Ao misturar arqueologia, ciência e religião, teorias apocalípticas ganham popularidade e fazem crescer o número de pessoas que se preparam para o juízo final
Paula Rocha, Flávio Costa e João LoesAos 71 anos, o relojoeiro aposentado Tikao Tanaka passa seus dias contando as horas que lhe restam até o mundo acabar. O senhor de gestos contidos e sorriso tímido, natural da cidade de Guararapes, no interior de São Paulo, diz estar se preparando para o fim dos tempos, marcado para o dia 21 de dezembro de 2012. Junto de sua família, Tanaka comprou uma propriedade de 20 mil metros quadrados no município de Alto Paraíso de Goiás, na Chapada dos Veadeiros, um dos poucos lugares, que, segundo ele, serão preservados após um tsunami devastar a costa brasileira no dia fatídico. “Quando a hora chegar, vou me mudar para lá de vez”, diz. Acreditando na mesma teoria apocalíptica, a irmã e o cunhado do relojoeiro já estão na cidade goiana há pelo menos três meses.
“A gente fala para as pessoas sobre o que vai acontecer, principalmente para os amigos, mas nem todo mundo acredita”, afirma. Tanaka é um dos seguidores de Masuteru Hirota, 69 anos, mais conhecido como professor Hirota. Japonês da cidade de Kochi, ele é um misto de vidente, pretenso guru espiritual e curandeiro que há 35 anos mantém em Atibaia (SP) uma espécie de casa de tratamento – o Lar Lokkon Shôjo, ou Seis Raízes Puras –, onde oferece cura para dezenas de pessoas. Segundo Hirota, em 2012 um tsunami de proporções gigantescas atingirá 80% da superfície terrestre e levará à morte mais de seis bilhões de pessoas. Praticamente toda a costa brasileira será tragada, deixando livre apenas uma pequena porção que engloba partes de Goiás, Mato Grosso e Tocantins. No resto do mundo, somente regiões centrais da África e da Ásia resistirão. Quanto à América do Norte e Europa, não há esperança. “O fim já começou”, alerta o guru.
CRENÇA
Jairo Pontes, de Alphaville (com a mulher, Maria Isabel,
e os filhos), acredita no juízo final entre 2028 e 2036
A exemplo dos discípulos do professor Hirota, muita gente acredita que o mundo pode acabar em 2012. Ou pelo menos que catástrofes e tragédias de proporções nunca antes vistas estão marcadas para ocorrer no próximo ano, mais especificamente no dia 21 de dezembro. A data, que assinala o fim do calendário solar dos maias – uma das mais importantes civilizações pré-colombianas –, levantou toda sorte de teorias apocalípticas e desencadeou um fenômeno cuja magnitude se compara aos desastres previstos. Segundo um relatório da “Missão Interministerial de Luta contra Seitas” (Miviludes), da França, foram registrados mais de 2,5 milhões de sites que propagam profecias sobre 2012. Já existe até uma rede social exclusiva para aqueles que acreditam nas teorias fatalistas e desejam se preparar para o dia final. Chamado “2012 Connect”, o portal conta com mais de 1,5 mil membros. O site da Nasa (Agência Espacial Americana) recebeu nos últimos três anos milhares de mensagens de pessoas desesperadas para saber se há possibilidade de o mundo acabar em breve. Seitas que aguardam o fim dos dias se proliferam em vários cantos do planeta e até o governo do México, região onde viveram os maias, quer tirar proveito da febre do fim do mundo. As cidades que conservam as ruínas da antiga civilização devem receber 52 milhões de turistas em 2012, 30 milhões a mais do que o habitual.
Aqui no Brasil, em Alto Paraíso, o município que, segundo Hirota, deverá sair ileso das catástrofes, os efeitos da especulação imobiliária causada pelo apocalipse já podem ser sentidos. Pelo menos duas dezenas de seguidores do autointitulado guru – a maioria descendentes de japoneses – já compraram casas e terrenos na cidade de nome celestial, também conhecida como a “Capital Brasileira do Terceiro Milênio”, dada a quantidade de adeptos dos mais diversos esoterismos que acorrem para lá. “E há mais 47 interessados em comprar imóveis aqui por causa do fim do mundo”, diz Milton Silva, gerente da imobiliária Kalunga Imóveis, que atua na região. “Esperamos que ocorra em 2012 o mesmo boom de turistas que vieram para cá na virada de 1999 para 2000”, diz Fernando Couto, secretário de Turismo de Alto Paraíso. “Sei que já há quartos alugados em pousadas para o dia 21 de dezembro, mas até essa data veremos o número de visitantes aumentar.”
