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quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O morro cidadão

Com a ocupação da Rocinha e as 19 UPPs, o Rio devolve a cidadania aos moradores, que, agora, aguardam as melhorias sociais, algo essencial para que a paz seja duradoura

Francisco Alves Filho

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DIVERSÃO
Menina brinca na piscina da Rocinha: governo
promete investir R$ 100 milhões em obras sociais

Ao desalojar facções do tráfico que imperavam em favelas cariocas, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) restituíram aos moradores vários direitos que não eram exercidos. O resgate da cidadania aconteceu em todas essas áreas, mas na Rocinha, ocupada pela polícia em novembro, a mudança foi tão grande quanto a gigantesca favela, com mais de 100 mil moradores, encravada entre os nobres bairros cariocas São Conrado e Gávea. O serviço de limpeza urbana, suspenso há tempos, voltou a funcionar e os trabalhos de pavimentação, iluminação e saneamento passaram a ser tocados. A retomada da cidadania pode ser confirmada em detalhe tão simples quanto fundamental: o direito de ir e vir. Na Rua 2, onde antes traficantes passeavam exibindo seus fuzis, hoje a população circula até tarde da noite. “É bom poder passar aqui sem cruzar com homens armados”, diz Elza Carvalho, que mora na favela há mais de 20 anos. O caminho que pavimenta a transformação do morro em bairro, porém, é longo e está apenas começando. Quase um mês após a ocupação, bandidos assaltaram uma loja de eletrodomésticos e um mercadinho. O episódio foi um claro recado: a Rocinha voltou a ser um território do Estado, mas ainda precisa de muita estrutura para que funcione sob a legalidade.

Uma das urgências é justamente o policiamento ostensivo. A segurança da favela está, atualmente, a cargo do Batalhão de Operações Especiais (Bope), até que sejam instaladas as cinco unidades de UPPs. Quando isso será feito ainda não está definido, vai depender da avaliação do Bope. O diálogo com os moradores é importante para decidir isso. “Das intervenções que já fizemos, a receptividade aqui foi a mais surpreendente”, conta o major André Batista, subcomandante do Bope. Ele explica que no primeiro momento da pacificação é preciso reconquistar a confiança dos moradores. “Por isso, fazemos sempre reuniões com a comunidade sobre reivindicações sociais.”

E elas são muitas: escolas de qualidade, unidades de saúde de bom nível e programas de geração de renda são algumas. “É preciso possibilitar que os moradores definam as prioridades das políticas públicas”, avalia Raquel Willadino, coordenadora de direitos humanos da ONG Observatório de Favelas. “Não interessa trocar o controle do tráfico por um estado policial.” O estado democrático é o objetivo. E para alcançá-lo não basta somente retirar os traficantes do local.

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NOVOS TEMPOS
A prisão de Nem, o chefão do tráfico da Rocinha, ocorreu dias antes da
ocupação da favela. A polícia não deu um único tiro quando subiu o morro

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É preciso ações simultâneas e urgentes para garantir uma vida digna. Os bancos públicos anunciam novas agências e o governo estadual diz que vai investir R$ 100 milhões em obras sociais até fevereiro. Vale verificar como estão as outras comunidades pobres que passaram, ou passam, pelo processo da pacificação. No Complexo do Alemão, na zona norte, por exemplo, o teleférico inaugurado em julho reduz a poucos minutos o trajeto que muitos moradores levavam horas para fazer a pé. Mas, por problemas operacionais, é utilizado por apenas dez mil passageiros por dia, embora tenha capacidade para transportar 35 mil num percurso de 3,5 quilômetros sobre as favelas. A presença de tropas do Exército policiando as ruas levou segurança e mudou uma das vias principais, a Joaquim de Queiroz: antes tomada por traficantes armados de fuzis, hoje é salpicada de barraquinhas de uma feira de artesanato. Não por acaso, a emoção tomou conta do Alemão no domingo 11, quando uma multidão assistiu a um belo concerto da Orquestra Sinfônica Brasileira, executado num palco montado em um campo de futebol.

No complexo do Borel, na Tijuca, que engloba sete favelas, aumentou o registro de casos em que os moradores procuram a polícia. São ocorrências de brigas de vizinhos, agressão de maridos contra mulheres e, ainda, denúncia contra traficantes. “É um bom sinal”, diz o comandante da unidade, capitão Bruno Amaral. “Antes não havia tantas ocorrências porque os moradores temiam represálias se chamassem a polícia ou porque não tinham tanta confiança na corporação.” Desentendimentos e delitos pequenos eram resolvidos pelos próprios traficantes, os donos do território. Hoje, a comunidade tem direito à segurança pública, como o restante da cidade.

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PELO ALTO
Teleférico no Complexo do Alemão: transporte mais eficiente

O saldo é positivo, mas o modelo de pacificação ainda está longe da perfeição. Em pesquisa da Fundação Getulio Vargas intitulada “Mais Justiça e Sociedade”, moradores do morro do Cantagalo, na zona sul, reclamaram bastante. Nada menos que 29% deles relataram que tiveram algum direito desrespeitado no último ano e a principal queixa era quanto aos policiais. Habitantes de outras comunidades pacificadas têm reclamações parecidas. Além disso, para que a mudança seja verdadeira, o objetivo não pode se restringir apenas a trocar o poder do tráfico pelo poder policial. O próprio secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, admite isso. “Depois da ação policial, é hora da ação social”, disse ele à ISTOÉ. “Mas é preciso velocidade. As pessoas têm que sentir que é muito melhor estar do lado do Estado do que do tráfico.” Por isso, multiplicam-se intervenções por toda parte e a prefeitura promete investimentos de R$ 1,1 bilhão nas comunidades pacificadas até 2012. Sabe-se que não é possível acabar com a pobreza nos morros de uma tacada só. É possível, porém, diminuí-la e dar dignidade a quem vive modestamente nessas áreas agora reconquistadas pelo Estado.

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