Quatro décadas depois da Guerrilha do Araguaia, a comissão que tenta localizar e identificar os corpos dos insurgentes do PCdoB reconhece os restos do guerrilheiro mais misterioso do conflito
Alan RodriguesAs circunstâncias de sua morte e sua trajetória de vida, no entanto, têm tudo para ser elucidadas a partir de agora. Depois de fazer uma série de escavações na região do conflito, especificamente no velho Cemitério de São Geraldo, peritos do Grupo de Trabalho Araguaia (GTA) descobriram três ossadas. Uma delas, que os peritos acreditam ser de um negro, foi identificada como sendo do guerrilheiro Preto Chaves. Como a investigação corre em segredo de Justiça, integrantes da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos do governo preferem não anunciar a descoberta oficialmente antes da conclusão do processo. Mas Diva Santana, representante da comissão, admite: “De fato, um dos restos mortais tem muita chance de ser do guerrilheiro Chaves”, disse Diva à ISTOÉ.
ELUCIDAÇÃO
O pesquisador Agildo Nogueira Júnior tem ajudado o governo
com informações sobre a vida de Preto Chaves.
"Ninguém falava sobre ele", diz.
Agildo Nogueira Júnior, pesquisador do Instituto Maurício Grabois, ligado ao PCdoB, é o único estudioso que tem ajudado o GTA com informações sobre a vida de Preto Chaves. Há alguns anos, ele levanta informações sobre o guerrilheiro para a produção de um livro. “Interessei-me pelo caso, já que quase ninguém falava sobre ele. Essa cantilena de que os militares não possuem mais informações tem atrapalhado a pesquisa”, diz Júnior. Agora, com a descoberta da ossada, a apuração do pesquisador pode contribuir para o reconhecimento definitivo do corpo. Ele mostra, por exemplo, uma entrevista publicada no “Jornal Opinião”, de Goiás, na década de 1990, na qual o sargento do Exército identificado como J. Pereira, que combateu no Araguaia, admite que seu grupo matou três guerrilheiros. “Foi tiro pra lá, tiro pra cá. No final, três guerrilheiros estavam mortos”, disse J. Pereira, que ainda está vivo. O sargento fez outras revelações importantes. Ele conta que deixou os corpos dos guerrilheiros no mesmo local em que os restos mortais foram encontrados agora pelo GTA. O sargento revelou também que Preto Chaves carregava no peito um cordão de terecô, um patuá da religião afro cujo “terreiro” era frequentado pelo ex-marinheiro. “Tínhamos informações de que o guerrilheiro negro era considerado feiticeiro”, disse J. Pereira, que se referiu ainda a “uns cordões amarrados” usados pelo guerrilheiro.
COMPANHEIRO
Zezinho combateu na selva ao lado de Preto Chaves no Araguaia.
Ele contou que o ex-guerrilheiro frequentava terreiros de umbanda
Antes do Araguaia, há algumas informações mais precisas sobre Chaves. Em 1935, ele participou do levante comunista contra o governo de Getúlio Vargas. Preso e torturado, foi trancafiado por meses no presídio da Ilha Grande ao lado de Graciliano Ramos. O escritor faz referência ao marinheiro em seu livro “Memórias do Cárcere”. Na década de 1960, Chaves filiou-se ao PCdoB. A partir daí, sua trajetória é obscura.
Fotos: Kelsen Fernandes; Arquvo Ag. Istoé; ICHIRO GUERRA
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