As Forças Armadas deverão ganhar mais poder de polícia e proteção legal para realizar operações típicas de manutenção e garantia da lei e da ordem. Essas mudanças fazem parte da proposta de novo texto para a Lei Complementar 97 - a que o Estado teve acesso. Em operações de vigilância na fronteira e demais ações ordenadas pelos poderes constituídos, Exército, Marinha e Aeronáutica podem revistar pessoas, veículos e instalações e fazer prisões em flagrante delito.
O projeto de lei - em fase final de formatação na Casa Civil, após aprovação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do parecer favorável do Ministério da Justiça e da Advocacia-Geral da União - fortalece de maneira explícita o cargo de ministro da Defesa. Ele passa a ter comando operacional sobre as três Forças, que ficam efetivamente subordinadas ao poder civil. Na prática, o texto acaba com a concentração de poder nos comandos.
A proposta, que respalda a Estratégia Nacional de Defesa e deve ser enviada ao Congresso ainda neste mês, também enfrenta uma antiga reclamação dos militares, quando são convocados para atuar em ações repressivas, como a subida de morros ou trabalhos de proteção social na época das eleições.
Agora fica claro que a tropa, nessas ações, desempenhará "atividades militares". Diante de eventuais incidentes, seus integrantes serão julgados por tribunais militares, e não pela Justiça comum, como ocorre hoje.
Alguns soldados, que fizeram vigilância nas favelas e participaram em 1994 e1995 das Operações Rio I e Rio II, respondem até hoje a processos na Justiça comum, quando estavam sob ordens do Exército. Sem proteção legal, são obrigados a pagar seus próprios advogados nos tribunais civis. Os soldados que estão no Haiti, na Missão de Paz das Nações Unidas (Minustah), são protegidos por legislação especial: fazem trabalho de polícia, mas na condição de militares.
Marinha e Aeronáutica ganham o poder de polícia que, hoje, só o Exército tem nas operações de repressão e prevenção nas fronteiras. Esse poder, que tinha vínculo só com ações de fronteira seca, passa a valer também no mar e nos rios jurisdicionais.
Para a Aeronáutica, um direito novo e específico: com base na chamada Lei do Abate, caças e aviões de interceptação da Força - que já têm o poder de controlar e perseguir o chamado tráfego aéreo ilícito, obrigando uma aeronave a fazer pouso forçado - poderão prender pilotos, tripulantes e passageiros em flagrante e entregá-los às autoridades judiciárias.
A proposta pretende evitar situações como a da semana passada. Um pequeno avião carregado com 150 quilos de cocaína foi interceptado e obrigado, após ser alvejado com dois tiros de abate, a pousar em uma fazenda de Cristalina (GO), a 140 quilômetros de Brasília. Até avisar e mobilizar a Polícia Federal, a Aeronáutica, que não tem poder de prisão, deu tempo para os tripulantes fugirem.
PODER CIVIL
A legislação, que trata da doutrina, organização, preparo e emprego dos militares, reforça a subordinação do poder militar ao poder civil eleito com a criação do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas. Será instância no mesmo nível hierárquico dos comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.
O projeto de novo marco legal diz que a nomeação dos comandantes será feita pelo presidente da República, "por indicação" do Ministro da Defesa, e não mais apenas "ouvindo" o ministro. No emprego das Forças Armadas, a subordinação continua sendo ao presidente da República, mas por intermédio do ministro da Defesa. Hoje a subordinação não passa pelo ministério.
"A mais importante mudança é a subordinação operacional das três Forças ao Ministério da Defesa", avaliou o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), presidente da Frente Parlamentar de Defesa Nacional. Embora, na prática, a postura do ministro Nelson Jobim já tenha mudado o funcionamento hierárquico e operacional das Forças, legalmente, lembrou Jungmann, seu posto poderia ser encarado como o de uma "rainha da Inglaterra".
