Morte de adolescente por sinalizador disparado
por torcedores na Bolívia é a prova de que não basta haver regras no
futebol, é preciso cumpri-las e punir quem desobedece a elas
Rodrigo Cardoso
No meio da massa que dá o tom de espetáculo aos estádios de futebol
existe um bando de pessoas – talvez vestindo as mesmas cores que você –
armado. O artefato da moda, usado por esses grupos para manifestar a
paixão pelo time, são os sinalizadores. O problema é que eles matam. Foi
uma arma desse calibre, um cilindro plástico de 20 centímetros de
comprimento por 2,5 centímetros de diâmetro utilizado geralmente pelas
Forças Armadas, que matou o adolescente boliviano Kevin Douglas Beltrán
Espada, na quarta-feira 20. Aos 14 anos, ele assistia ao jogo válido
pela Copa Libertadores da América no estádio Jesús Bermúdez, em Oruro,
entre o San José e o Corinthians, atual campeão do torneio, quando foi
alvejado no olho direito por um projétil, que penetrou em seu crânio,
provocou perda de massa encefálica e o matou na hora.
O disparo partiu de integrantes da torcida do time brasileiro, de
acordo com as autoridades locais. O Corinthians já foi punido. O
Tribunal de Disciplina da Confederação Sul-Americana de Futebol
(Conmebol) definiu que o time jogará toda a edição 2013 da Libertadores
com os portões fechados e não poderá contar com seus torcedores nem nas
partidas em que atuará como visitante. Doze corintianos estão detidos na
Bolívia. Com eles, foram recolhidos nove objetos semelhantes ao que
matou o adolescente. Pior: o modelo dos sinalizadores apreendidos,
segundo os policiais bolivianos, não é vendido naquele país, o que leva a
crer que os “torcedores” atravessaram a fronteira com a arma escondida.
Mas o que leva alguém a ir para um estádio armado com um sinalizador
naval? E o que fazem as autoridades responsáveis que, descumprindo as
regras do futebol, permitem a entrada de fogos de artifício e
sinalizadores nos palcos dos jogos? “Eles chegam em grupos simulando
ambiente de festa, pulando, gritando, para ultrapassar barreiras da
polícia”, diz o sociólogo Maurício Murad, do mestrado da Universidade
Salgado de Oliveira (Universo), um estudioso do comportamento de
torcidas organizadas.
A VÍTIMA E OS ALGOZES
Doze corintianos estão presos na Bolívia e com eles foram recolhidos nove sinalizadores.
Acima, Kevin Douglas Beltrán Espada, 14 anos, morto enquanto assistia ao jogo do seu time
Regras existem. O código de disciplina da Confederação Sul-Americana
de Futebol (Conmebol), entidade organizadora do torneio, prevê punição,
em seu artigo 11, para clubes cujos torcedores manifestem comportamentos
inadequados, como invasão de campo, objetos atirados no gramado, uso de
sinalizadores, fogos de artifício ou qualquer outro objeto pirotécnico.
Tanto que o Corinthians já foi punido. Como, então, a revista feita
pelos policiais na porta do campo não recolheu o objeto? O trabalho
policial, seja no Brasil, seja em qualquer outro país, tem de ser sério
para banir essas armas com potencial letal. O sinalizador é um artefato
cujo projétil atinge longas distâncias. Dentro de um estádio de futebol,
em meio a uma multidão, se torna ainda mais perigoso. Mesmo que o
torcedor brasileiro não tivesse a intenção de atingir o boliviano, não
se pode dar margem para que esse tipo de objeto seja manipulado por
torcidas organizadas, que, muitas vezes, enxergam o adversário como
inimigo mortal.
Fonte: Maurício Murad, sociólogo do mestrado da Universidade
Salgado de Oliveira (Universo), pesquisador de torcidas organizadas
No Brasil, onde os objetos pirotécnicos passaram a ocupar as
arquibancadas em meados dos anos 1990, o Estatuto do Torcedor proíbe o
porte ou a utilização de fogos de artifício ou quaisquer outros engenhos
pirotécnicos. Mesmo assim, é comum assistir ao “espetáculo” de luzes
produzido por esses objetos nos jogos. Deve-se considerar uma
particularidade desses infratores travestidos de torcedores de futebol:
eles se valem do fato de estarem na multidão para delinquir e agem na
invisibilidade da massa. Só que, com as dezenas de câmeras que captam as
imagens dentro de um campo de futebol, é possível identificar e punir
quem burla a norma. “Aqui não se faz isso. E deveria ser feito”, afirma o
procurador de Justiça Fernando Capez, hoje deputado estadual paulista,
que combateu a violência das torcidas organizadas.
NO MEIO DA MASSA
A torcida em ação, na quarta-feira 20. No detalhe,
o momento em que o artefato foi disparado
No ano passado, na Argentina, onde também são proibidos
sinalizadores, rojões e fogos nos estádios, três corintianos ludibriaram
a segurança e entraram no estádio La Bombonera, na primeira partida da
final da Libertadores entre Corinthians e Boca Juniors, com 50 pacotes
de artefatos. Durante o jogo, porém, as câmeras captaram a luz suspeita e
torcedores foram identificados pelos policiais. Encaminhados para a
delegacia, eles se comprometeram a doar fraldas a um hospital e foram
proibidos de frequentar partida de futebol em território argentino
durante um ano. Por aqui, as autoridades têm insistido para que as
organizadas denunciem o integrante que cometa algum ato de vandalismo,
sob o risco de a torcida toda ser responsabilizada. Essa estratégia deu
resultado no confronto entre Santos e São Paulo, no começo deste mês,
quando um rojão foi lançado de um dos ônibus de torcedores do time da
Baixada Santista e estourou ao lado de um dos policiais que faziam a
escolta do veículo. De imediato, o ônibus foi parado para que, naquele
momento, o autor se apresentasse. Do contrário a torcida inteira seria
levada para a delegacia e correria o risco de sofrer uma eventual
suspensão. É preciso tolerância zero com as torcidas organizadas nos
estádios para que o futebol volte a ser um evento de diversão e não uma
ameaça aos espectadores.
Fotos: EFE/STRINGER; Juan Karita/ AP Photo
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