Há
muitas dúvidas sobre a necessidade da obra que ligará Salvador a
Itaparica. A certeza é que o valor pago pelo governo da Bahia está
superdimensionado
Josie Jeronimo
73% A MAIS
Ponte estava orçada inicialmente em R$ 2 bilhões.
Na semana passada, começou a ganhar contornos de realidade na Bahia
uma obra grandiosa, mas de custo-benefício muito duvidoso. Trata-se da
construção da ponte ligando Salvador à ilha de Itaparica por cima da
Baía de Todos os Santos. Com 11,7 km, a obra, quando concluída, só
perderá em extensão para a ponte Rio-Niterói, que tem 13,3 km e é a
maior já construída no País, aclamada como empreendimento-modelo da
engenharia de seu tempo, a década de 1970. Os vultosos valores
envolvidos diante da incerteza sobre a necessidade do empreendimento,
contudo, dividem os baianos e são alvo de críticas da oposição no
Estado. Inicialmente orçada em R$ 2 bilhões, a ponte já tem uma
estimativa de orçamento final de R$ 7,4 bilhões. Ou seja, foi majorada
em 73% e, com isso, passou a ser considerada uma das mais caras do
mundo. Só para o projeto da obra foram gastos R$ 40 milhões, num
contrato sem licitação celebrado entre o governo da Bahia e a
consultoria internacional Mckinsey & Company. No ano de sua
inauguração, por exemplo, a Rio-Niterói havia custado R$ 5 bilhões em
valores atualizados, o equivalente a 66% do orçamento da ponte
Salvador-Itaparica.
Projeto foi anunciado pelo governador Jaques Wagner
Parte dessa diferença se explica pelos
avanços tecnológicos, que transformam as pontes do início do século XXI
em monumentos tecnológicos, ao contrário das obras do século passado,
que não passavam de estradas sobre águas. A experiência internacional,
contudo, demonstra que é possível gastar menos. Na China, a monumental
obra de 41,5 quilômetros de extensão sobre a baía de Jiaodhou, terminada
em 2011, custou o equivalente a R$ 3,5 bilhões. Enquanto o governo do
Estado alardeia que os 50 mil moradores de Itaparica, que hoje fazem a
travessia para Salvador de ferry boat, terão uma opção mais segura e
confortável para viajar, o escritor João Ubaldo Ribeiro, que mora lá,
condena o projeto. “Esse progresso é na verdade uma face de nosso
atraso. Atraso que transmutará Itaparica num ponto de autopista, entre
resorts, campos de golfe e condomínios de veranistas, uma patética Miami
de pobre”, disse.
O professor da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal da Bahia Antônio Heliodório Sampaio
teme que, a curto prazo, a ponte possa criar mais confusões do que
soluções. “A ilha tem problemas de infraestrutura. Falta até água no
verão”, critica o urbanista.
O governo baiano já iniciou o processo de desapropriação, decretando a
utilidade pública de mais de 4,8 mil hectares de terras da ilha. Na
expectativa da formação de um “banco de terrenos” valorizados após a
construção da ponte, o mercado imobiliário apoia o projeto. O secretário
de Planejamento do Estado, Sérgio Gabrielli justifica o investimento
com argumentos socioeconômicos. Afirma que a Salvador-Itaparica pode
levar, para a população baiana, uma evolução semelhante à que a
Rio-Niterói trouxe para os fluminenses. Na visão de Gabrielli, com a
ponte o Estado ganhará novas vias de interligação, favorecendo o
escoamento de portos, atraindo novos investimentos e reduzindo em 130
quilômetros a distância entre Salvador e os Estados do Sudeste. Podem
ser argumentos reais, mas nada justifica um preço tão elevado.
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