Como o produto mais desejado — e disputado— deste verão se tornou o novo símbolo da ascensão da classe média, mostrando que o brasileiro está disposto a pagar o que for preciso para comprar seu próprio frio
Ana Clara Costa e Marília Carrera
Ar-condicionado: aparelho está presente em 5% dos domicílios brasileiros
(Reprodução)
As previsões meteorológicas mais recentes dão conta que nunca houve um verão tão severo no Centro-Sul do país. A seca deve prevalecer, pelo menos, até a segunda metade de fevereiro, aponta a Somar Meteorologia. Mas muitas famílias brasileiras não estão dispostas a economizar no orçamento e aguentar mais semanas (ou verões) tão quentes. As filas para comprar o aparelho fazem voltar à memória o período de escassez caraterístico da hiperinflação. Segundo varejistas consultados pelo site de VEJA, a venda é praticamente instantânea à chegada do produto às lojas. O prazo de instalação é de, no mínimo, três semanas. “Com o aumento da demanda, a logística e o estoque dos fabricantes não comportam as vendas”, afirma Rodrigo Men, diretor comercial da FR Climatização, em São Paulo, que vende e instala os aparelhos. Na Passos Ar-Condicionado, também na capital paulista, são mais de 30 novos clientes que procuram a empresa diariamente para contratar os serviços.
Modelo Split impulsionou adesão aos aparelhos no país
Tais valores não assombram os brasileiros que, hoje, têm acesso ao crédito — e prezam o próprio sono. Tanto que o público consumidor dos aparelhos de ar-condicionado mudou. Da mesma forma que os automóveis, as roupas de marca e os eletrodomésticos de última geração fazem a cabeça da classe-média baixa, o ar-condicionado também ganhou espaço. “Eles estão se sacrificando mais para poder comprar pelo simples fato de não conseguirem dormir. Antes, não podiam solucionar esse problema. Agora, com o crédito, ficou mais fácil”, afirma Adão Lumertz, da Associação Sul Brasileira de Refrigeração, Ar-Condicionado e Ventilação (ASBRAV). Segundo Lumertz, a classe média baixa tem aderido ao produto, sobretudo, no Sul e no Sudeste, onde o calor se instalou de maneira súbita. “São regiões em que a necessidade não era tão grande e a renda é mais alta. Com o calor, a maior demanda surge daqui. É a demanda dessas áreas que a indústria está com dificuldades de atender”, afirma.
Para mensurar o aumento da renda e do padrão de vida das famílias, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) utiliza em seus levantamentos indicadores como a presença de máquinas de lavar em domicílios. Diferentemente das geladeiras e fogões, aparatos vitais presentes em quase todas as residências visitadas pelos recenseadores, as lavadoras são consideradas supérfluos — já que seu uso serve para facilitar a rotina das famílias e poupar tempo. Ao longo dos últimos dez anos, o porcentual de lares com máquinas de lavar saltou de 30% para 50%, mostrando a maciça adesão dos brasileiros ao produto. O ar-condicionado consta em apenas 5% das casas, mas sua ampla presença em áreas de temperaturas mais elevadas poderá transformá-lo no novo indicador de aumento da renda, segundo o Instituto. Para se ter uma ideia, no Rio de Janeiro, um terço das residências são equipadas com ar-condicionado.
Segundo Gustavo Melo, diretor de Marketing da multinacional Whirlpool, empresa responsável pela fabricação dos ares-condicionados Consul, as ondas de calor intensas e a ânsia da população por uma melhora da qualidade de vida têm levado a indústria de aparelhos refrigeradores a outro patamar. O grande salto teve início, segundo Melo, em meados de 2003, com a chegada de inúmeras marcas do modelo Split ao Brasil. Apesar do custo de instalação elevado, o aparelho pode facilmente ser colocado em edifícios com sacada, sem que se modifiquem as fachadas. “A questão arquitetônica foi crucial para a evolução do mercado. Enquanto no Rio a estrutura para aparelhos de janela é obrigatória nos edifícios, na maior parte do país, não. Em São Paulo, há a lei dos Condomínios que proíbe alteração de fachada. E só nos últimos anos os projetos passaram a prever sacadas nos quartos com este intuito”, afirma o executivo.
Enquanto o inverno não chega, a demanda continua provocando agitação no varejo. No Extra, as vendas de ares-condicionados em janeiro cresceram 100% na comparação anual. Na rede Ricardo Eletro, a alta superou 50%. Os varejistas reclamam da demora dos fornecedores em repor estoques. Segundo Melo, da Whirlpool, a capacidade de ampliar a oferta para além dos pedidos feitos antes da temporada é de 20%. A falta de estoque exemplifica a política industrial truncada do governo. A produção de ares-condicionados tem sido incentivada desde 2011, quando a alíquota do imposto de importação para os aparelhos Split subiu de 18% para 35% e desonerações foram implementadas. Contudo, ainda que a indústria tenha se adaptado rapidamente ao adensamento da cadeia produtiva, falta tecnologia para que seja autossuficiente. A chegada dos componentes importados é prejudicada não só pela distância geográfica da Ásia, mas também pela burocracia alfandegária do Brasil, além do caos nas zonas portuárias. Apesar de, hoje, mais de 90% da produção de Splits ser nacional, cerca de 40% das peças são importadas — sobretudo os componentes eletrônicos. “Há subcomponentes que demoram 180 dias para chegar a partir da data do pedido”, afirma Melo, da Whirlpool. Neste caso, a saída é esperar o inverno chegar.
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