Após 8 anos em silêncio, os ex-sócios de Valério na agência SMP&B Cristiano Paz e Ramon Hollerbach abrem o jogo e contam como foi montada a estratégia para ganhar dinheiro com o PT e revelam os bastidores da aproximação e briga com o operador do mensalão
por Paulo Moreira LeiteSentados numa sala de reuniões no primeiro andar de um edifício discreto no bairro de Santa Lúcia, em Belo Horizonte, os publicitários Ramon Hollerbach Cardoso, 65 anos, e Cristiano Paz, 61, aguardam pelo debate de recursos no Supremo Tribunal Federal para saber qual será seu futuro – o próximo e o distante. No final de 2012, quando o Supremo Tribunal Federal anunciou as 25 condenações do mensalão, Hollerbach recebeu a pena de 29 anos, 7 meses e 20 dias de prisão. Cristiano pegou 25 anos, 11 meses e dez dias. Apenas Marcos Valério, sócio de ambos em duas agências de publicidade, recebeu pena maior que a deles: 40 anos.
Toda pessoa que já conversou com um condenado a caminho da cela sabe que ouvirá juras permanentes de inocência e queixas veementes contra a Justiça. É compreensível e mesmo humanitário. A dúvida é saber quando essas manifestações expressam o interesse individual de quem tenta recuperar a liberdade a qualquer custo, e quando expressam fatos verdadeiros, que merecem um novo exame da Justiça. Qualquer que seja o juízo que se faça sobre o destino de Hollerbach e Paz, é preciso reconhecer que se trata de uma situação que não pode ser resolvida em ambiente de Fla-Flu. Envolve denúncias e provas aceitas pela mais alta corte de Justiça do País, mas também inspira um debate sempre bem vindo sobre direitos e garantias individuais, que será feito nos próximos meses, quando o STF examinar os recursos dos condenados.
A motivação que levou dois profissionais bem-sucedidos a se aproximar do esquema de finanças do Partido dos Trabalhadores em 2002 envolve a ambição de ganhar muito dinheiro e conquistar posições no mercado – em troca de favores prestados aos aliados do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Assegurando que os dois apenas seguiram a estratégia de crescimento de outras grandes agências do País, Paz afirma: “Com a ajuda do governo federal nós poderíamos ganhar uma estatura que jamais seria obtida no mercado. O governo abre portas, ajuda a obter contratos e clientes.” Para Hollerbach, a aproximação representava a chance de participar de campanhas eleitorais. “O que se ganha em quatro meses de campanha pode ser mais do que quatro anos de atividade no mercado,” afirma. “Numa campanha você começa a discussão sobre seu ganho líquido, que está garantido. Coloca dinheiro no bolso e, depois, cobra os custos.”
Nem a vontade de enriquecer nem a troca de favores, mesmo enunciada com franqueza tão rara e explícita, explicam as condenações de 25 ou 29 anos. Os dois foram condenados por crimes graves: corrupção ativa, peculato, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Ao pedir a condenação de Paz, Joaquim Barbosa denunciou “toda uma parafernália, um mecanismo bem azeitado de desvio de recursos públicos.” Ressalvando que os antecedentes de Paz são “absolutamente impecáveis, recomendáveis”, o revisor Ricardo Lewandovski, que se opôs a Joaquim Barbosa em vários momentos do julgamento, considerou que o réu “cometeu crimes gravíssimos” e decidiu condená-lo, mesmo aplicando penas mais leves.
