engenharia (IME), um dos mais importantes do país, se viu, pela primeira vez, envolvido no noticiário criminal. O instituto tem sua origem na Academia Real Militar, a primeira escola de engenharia das Américas e terceira do mundo, fundada em 1811. Em 1959, com a fusão da Escola de Engenharia Militar com o Instituto Militar de Tecnologia, surgia o IME, que oferece cursos de graduação e pós-graduação para alunos militares e civis. Fica no bairro da Urca, ao lado do Bondinho do Pão de Açúcar.
Além de se dedicarem à formação acadêmica, os profissionais do IME também dão apoio técnico a grandes obras de infraestrutura, como no caso das parcerias com o Dnit que estão sendo objeto da investigação. A restauração do Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República, concluída em abril, foi custeada por empresários e realizada pela Fundação Ricardo Franco. O IME também participa das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em vários estados. Após as denúncias, o instituto foi alvo de uma operação de busca e apreensão feita pelo MP Militar, algo incomum em unidades militares.

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