Com causa ainda obscura, o maior blecaute da história do País cai como um raio na candidatura oficial e energiza o debate eleitoral.O atendente Wagner Dias Santos, 35 anos, ainda não havia conseguido entender por que o trem que o levaria para casa na periferia de São Paulo simplesmente parou na noite da terça-feira 10 e tudo escureceu quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ligou para a ministrachefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, no fim da noite da terça-feira 10. Foi um telefonema rápido, com um só objetivo: aconselhar Dilma a desaparecer dos olhos da opinião pública enquanto não se soubesse o que estava acontecendo. "Dilminha, sai fora disso. Saia de cena. Pelo amor de Deus, não dê nenhuma entrevista sobre o assunto", disse o presidente à candidata governista à sua sucessão. Enquanto Wagner resignavase a passar a noite dentro de um vagão com outras 50 pessoas, Dilma decidiu seguir o conselho à risca. Em meio ao festival de informações desencontradas que prosseguiria até o início da noite da quarta-feira, 21 horas depois do blecaute que escureceu 800 cidades de 18 Estados brasileiros, Dilma não se pronunciou sobre o assunto. Só na noite da quinta-feira a candidata apareceu para dizer que o apagão atual era diferente do apagão ocorrido no governo de Fernando Henrique Cardoso. E nada mais.
Naquele momento, Lula, como os outros 60 milhões de brasileiros atingidos pelo apagão, ainda não tinha ideia do que estava acontecendo, mas sabia exatamente que aquela escuridão reacenderia uma oposição que andava letárgica. Assim como fizera dez anos antes, quando um blecaute deixou às escuras a maior parte dos Estados do Centro-Sul do País, Lula tinha certeza de que os oposicionistas tentariam usar o fato politicamente. Estava certo. Mal o dia havia clareado e os deputados e senadores do PSDB e do DEM iniciaram os ataques. O goiano Ronaldo Caiado, líder do DEM na Câmara, afirmava que o apagão jogava uma pá de cal na candidatura de Dilma.
O senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) dizia que a imagem de boa gerente de Dilma havia desaparecido. "O governo se perde em explicações que não convencem", disse. Na outra ponta, o governo decidiu contra-atacar afirmando que o blecaute havia acontecido por uma fatalidade - um raio -, e não por falta de investimentos no setor. "É diferente da época de FHC, quando faltou investimento; agora foi um problema localizado", disse o ministro de Minas e Energia, Edson Lobão.No dia seguinte ao apagão, a sensação dos brasileiros foi de "deja vu". Como em 1999, a causa oficial do caos que tomou conta do País foi um inocente raio. Também como há dez anos a discussão descambou para o lado político. E mais uma vez os especialistas na área contestaram de forma veemente as explicações do governo. "Pode ter sido tudo, menos um raio", disse o ex-gerente da área de energia da Petrobras e especialista em energia da USP, Ildo Sauer. A opinião de Sauer, comum a muitos outros especialistas, foi respaldada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). "Temos 99% de certeza de que o problema foi por falha no sistema. Não havia ocorrência de raios na região de Itaberá (SP) naquele momento", disse Osmar Pinto Jr., coordenador do Grupo de Eletricidade Atmosférica do Inpe, poucas horas após o anúncio oficial do governo de que descargas elétricas haviam atingido as linhas de transmissão na altura da cidade paulista. Confrontado com essas informações, o ministro Lobão se limitou a dizer: "Foi um raio e esse assunto está encerrado."
Para o governo até pode estar. Mas para a candidata do governo - e para a oposição - ainda deve render muito debate. A estratégia do governo é colocar o blecaute na conta do PMDB, que controla quase todo o sistema elétrico brasileiro (leia quadro na pág. anterior). Mas isso não deve blindar Dilma por inteiro. O setor de energia é a área de especialidade dela e foi a ministra quem desenhou o sistema elétrico atual. Nos próximos programas eleitorais a oposição incluirá as falas de Dilma garantindo que o País está livre dos apagões.Há duas semanas, Dilma disse em entrevista ao programa "Bom Dia, Ministro", da Radiobrás, que o Brasil estava a salvo de novo apagão elétrico. "Nós também temos uma outra certeza: que não vai ter apagão." Na quinta-feira 12, mudou o discurso: "Não estamos livres de blecautes, temos sempre que melhorar o sistema", afirmou. O tamanho do estrago na imagem da ministra poderá ser medido por uma pesquisa de opinião pública encomendada pelo PT. Mas o Planalto não precisa de levantamentos, sabe que ela sofrerá um arranhão: "Se tivesse acontecido no período eleitoral seria desastroso", disse um ministro.Alheios às disputas do Planalto, os brasileiros ainda permanecem atônitos com o que aconteceu. A informação de que um simples raio pode deixar às escuras a maior parte do País explicita que o sistema não é tão confiável assim. Após o susto, muitos brasileiros agora começam a contar os prejuízos. Euler Matheus, 65 anos, publicitário aposentado, e sua mulher, Ângela, professora, 62, donos de um apartamento na zona sul do Rio, sofreram duplamente naquela madrugada de quarta-feira. Além do desconforto causado pelo apagão, ainda foram vítimas de um incêndio iniciado com o retorno da energia. "Houve uma sobrecarga e a geladeira pegou fogo", conta Euler. Boa parte do apartamento foi destruído. "Mas o pior foram quadros de artistas como Gonçalo Ivo, Djanira, Tomie Ohtake, uma coleção que comecei 40 anos atrás e que foi seriamente danificada", diz ele. "Alguns foram absolutamente queimados."Assim como Euler, Ângela e Wagner Santos, o atendente que precisou dormir no trem paulistano, ninguém entendeu muito bem o que aconteceu naquela terça-feira obscura. E, no que depender dos políticos brasileiros, provavelmente ficarão sem saber. Até agora, a grande preocupação tanto do governo quanto da oposição é discutir de quem é a culpa, quem é melhor, quem é pior e quem se apagou mais. Ao que parece, descobrir o que de fato aconteceu e o que fazer para evitar que um blecaute dessa proporção volte a acontecer não é tão importante quanto a disputa eleitoral do ano que vem.
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