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sábado, 8 de maio de 2010

Uma muambazinha não dói

O que acontece quando um secretário nacional de Justiça é pego em flagrante intimidade com alguém acusado de viver da pouco honrosa atividade de importar celulares baratos, etiquetá-los com marcas famosas e revendê-los como se legítimos fossem? E o que acontece se esse secretário, que é também presidente do Conselho Nacional de Combate à Pirataria, é gravado cotando o preço de uma muamba com a ajuda do mesmo amigo suspeito? A resposta é: não acontece nada. Ao menos até o presente momento, o delegado Romeu Tuma Júnior segue sua função como presidente do conselho cuja principal atribuição é definir os caminhos pelos quais o estado brasileiro vai combater o crime da pirataria. Não há dúvida de que ele entende do assunto.
Em 2008, a Polícia Federal começou a investigar uma quadrilha de contrabandistas chefiada pelo chinês Lee Kwok Kwen, conhecido como Paulo Li. A quadrilha movimentaria pelo menos 12 milhões de reais por ano. Ao longo dos trabalhos, os policiais depararam diversas vezes com telefonemas e e-mails para Li vindos de Tuma Júnior. Algumas dessas conversas, publicadas pelo jornal O Estado de S. Paulo, mostram o apreço que o secretário tinha pelo chinês, preso em setembro de 2009. Em um dos diálogos interceptados pela polícia, ele chega a convidar o amigo para dividir o mesmo quarto de hotel, numa viagem ao interior de São Paulo. "Assim, você não gasta em hospedagem", diz. Em outra gravação, Tuma Júnior aparece perguntando a Li se o videogame Wii está à venda "lá na Vinte e... lá na Paulista". O secretário se refere à Rua Vinte e Cinco de Março, em São Paulo, reduto de produtos piratas e contrabandeados, o mesmo tipo de comércio praticado numa conhecida galeria da Avenida Paulista. Tuma Júnior prossegue: "Dá pra saber quanto é que é? Eu preciso comprar pra Renata (sua filha), mas na Europa tava caro". Li diz que vai passar na loja para olhar, ao que Tuma responde: "Tá bom (...) Daí me fala, aí eu já levo o dinheiro pra você". Outras conversas sugerem também que o secretário prestava favores a Li, facilitando ou agilizando a liberação de vistos para imigrantes chineses. Em e-mails endereçados a Tuma Júnior, Li relaciona números de processos e lhe pede providências. Em julho passado, na cerimônia de sanção da lei de anistia a imigrantes ilegais, Tuma Júnior levou o amigo a Brasília. Li posou para foto ao lado do presidente Lula e do então ministro da Justiça, Tarso Genro.
Li não é íntimo apenas de Tuma Júnior, mas também de seu pai, o senador Romeu Tuma. Na década de 80, quando Tuma era superintendente da PF em São Paulo, ele dava aulas de kung fu aos policiais federais. Foi quando conheceu Tuma Júnior. Mais tarde, participou da eleição do amigo para deputado estadual e tornou-se seu assessor parlamentar. No dia em que Li foi preso, os policiais encontraram no escritório dele um cartão de visita que o apresentava como "assessor especial" da Secretaria Nacional de Justiça. O escândalo veio à tona na quarta-feira. No mesmo dia, o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, chamou o diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa, para lhe pedir um relatório sobre a participação do secretário no episódio. Parte da conversa foi presenciada pelo próprio Tuma Júnior. No dia seguinte, o ministro declarou que não iria "sair rifando as pessoas, condenando e executando a condenação em público".
O fato de o secretário continuar até agora no cargo pode ter outra explicação além da notória candura com que o governo do PT trata aliados flagrados em situações pouco republicanas. Tuma Júnior foi nomeado para a Pasta da Justiça mediante uma barganha que envolveu a ida de seu pai para o PTB, da base governista. Ocorre que, nestas eleições presidenciais, o partido ainda não definiu se vai ficar ao lado da candidata petista, Dilma Rousseff, ou se bandear para a arena do tucano José Serra – no nível estadual, o apoio ao PSDB já está praticamente acertado. Assim, quando o governo se empenha em blindar Tuma Júnior – "um homem que tem uma folha de serviços prestados a este país", nas palavras do presidente Lula –, está de olho no peso que Romeu Tuma tem dentro do PTB e na possibilidade de que o cacique o utilize em favor de Dilma Rousseff. Enquanto as negociações não se definem, a Secretaria Nacional de Justiça e o Conselho Nacional de Combate à Pirataria continuarão sob o comando de alguém que não vê nenhum problema em dividir um quarto com um sujeito enrolado com a Justiça e comprometido com a pirataria. Parece deboche? Pois é mesmo.

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