Numa festa para mais de 1.000 convidados em Fortaleza, em 2008, Fernanda e Arialdo Pinho celebraram o casamento da filha Aline. Políticos do Ceará encheram o salão da casa de espetáculos Siará Hall. Os irmãos Cid Gomes, governador do Ceará, e Ciro, deputado federal, ambos do PSB, estavam entre os padrinhos. Arialdo é o principal assessor de Cid e comanda a Casa Civil do governo do Estado. O pai da noiva também foi prestigiado por muitos empresários locais, alguns deles donos de grandes contratos com a administração pública cearense. Um dos convidados presentes à festa foi José Carlos Pontes, sócio do Grupo Marquise. Estiveram também na cerimônia o tricampeão de Fórmula 1 Nelson Piquet e o filho Nelson Ângelo Piquet, outro padrinho dos noivos.
Alguns personagens daquela noite de festa que se estendeu até o nascer do sol agora aparecem juntos em circunstâncias bem diferentes. Eles são citados numa investigação da Polícia Federal que desbaratou um golpe com contratos fictícios de patrocínio para a Federação Cearense de Automobilismo (FCA). O inquérito tramita sob segredo de Justiça na 11a Vara Federal do Ceará. ÉPOCA teve acesso a detalhes da apuração. As autoridades afirmam que os patrocínios firmados pela FCA acobertaram o desvio de milhões de reais de empresas para a formação de um caixa dois destinado ao pagamento de propinas a agentes públicos e ao financiamento de campanhas eleitorais.
Na última semana de novembro, a PF realizou a Operação Podium e prendeu sete pessoas envolvidas nas irregularidades. Foram recolhidos documentos em residências e escritórios no Ceará, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Entre os presos estava o empresário José Hybernon Neto, ex-presidente da FCA, apontado como um dos mentores do golpe. As ligações telefônicas de Hybernon foram monitoradas pela polícia. A PF encontrou dificuldades para reconhecer alguns interlocutores, mas identificou outros. Um deles é “Arialdo Pinho, chefe da Casa Civil do governo Cid Gomes”, segundo um relatório policial.
Uma conversa de Hybernon do dia 7 de maio arrastou o braço direito de Cid Gomes para dentro do escândalo. Arialdo Pinho aparece nas investigações como contato de Hybernon dentro do governo. No telefonema, Hybernon disse a um interlocutor que estava saindo da casa de Arialdo Pinho e que, segundo o anfitrião, seria “preferível” os dois se encontrarem sempre naquele endereço. Na época, Arialdo comandava a Casa Civil. Pouco depois, ele se afastou do cargo para coordenar a campanha à reeleição de Cid Gomes e retornou ao posto após as eleições. Perguntado por ÉPOCA sobre eventuais reuniões com Hybernon, o chefe da Casa Civil se recordou de um encontro em sua casa, mas não se lembrou da data. Arialdo afirmou que, por falta de tempo, realiza pequenas reuniões de trabalho em sua casa e que Hybernon o procurou interessado numa licitação estadual.
A contabilidade do golpe soma R$ 34,6 milhões movimentados entre 2004 e 2008. Um relatório do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf) identificou que no período foram registrados saques sistemáticos em valores superiores a R$ 300 mil. Um total de R$ 33 milhões foi sacado em espécie mediante cheques emitidos pela FCA. Hybernon aparece como o principal beneficiário dos cheques. À Receita Federal, que investiga sonegação de impostos, Hybernon confirmou que a FCA era usada apenas como “trampolim” do dinheiro. Ele, depois, era devolvido às empresas. A maiorA Marquise é hoje uma das principais empresas do Ceará. Cuida da ampliação do Porto do Pecém, que prevê investimentos de R$ 571,5 milhões – 80% financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A empresa também constrói o Hospital Regional de Sobral, cidade que foi administrada por Cid Gomes. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registrou as doações oficiais de campanha feitas neste ano pelo Grupo Marquise. A empresa doou para candidatos do PSB e, também, a outros aliados de Cid. O governador eleito da Paraíba, Ricardo Coutinho (PSB), recebeu R$ 770 mil. A empresa doou R$ 2,2 milhões ao PMDB nacional e R$ 250 mil ao PT do Ceará, partidos que apoiaram Cid Gomes. Outras empresas investigadas pela PF doaram R$ 550 mil ao comitê de Cid Gomes. A Marquise afirmou que não comentaria o assunto por orientação de advogados.
Há indícios de que a FCA tenha sido usada para mandar dinheiro para fora do país de forma irregular. De acordo com o juiz do caso, Ricardo Campos, há fatos que “merecem ser aprofundados e que apontam para a prática de delito de evasão de divisas por parte do então gestor da FCA (José Hybernon)”. Nesse trecho da apuração são citados o tricampeão de Fórmula 1 Nelson Piquet e seu filho Nelson Ângelo Piquet. Por intermédio da FCA, Nelsinho recebeu no exterior cerca de R$ 5,3 milhões. Os peritos estranharam também o fato de Nelson Piquet ter recebido, em 2008, R$ 500 mil da FCA. Piquet disse a ÉPOCA que as transferências foram fruto dos patrocínios firmados com a FCA, à qual Nelsinho é filiado. O tricampeão afirmou que conhece Hybernon apenas de nome e que os R$ 500 mil recebidos por ele da FCA se referem a um “contrato de mútuo (empréstimo)”.
A Justiça decretou a quebra do sigilo fiscal de todos os envolvidos no caso – entre eles Nelson e Nelsinho. A PF, a Receita Federal e o Ministério Público ainda analisam os documentos apreendidos na Operação Podium. Os desdobramentos das investigações poderão esclarecer se os participantes da festa de 2008 eram apenas bons amigos num momento de confraternização ou tinham algo mais em comum. parte do dinheiro, R$ 25,8 milhões, saiu dos cofres de três empresas do Grupo Marquise.
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