Mais ao Sul do País, na cidade de Porto Belo, em Santa Catarina, a migração de turistas é motivada por uma seita chamada “Movimento Salvai Almas”, fundada em 1997 pelo aposentado Cláudio Heckert, 66 anos. Católico e pai de sete filhos, Heckert diz receber mensagens de Nossa Senhora constantemente, entre elas um alerta de que o mundo passará por uma terceira guerra mundial em maio de 2012. “Três bombas nucleares serão detonadas”, diz Arnaldo Haas, porta-voz do grupo, que garante ter respaldo bíblico para todas as previsões que chegam de Maria, mãe de Jesus, através de Heckert. Segundo o suposto profeta, quem sobreviver à hecatombe atômica terá ainda de escapar da queda de uma estrela, em setembro, e do juízo final, marcado para 25 de dezembro do mesmo ano. “Será rápido e fulminante, mas os filhos de Deus não têm o que temer”, diz Haas. Confiantes, os membros do movimento nem irão se preparar para a tragédia. “Quando a hora chegar”, diz Haas, “Deus garantirá proteção e multiplicará, apenas para os fiéis, provisões como alimentos e água.”
Contar com o auxílio divino no momento final, no entanto, não tem sido o suficiente para todos que esperam terremotos, tsunamis e outras calamidades em 2012. O americano Dennis McClung, morador da cidade de Phoenix, no Arizona, ganhou fama por transformar a casa em que vive com a mulher, Danielle, e os filhos, Caden, 4 anos, e Vedah, 2, num verdadeiro refúgio antiapocalipse. Desde 2009 a família se prepara para uma possível explosão solar em 2012, que comprometeria o funcionamento de serviços básicos como luz, água e comunicações aqui na Terra. “Se os Estados Unidos saírem do ar por causa de uma explosão solar, todos terão apenas alguns dias de água, pouca comida e em uma semana viveremos no caos”, diz McClung. Para aumentar suas chances de sobrevivência, o webdesigner desenvolveu uma estrutura autossuficiente no fundo do quintal, que inclui a criação de tilápias, galinhas e cabras e o cultivo de vegetais e folhas. Caso tenha que fugir de casa, comprou máscaras e roupas à prova de substâncias tóxicas e radioativas. O americano Peter Larson também construiu um bunker a uma hora de sua casa, em Salt Lake City, no Utah, para os 12 membros da sua família. A porta suporta até 36 toneladas de pressão e há comida para dois anos. O medo de Larson é que o mundo acabe num ataque nuclear. “As chances de um holocausto estão maiores com o ingresso do Irã e da Coreia do Norte no clube de países nucleares”, diz.
Além da procura por comidas enlatadas, lanternas, máscaras e água para estocagem, outros segmentos da economia se beneficiam do fenômeno apocalíptico de 2012. Desde que um tsunami invadiu a costa do Japão, em março de 2011, causando um desastre nuclear, o número de pessoas interessadas em comprar bunkers nos Estados Unidos aumentou em até 1.000%. Apenas uma empresa, a Terravivos, afirma ter recebido centenas de pedidos de reserva, efetivados mediante um depósito mínimo de US$ 5 mil. “As pessoas estão com medo de eventos catastróficos e preveem um colapso da economia mundial que levaria à anarquia e que poderia significar o fim de 90% da população mundial”, diz Robert Vicino, CEO da Terravivos. No Brasil, a empresa brasileira Bunker Brasil confirma ter vendido três bunkers para clientes brasileiros que temem catástrofes em 2012. Os modelos, com proteção contra armas químicas e biológicas, filtragem de ar e armazenamento de alimentos, variam de preço e tamanho, mas custam entre R$ 800 mil e R$ 1 milhão, na versão com capacidade para abrigar até dez pessoas.