FIM DA GÊNESE DO ESQUEMA
Filial de Brasília da SMP&B Comunicações foi fechada
em 2005 no rastro do escândalo do mensalão
Mesmo sem ter um papel executivo na DNA, matriz do esquema de distribuição de dinheiro clandestino para os deputados do PT, Hollerbach e Paz tinham participação acionária naquela agência. Mas faziam aquilo que era fundamental para alimentar o esquema: assinavam cheques ao portador. Além da SMP&B, possuíam partipação numa holding, a Grafitte, que era dona de metade da DNA, onde ingressaram por indicação de Valério. No dia a dia, a agência era comandada por Marcos Valério e dois publicitários, presidente e vice, que nem sequer foram chamados a prestar depoimento. Quando, por uma razão ou outra, os diretores estavam ausentes, Paz e Hollerbach faziam o serviço. Talvez tenham sido duas dezenas, num universo que pode chegar a milhares.
Quando informou a Marcos Valério que não iria mais assinar cheques, ouviu uma resposta imediata. Se era assim, teria de se desligar da agência. Concordou, vendendo sua parte para Romilda, a mulher de Valério. Foi o início de uma ruptura, consolidada pelo escândalo. A última vez em que os dois conversaram foi em 2007, o ano em que foram aceitos como réus pelo Supremo. A primeira conversa tinha sido uma década e meia antes, quando Valério apresentou-se à sede da SMP&B com uma proposta para reestruturar uma agência que acumulava prêmios e dívidas na mesma velocidade. “O Marcos tem um talento que precisa ser reconhecido,” diz Paz. Tem visão de negócio, sabe identificar um problema e encontrar uma solução.”
Algumas condenações que atingiram Hollerbach e Paz dizem respeito a um ponto anterior a tudo. Consiste em saber a natureza daquele esquema financeiro que Delúbio e Valério colocaram em movimento, com a participação de Paz e Hollerbach. Na verdade, é a mais delicada discussão em torno do mensalão.
DEPOIS DA BONANÇA, A BRIGA
Sócios romperam com Marcos Valério por causa de cheque mal explicado
Com base no testemunho de uma publicitária que atuava na área de marketing do Banco do Brasil, os ministros respaldaram a denúncia de que o esquema desviou R$ 73 milhões da instituição para garantir a festa petista. O esquema do mensalão, em síntese, seria isso. O Supremo chegou a esse montante durante o próprio julgamento, que teve início a partir de estimativas ainda mais altas.
Num esforço para demonstrar a inocência dos clientes, seus advogados realizam, desde o julgamento, um exercício de engenharia reversa para demonstrar que o dinheiro desviado foi gasto, efetivamente. Percorrem escritórios de fornecedores e parceiros – e mesmo repartições policiais onde o material foi apreendido – à procura de notas fiscais e material que possa demonstrar os gastos. Numa estimativa preliminar, transmitida à ISTOÉ na sexta-feira 24, eles se diziam capazes de demonstrar 90% dos gastos realizados, ou R$ 69.384.146,19. Dada a importância dessa revelação, que poderia representar uma mudança espetacular na visão de muitas pessoas sobre o julgamento, ela necessita de exames independentes para merecer o crédito devido.
Uma informação surgida no acórdão de Joaquim Barbosa, o ministro que liderou a votação no Supremo, pode trazer conforto direto a Hollerbach. Numa denúncia que contribuiu para reforçar a pena dele, Barbosa afirmou que uma perícia criminal havia encontrado um depósito de R$ 400 mil na conta de uma empresa da qual seria proprietário encoberto. O problema é que, sabe-se hoje, tratava-se de uma acusação com base falsa. O laudo em que o presidente do STF se baseou para fazer a acusação não estabelece nenhuma ligação direta entre Hollerbach e aquele depósito. O nome do publicitário nem sequer é mencionado naquele trecho e a empresa, que seria propriedade do publicitário, é uma tradicional produtora de marketing do Rio de Janeiro, a RSC, abreviatura de Rio, Samba e Carnaval, com anos de atuação na cidade, e recebeu o dinheiro por um serviço prestado. No acórdão, em que trouxe por escrito o voto que havia lido no tribunal, Joaquim Barbosa deixou claro que reconhecia o erro: suprimiu as linhas em que se referia ao episódio.
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