Casa quintuplica gastos com trabalho excedente. Sem controle eletrônico de ponto, volume chega a R$ 44,4 milhões. O benefício infla ainda mais os já generosos salários dos funcionários, recém-reajustados com a aprovação do plano de cargos
ANA D"ANGELO
Enquanto
o Senado diminuiu drasticamente as despesas com horas extras em 2012, a
Câmara dos Deputados gastou, no mesmo período, cinco vezes mais —
desembolsou R$ 44,4 milhões em benefício de seus funcionários que
fizeram serviço extraordinário. O dinheiro excedente engorda os já
supersalários das categorias da Casa, que estão ainda maiores desde
janeiro, com a entrada em vigor do novo plano de cargos, que concederá,
até janeiro de 2015, aumentos de mais de 50%.
O
desembolso do Senado com horas extras passou de R$ 42,4 bilhões, em
2010, para cerca de R$ 7,5 milhões, em 2011, e R$ 8 milhões, no ano
passado. O valor destinado pela Câmara em 2012, por sua vez, é igual ao
de 2010, porém, abaixo do total liberado em 2011, de R$ 69,4 milhões. A
justificativa da Casa é que houve mais sessões deliberativas, nas quais
os servidores teriam trabalhado mais de oito horas por dia, com
intervalo para o almoço, ou mais de seis horas corridas.
No
Senado, a economia foi possível por causa da adoção, nos últimos dois
anos, do ponto eletrônico, o que permite a medição exata do tempo que
cada servidor permanece no trabalho. Diferentemente do que acontece na
Câmara, onde não há marcação dos horários de entrada e de saída de forma
eletrônica para a jornada semanal de 40 horas. Ela é manual, registrada
em um livro, controlado pelo chefe de cada área, o que dá margem para
funcionários trabalharem apenas algumas horas por dia e receberem como
se tivessem dado duro durante o turno obrigatório, além de embolsar
horas extras não trabalhadas.
Somente
o ponto do trabalho extraordinário dos servidores da Câmara é marcado
eletronicamente, e a farra instalada com a suposta labuta além da carga
horária diária é conhecida e antiga na Casa. Sabendo da sessão em
plenário que se estende até a noite, muitos servidores chegam mais tarde
ou trabalham menos que o horário regulamentar e retornam à Câmara por
volta das 19h só para marcar a hora extra.
Os
aparelhos que só medem a jornada excedente foram instalados no início
de 2010, depois de uma série de denúncias na imprensa sobre os fantasmas
que “trabalhavam” na Câmara. Eram funcionários que davam só uma
passadinha rápida para registrar o ponto no caderninho e iam bater perna
na rua ou cuidar dos seus afazeres domésticos. O objetivo dos
equipamentos eletrônicos era fiscalizar a presença durante a jornada
regular de todos os servidores, mas eles estão restritos à marcação das
horas excedentes.
A
Câmara alega que o controle eletrônico para o registro da frequência
diária depende de ato da Mesa Diretora e que é preciso, antes, “resolver
questões sobre especificidades de horários distintos de funcionamento
de alguns departamentos”. Questionada pelo Correio, a Casa legislativa
não informou quantos foram os servidores beneficiados pelos R$ 44,4
milhões. Disse apenas que, na conta, além dos efetivos, estão os
comissionados de gabinetes.
Facilidade
Recente
decisão da direção da Câmara facilitou ainda mais a vida dos servidores
que não querem cumprir a jornada devida. O horário de recolhimento dos
cadernos de ponto pelo Departamento de Pessoal, que era às 10h para quem
trabalha na parte da manhã, passou para as 15h. A medida foi uma
reivindicação de funcionários que alegavam dificuldades em chegar a
tempo por causa do trânsito. Ela beneficia pelo menos um terço dos 15
mil funcionários.
Oficialmente,
a Câmara alega que não houve mudança no horário do expediente dos
funcionários nem na jornada. Diz que a transferência do horário é apenas
para conferência e para lançamento do registro de frequência no sistema
eletrônico de presença. “O controle da entrada e da saída e o de
assinatura de livros de ponto são de responsabilidade dos chefes de cada
seção ou departamento”, informou.
Aumentos
Ao
contrário do que esperavam os próprios servidores da Câmara, a
presidente Dilma Rousseff sancionou, em 28 de dezembro de 2012, o plano
de cargos e salários da categoria sem vetar o artigo 7º, o que resultou
em mais aumento médio de R$ 1,5 mil, além dos reajustes de 33% a 56,3%
de janeiro em três anos (veja ilustração). O dispositivo prevê a
incorporação da diferença entre os valores da Gratificação de Atividade
Legislativa (GAL), que foi reajustada de acordo com o novo plano, e a
antiga. Enquanto isso, os funcionários públicos em geral tiveram direito
a, no máximo, 15,8% de correção nos mesmos três anos.
Os
parágrafos primeiro e segundo do artigo 7º asseguram a adição da GAL,
que integra a gratificação pelo exercício de função comissionada dos
chefes que estão no cargo há pelo menos cinco anos. Isso faz com que
eles também levem para a aposentadoria o valor dos benefícios por
exercício de chefia, mesmo estando de fora do serviço público.
A
presidente Dilma vetou apenas o parágrafo único do artigo 6º, que
assegurava aos servidores aposentados voltarem à Câmara com função
comissionada. O Palácio do Planalto considerou o dispositivo
inconstitucional, argumentando que apenas servidores efetivos da
carreira podem exercer esses cargos de chefia.
Adicional
Com
o novo plano de cargos, o menor salário na Câmara, de técnico
legislativo (nível médio), passará para R$ 13,6 mil até janeiro de 2015.
A remuneração inicial dos analistas será de R$ 20,4 mil e a dos
consultores, a partir dos R$ 30 mil. Além disso, os funcionários da Casa
recebem adicional de especialização por graduação (caso dos técnicos),
pós-graduação, mestrado e doutorado.
Além do teto
Uma
liminar do Tribunal Regional Federal tem garantido aos servidores da
Câmara e do Senado receberem acima do teto constitucional do
funcionalismo, que, desde o mês passado, é de R$ 28.059,29. A decisão
permite que fiquem de fora do valor limite máximo as gratificações por
exercício de função. O TRF cassou a liminar da 9ª Vara Federal, que
havia determinado a inclusão das gratificações no cálculo do teto
constitucional, que estava de fora por ato da Mesa da Câmara e do
Senado. O mérito da ação ainda não foi julgado pela 9ª Vara.
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