As irregularidades são comuns nos convênios entre as ONGs e o Ministério do Esporte. Até uma entidade considerada um modelo tem problemas
O Instituto Pró Ação é apontado pelo Ministério do Esporte como um modelo entre as ONGs que recebem recursos públicos para tocar projetos sociais. Quando autoridades estrangeiras vêm conhecer experiências de sucesso, geralmente são levadas a visitar as instalações da ONG no entorno pobre do Distrito Federal. Desde 2005, o Pró Ação mantém nove convênios que somam R$ 18,1 milhões do Ministério do Esporte. Foi contratado para atuar nos dois principais programas da pasta: o Segundo Tempo – que ministra práticas esportivas a alunos da rede pública quando estão fora das escolas – e o Pintando a Cidadania – dedicado a produzir o material usado no Segundo Tempo. Para ter uma ideia do tamanho dos problemas no Esporte, nem essa entidade mais conceituada escapa de suspeitas de irregularidades na aplicação do dinheiropúblico.
O Pró Ação é um negócio familiar. É presidido por Zilmar Moreira e administrado por seu filho, Eduardo Lima. Para confeccionar bolas, bonés e camisetas, a ONG contratou uma cooperativa dirigida por Maria Jovem Tibério de Lima. Maria é mulher de Zilmar e mãe de Eduardo. Parte do dinheiro público recebido pelo Pró Ação segue para a cooperativa dirigida por ela. “O ministério nunca impôs restrições”, afirma Eduardo Lima. “Além disso, prestamos contas de todas as despesas.” A contadora da ONG e da cooperativa é a mesma pessoa.
Em maio de 2008, o governo baixou uma regra controversa. Eliminou a necessidade de ONGs que prestam serviços ao Estado fazer pregões públicos para contratar fornecedores. Desde então, longe de qualquer fiscalização eficaz, as ONGs podem escolher seus fornecedores livremente. O Pró Ação aproveitou a chance e contratou três fornecedores ligados a um comerciante de Valparaíso, Goiás. ÉPOCA procurou essas três empresas que, em tese, venderam materiais para o Pró Ação. Numa delas funciona uma loja que vende motos e acessórios, artigos sem relação com os produtos fabricados pelo Pró Ação. Mesmo assim, Eduardo Lima diz que as compras do Pró Ação atenderam às exigências de preço e qualidade do ministério.
Os negócios com parentes, amigos e dinheiro público são comuns no universo habitado por ONGs e governo. A ONG Pra Frente Brasil é conhecida. Comandada pela ex-jogadora de basquete Karina Rodrigues, vereadora pelo PCdoB em Jaguariúna, interior de São Paulo, a Pra Frente Brasil tem convênios de R$ 28 milhões com o Ministério do Esporte para atender crianças pelo programa Segundo Tempo em 17 cidades. Entre 2009 e 2010, foram liberados R$ 13 milhões para a ONG. Acusada de irregularidades desde o ano passado, a Pra Frente Brasil é uma entidade de família. A diretora-presidente é Rosa Malvina da Silva. Seu irmão Ronaldo Marcos da Silva é o diretor social. Entre os conselheiros estão Iara Zalla Fosco e seus dois filhos, Daniela e Bruno. Só ficou de fora o pai, Achille Nicola Fosco. Como secretário de Educação de Santo Antônio de Posse, cidade próxima a Jaguariúna, Achille contratou os serviços da Pra Frente Brasil. Em 18 de maio de 2010, ele concedeu um atestado de capacidade técnica à ONG. Esses atestados são necessários para que as entidades sejam habilitadas a receber dinheiro público. Em outro negócio, a Pra Frente Brasil pagou R$ 39.000 à JP Zonzini pelo aluguel de brinquedos infláveis. A JP pertence a João Paulo Zonzini, um dos fundadores da ONG.
A vereadora Karina Rodrigues afirma que os dois casos não caracterizam nenhum ato de má-fé. O caso do atestado de capacidade técnica seria uma coincidência. “É apenas um entre 28 atestados que apresentamos ao ministério”, diz Karina. Segundo ela, a contratação da empresa JP Zonzini não foi irregular, e o pregão foi anunciado no Diário Oficial Empresarial. Karina afirma que 22 empresas compareceram, e a JP ganhou. O Ministério Público Federal abriu, na semana passada, um inquérito para investigar a ONG. “Estou feliz que o Ministério Público investigue”, diz Karina. “Se tivesse algo a esconder, não publicaria balanços e resultados de auditorias externas em nosso site.”
As ONGs entraram para a administração pública na década de 1990. Já houve até uma CPI dedicada a elas no Senado, em 2007. Em meio à guerra entre parlamentares da base aliada e da oposição, pouco foi feito para criar regras capazes de coibir irregularidades. No ano passado, o Ministério do Esporte gastou R$ 210 milhões em convênios do programa Segundo Tempo. Recentemente, anunciou que não fará mais convênios com ONGs. Na semana passada, a presidente Dilma Rousseff disse que é preciso haver cuidado no repasse de dinheiro para as ONGs em razão da “fragilidade dos convênios”. Fragilidade que, em geral, termina com dinheiro público em mãos privadas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário