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sábado, 22 de outubro de 2011

Ação no STF acirra disputa entre Ceará e Piauí por área de divisa

Merendeira em uma escola pública de Cachoeira Grande, distrito do município cearense de Poranga, Maria do Carmo, 39 anos, sabe que mora no Ceará, mas quando precisa de algum serviço vai a Pedro II, no Piauí. A área onde vive é alvo de disputa entre os dois estados do Nordeste, briga que ficou acirrada depois que o Piauí entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) em agosto requerendo cerca de 3 mil km² da divisa com o Ceará.

Maria do Carmo explica que já existe o hábito de se recorrer ao município vizinho. “É mais perto e a estrada é melhor”, disse. “A gente gastou uns 45 minutos para ir a Pedro II de moto. Para Poranga faz tanto tempo que fui que não lembro ao certo”, afirma. O município onde mora fica a 347 quilômetros de Fortaleza, capital do Ceará.

De acordo com ela, a maioria das casas não possui água encanada e a comunidade precisa usar água do chafariz público ou de um poço particular pagando R$ 20 por mês. “Na minha casa já tem água encanada, porque é bem próximo à rua que tem o poço particular”, diz a merendeira. A única satisfação é com a escola que afirma estar ‘’boa para o tamanho da comunidade”. A cearense diz que não se incomodaria “de jeito nenhum” em se tornar piauiense porque já se desloca com frequência para o estado vizinho.Ação no STF acirra disputa entre Ceará e Piauí por área de divisa (Foto: Patrícia Araújo/Agência Diário)

Piauí pede no STF cerca de 3 mil km² de área no Ceará. (Foto: Patrícia Araújo/Agência Diário)

"Faixa de Gaza"
Em 2009, um projeto apresentado na Assembleia Legislativa do Piauí, passava 2.417 km² do Ceará para o Estado piauiense. Segundo estimativa do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), o total da área de litígio entre o Ceará e o Piauí é de cerca de 3.210km². Em 1880, um decreto assinado por dom Pedro II formalizou uma troca de áreas entre Ceará e Piauí, mas, na prática, estados nunca demarcaram divisas.

Para Reginaldo Alves dos Santos, 23 anos, a população deveria escolher com qual estado deve ficar a chamada ‘’faixa de gaza’’. “Se fosse só eu, há muito tempo já seria piauiense, porque tem muita coisa que eu não preciso do Ceará, mas eu sei que muita gente não quer deixar de ser do Ceará”, afirmou. Assim como Maria do Carmo, ele costuma se dirigir a Pedro II para fazer compra, ir ao banco e ao médico.

"Sem resposta"
Após esperar uma resposta do Ceará para resolver a pendência , o Governo do Estado do Piauí resolveu entrar com ação no STF para resolver o impasse. O procurador-geral do Estado do Piauí, Kildere Souza, explicou ao G1, que desde 2003 busca uma solução administrativa. “Encaminhamos duas vezes minuta ao Governo do Ceará com uma proposta de acordo”, afirmou. O procurador disse que o governador do Piauí, Wilson Martins (PSB), vem sendo pressionado por deputados e população para “tomar providências”.

A assessoria da Procuradoria-geral do Estado do Ceará (PGE) defende que a melhor esfera para se resolver o impasse é a negociação e afirma ainda que sempre manteve o diálogo com o estado vizinho. Além disso, alega que, para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), essas áreas pertencem e são atendidas pelo Ceará. Para a PGE, a ação no STF é um processo longo e o resultado não é passível de recurso.

Possibilidade de acordo
Na terça-feira (18), o Piauí recebeu o procurador-chefe da Procuradoria do Patrimônio e do Meio Ambiente (Propama) do Ceará, Diogo Musy. Kildere Souza, disse ter recebido ainda um telefonema do procurador-geral do estado do Ceará, Fernando Oliveira, para que se faça um acordo.

Segundo o procurador-geral do Piauí, a proposta do estado é que se leve em consideração, além da ocupação atual, a comodidade das pessoas que vivem nessas áreas. Já a proposta do Ceará apresentada na terça-feira é de que se suspenda a ação no STF, para tentar conciliar.

Kildere informou que vai se reunir com o governador do Piauí na próxima segunda-feira (24) para apresentar a proposta do Ceará que, segundo ele, “é razoável”. “Nesse momento a preocupação é suspender essa ação. E vamos ver se o melhor caminho é a consulta à população ou considerar esses limites”, afirmou.

Como começou a confusão
A área de litígio entre os dois estados envolve nove municípios cearenses e 11 piauienses na divisa entre os dois estados, segundo o procurador. A imprecisão começou com decreto imperial de 1880. Caso este prevaleça, o município de Poranga, no Ceará, perderia 66% de seu território para o Piauí. Segundo Kildere Souza, em 1920 houve uma convenção arbitral para se definir esse território, que terminou por definir a cessão de parte do litoral do Ceará para o Piauí, em troca de algumas faixas de terra, como esta que passa por Poranga. “Na prática, os estados nunca marcaram a fronteira. Desde então, a região é indefinida”.

No Censo de 2010, a população dessas áreas foram contabilizadas para os dois estados. O Instituto Brasileiro de Geografia Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do Ceará estima que cerca de 29 mil habitantes fizeram parte da contagem de Piauí e Ceará no último Censo. Segundo o IBGE, no próximo Censo não haverá duplicação na contagem populacional em áreas de litígio de qualquer parte do território nacional.

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