Proposta é um modelo moderno
Exército não é polícia - até que seja convocado para tratar da preservação da lei e da ordem. É um modelo moderno. Mas, antes disso, é preciso ter certas garantias. A Lei 97 trata de dar cobertura jurídica ao eventual envolvimento da tropa em operações críticas, como a intervenção em áreas urbanas conflitadas. Isso acontece no Haiti, onde o contingente de 1.200 combatentes brasileiros, sob mandato da ONU, cumpre a missão de pacificação das zonas mais tensas do país. Na Força Internacional, é o grupo com melhor saldo de sucessos e o mais bem aceito pela população. A avaliação pelos severos códigos militares das ações de campo é garantia necessária. A Aeronáutica militar tem experiência a contar da Lei do Abate, que permite, em situação extrema, que uma aeronave hostil ou em voo ilícito seja derrubada a tiros. Em operação conjunta com a Polícia Federal o Esquadrão Flecha, da Força Aérea, participou da apreensão, no primeiro semestre de 2008, de 1,3 tonelada de drogas contrabandeadas a partir da fronteira oeste. As prisões e autuações foram feitas pela PF. Agora, com ganho de tempo e maior agilidade, poderão ser executadas pelos militares - não apenas no caso da FAB, mas, com ajustes a cada situação, também pelo Exército e pela Marinha. Outra modificação em benefício da modernização da estrutura da Defesa, a criação do Estado-Maior Conjunto, deve ser entendida como ferramenta de integração dos comandos, tanto nas situações de crise como na gestão de recursos para as missões do tempo de paz.
Meta é afastar Aeronáutica de atividades da aviação civil
Pela proposta, deixa de ser atribuição subsidiária da FAB 'operar a infraestrutura aeronáutica' em geral
A proposta de nova legislação da Estratégia Nacional de Defesa traça uma progressão nas tarefas da Aeronáutica que deixa o comando cada vez mais distante da aviação civil e da administração de tudo que não seja relativo a operações e infraestrutura militar. Pelo novo texto da Lei Complementar 97, o comando da Força Aérea Brasileira deixa de ser chamado genericamente de "autoridade aeronáutica" e passa a ser considerado "autoridade aeronáutica militar".
A Aeronáutica não terá mais entre suas atividades subsidiárias "orientar, coordenar e controlar a aviação civil". Também deixa de ser atribuição subsidiária da FAB "operar a infraestrutura aeronáutica" em geral. Ela será responsável apenas pela infraestrutura aeronáutica militar. A proposta mantém sob coordenação da FAB, no entanto, as atividades ligadas ao setor aeroespacial.
O planejamento prevê que, no futuro, todas as tarefas relacionadas à aviação civil saiam da tutela do Ministério da Defesa e migrem para outra pasta, provavelmente o Ministério dos Transportes. Além da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), saem do âmbito da Defesa o Conselho Nacional de Aviação Civil (Conac) e a Secretaria de Aviação Civil (SAC) - todos órgãos hoje vinculados ao organograma da pasta do ministro Nelson Jobim.
TRÁFEGO AÉREO
Essas mudanças, ainda em estudo, só não vão alterar, pelo menos a curto prazo, as funções da Aeronáutica no controle do tráfego aéreo. No Brasil essa missão segue um modelo híbrido, com os militares da FAB no comando da tarefa, mas trabalhando ao lado de controladores civis, que fazem a maior parte da rotina da vigilância da aviação civil.
No fim de 2006 e início de 2007, período mais agudo da crise aérea brasileira, foram os controladores militares que deflagraram a rebelião que promoveu uma operação tartaruga e manteve os aeroportos engarrafados por longos meses. A contratação de novos controladores civis e a aceleração da formação de mais operadores militares reforçou o sistema híbrido brasileiro.
ORÇAMENTO
Paralelamente às alterações jurídicas, o Ministério da Defesa trabalha na elevação do orçamento das Forças Armadas. Jobim vem se reunindo há três meses com parlamentares de todos os partidos a fim de pedir apoio do Congresso para o aumento dos recursos da Defesa.
Segundo levantamento do ministério, apresentado aos parlamentares no ano passado, o Brasil estava em 8º lugar na América do Sul na relação gastos de Defesa ante o total do Orçamento dos países - à frente apenas do Paraguai e da Bolívia. Se a relação for o gasto proporcional ao PIB, o Brasil, em 2008, estava em 6º lugar, atrás de Uruguai, Guiana, Colômbia, Chile e Equador, que liderava esse ranking. Estava melhor que Bolívia, Paraguai, Peru, Venezuela, Suriname e Argentina, que vem em último lugar.
Hoje, o Brasil gasta 1,7% do PIB com defesa. A Estratégia Nacional de Defesa propõe que esse volume aumente 0,75% em 20 anos, para chegar a 2,45% do PIB - ainda será menos do que Equador, Chile e Colômbia já investem.
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