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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

A nova cara do protesto

Em todo o mundo, floresceu uma nova forma de manifestação: o acampamento. De Wall Street a São Paulo, as barracas na praça simbolizaram a insatisfação com o modelo econômico mundial

Rachel Costa

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GLOBALIZADO
Os protestos se espalharam pelo mundo. Em sentido horário,
acampados em Nova York, Madri, Alemanha, São Paulo e Canadá

Primeiro surgiram as barricadas e as passeatas. Depois, os piquetes e as marchas. Tudo isso, porém, parece agora ultrapassado. A nova ordem é montar acampamento. Foi em 2011, quando bandeiras deram lugar a barracas e a inércia venceu o movimento, que o mundo criou uma nova forma de protesto. Estudantes, trabalhadores, profissionais liberais, jovens em sua maioria, tomaram conta das praças mundo afora para protestar contra o sistema econômico, que beneficiaria uma minoria, e contra o sistema político, no qual não se veem representados. Estima-se que neste ano contestações tenham ocorrido em países onde vivem três bilhões dos sete bilhões de pessoas do planeta.

A inspiração veio do mundo árabe, que viu na ocupação sem trégua da praça Tahrir o caminho para depor o ditador Hosni Mubarak. Foi na Espanha, porém, que o movimento “Ocupe” deu os primeiros frutos. Em um país de democracia consolidada, mas castigado pela crise, com quase metade da juventude sem trabalho, os cidadãos decidiram acampar por seus direitos. Assim, no dia 15 de maio, um belo domingo da primavera europeia, véspera das eleições gerais no país, milhares de espanhóis marcharam rumo à praça Puerto del Sol, marco zero da capital Madri. Seria só mais uma passeata, não fosse um detalhe: findo o dia, os manifestantes não retornaram para suas casas. Eles permaneceram na rua, embalados pelas palavras de ordem “não temos casa, ficamos na praça” – em alusão à dificuldade da população em pagar hipotecas e aluguéis devido à má situação econômica da Espanha.

Em pouco tempo, o local tornou-se um acampamento urbano, no qual centenas de barracas coloridas se misturavam a cartazes de protesto. “A rua é de graça”, “se não nos deixam sonhar, não os deixaremos dormir”, “nossos sonhos não cabem em suas urnas” eram algumas das frases escritas em cartolinas.

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Eles se autointitularam “Os Indignados” e nas manifestações em praça pública ganharam a adesão de espanhóis em mais uma dezena de cidades do país. “Os governos resgataram o sistema financeiro, mas o cidadão ficou endividado”, diz Leonardo Avritzer, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisador do Instituto de Estudos Europeus, na Itália. “Isso põe em questão o papel do sistema político: afinal, a função do Estado seria proteger o povo ou o mercado?”

O modelo ganhou outras praças e se espalhou de forma viral neste mundo globalizado. Dez dias depois da invasão espanhola, os gregos postaram-se diante do Parlamento, onde protestaram por mais de um mês. Foi quando os acampamentos tomaram conta de Israel, também com reclamações contra os políticos corruptos, a falta de empregos e o alto custo de vida. Até que, em 17 de setembro, o movimento chegou a Nova York. Com o apoio de veteranos das ocupações da Grécia, Norte da África e Espanha, o desconhecido parque Zucotti, no coração financeiro da cidade, foi tomado pelas barracas do “Ocupe Wall Street”.

Na América, o protesto ganhou o slogan “Nós somos os 99%” – inspirado em dados que mostravam como a desigualdade havia se acentuado nos EUA entre 1997 e 2007, com apenas 1% da população concentrando os benefícios econômicos em detrimento do restante. Muitas das críticas aos “Ocupe” centravam-se no fato de que eles não tinham consistência ideológica ou interlocutores bem definidos. Mas aí está outra característica deste movimento que marcou 2011.

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Os acampados levantam a bandeira da democracia direta, transformando o protesto em uma espécie de laboratório para uma comunidade sem lideranças. É o faça você mesmo na política. Bebendo direto na fonte da Ágora grega, as ocupações – só nos EUA houve mais de 60 em todas as regiões do país – imprimiram uma organização democrática na qual cada um deve levar suas ideias às assembleias diretamente e defendê-las diante dos demais, sem representantes, sem votos, sem urna, sem governo.

Logo, vieram outros acampamentos. Uma convocatória mundial, feita nas redes sociais, conclamou os manifestantes a ir às ruas no dia 15 de outubro. Brotaram barracas em todo o globo. No Brasil, sob o viaduto do Chá, em São Paulo, e na Cinelândia, no Rio de Janeiro (ambos importantes centros de protesto no fim da ditadura brasileira), o clamor por democracia direta se misturou às demandas locais – como manifestações contrárias à usina de Belo Monte e à reforma do código florestal. Paris, Londres, Vancouver e Berlim foram apenas alguns dos centros urbanos ocupados.

No início de novembro eram contabilizados mais de mil acampamentos. “Nessa nova forma de protesto os manifestantes abrem mão de suas vidas para ficar ali, parados, acampados em praça pública”, define o filósofo brasileiro Vladmir Safatle, que acompanhou os acampamentos brasileiros. “É preciso muita força de vontade para resistir nessas condições.”

A repressão em Wall Street, na madrugada do dia 15 de novembro, porém, selou o destino dos acampados mundo afora. Dos mais de 50 acampamentos contabilizados nos EUA, por exemplo, metade foi removida. Pelo menos 26, no entanto, resistiam até a semana passada. Sem as barracas, os manifestantes têm buscado formas mais tradicionais de se organizar. A multidão do parque Zucotti, por exemplo, agora tem uma sala empresarial que serve de “cérebro” para o movimento, contrariando a regra de não haver lideranças. Mesmo desalojados, os “occupies” prometem continuar em atividade no próximo ano. Resta saber até onde podem chegar. História eles já fizeram.

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