O empresário Francisco Queiroz, 30, colou um adesivo com a frase "Sportage nunca mais" no carro e estacionou em frente à concessionária.
"Sou uma pessoa muito pacífica, mas chega uma hora em que esgota a paciência e não dá mais", desabafa.
Segundo Queiroz, o carro apresentou diferentes defeitos desde a compra, em 2008 -- começando pelo motor.
"A raiva não é pelos problemas. É que não tomam nenhuma providência."
Eduardo Knapp/Folhapress |
Eliud Anhuci, 66, simula marretar seu veículo |
O veículo está na Kia desde março, mas o empresário pede outro na Justiça, além de uma indenização. A Kia processa o cliente por danos à imagem da marca.
Queiroz não está sozinho. Histórias como a dele se repetem com cada vez mais frequência, e raramente há consequências maiores que processos judiciais. Alguns fatores, porém, podem desencadear reações perigosas.
"Há muita expectativa na compra de um carro, o que diminui a tolerância da pessoa a uma frustração", explica Antonio Carlos Amador Pereira, professor do curso de psicologia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica).
Para o psicólogo, o tratamento inadequado dispensado ao público por parte de alguns fabricantes agrava as reações. "Somado ao constante estado de estresse a que o indivíduo é submetido, sua tolerância vai a zero, e ele vive seu 'Um Dia de Fúria'."
Na China, um proprietário lembrou o filme de 1993, estrelado por Michael Douglas, ao destruir sua Lamborghini a marteladas em frente à autorizada que não resolveu um problema do carro.
No Brasil, um Chery Face flagrado com o adesivo "Não tem peças. Nem previsão de chegar" é o mais recente hit do gênero nas redes sociais.
"O intuito é externar a insatisfação e desacreditar o prestador de serviço. Algumas pessoas recorrem ao bom humor, mas a frustração pode gerar um comportamento agressivo", alerta Pereira.
O policial rodoviário André Luís Correia, 34, preferiu o bom humor e criou o www.meufocusquebra.com, com direito a vídeos do proprietário apresentando os defeitos do carro comprado em 2007.
"É o senso de justiça que existe em mim que me motiva", afirma Correia. A Ford propôs acordo, mas ele foi à Justiça por outro carro.
Já Daniely Andrade Argenton, proprietária de um Mégane, e a Renault entraram em acordo no início do ano. Foram quatro anos de briga e o polêmico www.meucar rofalha.com.br, que virou site de defesa do consumidor.
Eliud Anhuci, 66, optou por escrever para a seção Cartas de Veículos. A Renault respondeu, mas a insatisfação permanece. "Nunca mais comprarei outro Sandero."
Diogo Shiraiwa/Editoria de Arte/Folhapress | ||
JUSTIÇA
O consumidor insatisfeito pode protestar, mas deve fazê-lo com cautela. Segundo especialistas, a revenda do carro "odiado pelo dono" também é mais difícil.
Para o advogado José Eduardo Tavolieri, presidente da comissão de direito e relações de consumo da OAB-SP, a manifestação do consumidor é válida, mas tem limite.
"A pessoa não pode denegrir a imagem aleatoriamente e sem motivo justo. Por outro lado, a Constituição também garante o direito de manifestação de opinião sem que isso seja considerado crime. O direito de um termina no exato momento em que começa o do outro", explica.
Os adesivos ou sites não precisarão ser retirados caso o cliente recorra à Justiça, até porque ele continua sendo dono do veículo -mas poderá ser processado pela exposição do desagrado.
"A empresa pode acionar o cliente se demonstrar o efetivo prejuízo a sua imagem. Se o Judiciário entender que o consumidor abusa de seu direito de expressão, ele poderá ser punido."
O advogado recomenda que as partes sempre tentem um acordo. "Quem decide pelo processo está sujeito a um caminho mais árduo e moroso, que pode prolongar o sofrimento", diz.
Já o consultor de vendas Robson de Freitas, que capta clientes para lojas de seminovos, desaconselha os protestos usando adesivos. "Pode pressionar o fabricante, mas dificulta a revenda e reduz o valor do negócio ao expor os defeitos do carro", alerta.
Por lei, o fornecedor tem 30 dias para reparar o dano, se comprovado defeito de fabricação. Descumprido o prazo, o consumidor pode exigir uma redução no preço, a substituição do produto ou a devolução do valor pago.
OUTRO LADO
As montadoras citadas na reportagem afirmaram que entendem que consumidores insatisfeitos têm o direito de reclamar e se expressar, mas acreditam que seus serviços de atendimento ao cliente sejam os canais de comunicação mais rápidos e eficientes.
Sobre os problemas específicos dos consumidores ouvidos pela Folha, a Kia diz que não comenta o caso porque ele está na Justiça. A Ford não respondeu.
A Chery informou que o cliente não apresentou reclamação, que a foto não foi divulgada pelo proprietário e que a peça já foi entregue.
A Renault alega ter explicado ao consumidor que o roubo do estepe, centro da reclamação, é um ato de vandalismo a que estão sujeitos os carros projetados para acomodar o item na parte externa em troca de espaço.RICARDO RIBEIRO
DE SÃO PAULO .
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