Se as novas tecnologias que possibilitam maior proteção contra as possíveis tragédias propagadas para 2012 são modernas, o fim do mundo não tem nada de novo. Há milênios, profetas das mais diferentes crenças e religiões vêm a público para defender datas que marcariam o apocalipse. Felizmente (e obviamente) todos falharam até aqui. O americano Harold Camping, um dos arautos do fim dos tempos mais fracassados do mundo, já previu e errou o dia do juízo final três vezes. Isso não o impediu, porém, de conquistar seguidores até no Brasil. No bairro de Nova Gameleira, em Belo Horizonte, fica a sede nacional da Family Radio, organização criada por Camping. Em maio de 2011, o líder brasileiro do grupo, Harold Gulli – que mora nos Estados Unidos – veio ao País para divulgar o fim do mundo entre os brasileiros. Com um pequeno bando de seguidores, distribuiu panfletos em São Paulo, São Bernardo do Campo e São José dos Campos, pedindo às pessoas que se arrependessem de seus pecados. Mas o fim dos dias, marcado por Camping para 21 de maio, não aconteceu.
A data do fim do mundo da vez, 21 de dezembro de 2012, se tornou popular após interpretações de escritos maias encontrados no templo de Palenque, no sul do México. Ali está registrado que um dos calendários maias, a roda calendária, terminaria neste dia. O marco teria sido calculado através da observação astronômica e da análise de outros dois calendários maias, o Zolkin, que pautava a vida religiosa, e o Haab, ligado às guerras e à vida civil. “Mas os maias não deixaram nenhum registro de que o mundo acabaria”, diz Alexandre Navarro, doutor em arqueologia pela Unam (Universidad Nacional Autónoma de México) e professor de história da América da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). “O fim da roda calendária representa apenas o término de um ciclo”, diz.
BUNKER
Dennis McClung, de Phoenix (EUA), estoca água,
mantimentos e utensílios à espera do apocalipse
Mas, para alguns fiéis do fim dos tempos, outros sinais indicariam que o reino dos homens sobre a Terra estaria prestes a acabar. Misturando arqueologia e ciência, profecias correm a internet afirmando que em 21 de dezembro de 2012 um raro alinhamento do Sol com os planetas do sistema solar poderia interferir na gravidade da Terra, causando maremotos, terremotos e muitas mortes. “Esse alinhamento, de fato, acontecerá, mas não significará absolutamente nada”, diz o astrônomo Carlos Henrique Veiga, coordenador da Divisão de Assuntos Educacionais do Observatório Nacional. Segundo o especialista, o fenômeno já ocorreu milhares de vezes desde que nosso planeta existe e nunca gerou consequências perceptíveis. “Cataclismas, tsunamis e terremotos não são ocasionados pela atração gravitacional dos planetas”, reforça.
Mesmo que o mundo não acabe em 2012, ainda assim muitas pessoas não descartam a hipótese do fim numa data futura. Para o empresário paulista Jairo Pontes, várias catástrofes naturais devem ocorrer em 2012, mas não serão suficientes para dar cabo à vida no planeta. “O juízo final está marcado entre 2028 e 2036”, diz. Nesse período, de acordo com o seguidor da Igreja Cristã Apostólica Profética de Alphaville, um meteoro deverá atingir a Terra e três quartos da população mundial perecerá instantaneamente. “Só quem acreditar em Jesus e for batizado será salvo”, afirma Pontes. Saindo da seara religiosa, a fotógrafa Lívia Buchele, 32 anos, também acredita no apocalipse, mas sob o viés ambiental. “O fim do mundo já começou”, diz Lívia. “Se não mudarmos nosso estilo de vida, o planeta chegará ao seu limite e será o nosso fim.”
Seja por motivos religiosos, seja por motivos científicos ou ecológicos, o apocalipse sempre despertará o interesse e a curiosidade do homem, independentemente das crenças de cada um. “Pensar no fim do mundo nos desperta um sentimento de ambiguidade”, explica Teresa Creusa Negreiros, doutora em psicologia clínica e professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). “Ao mesmo tempo que tememos um fim coletivo, também o desejamos, pois assim não deixaríamos a vida sozinhos.” Se o dia 21 de dezembro de 2012 terminar como todos os outros, isso não significará, contudo, o fim das profecias sobre o fim do mundo. Será só mais uma possibilidade de lembrar a célebre frase de Santo Agostinho, no livro “A Cidade de Deus”: qualquer previsão que fale em uma data não passa de uma fábula ridícula.
PARANOIA
Peter Larson, de Salt Lake City (EUA), em seu bunker
para 12 pessoas: seis metros de profundidade
Colaborou Débora Rubin
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