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quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Marighella, cidadão paulistano

Dias atrás, a Câmara Municipal de São Paulo concedeu a Carlos Marighella, em homenagem póstuma, o título de cidadão paulistano. Curiosamente, essa demonstração de apreço a um comunista baiano pouco ligado a São Paulo ocorreu praticamente no mesmo momento em que o mundo festejava os 20 anos da queda do Muro de Berlim e do malogro mundial do comunismo.
Pessoas com a natureza de Marighella costumam gerar avaliações antagônicas, surgindo como heróis para alguns e como alucinados para outros. Marighella talvez fosse as duas coisas e por isso se compreende que um número reduzido de políticos tenha procurado reverenciar a sua memória. Mas, certamente, essa demonstração de apreço não é partilhada por número muito expressivo de pessoas.
Filho de um imigrante italiano e de uma negra descendente de escravos, desde jovem fez a opção política pelo comunismo e teve sua vida voltada para chegar ao poder pela luta armada. Ele foi o fundador da Ação Libertadora Nacional (ALN), que conseguiu agregar boa parte dos radicais de esquerda durante a ditadura militar de 1964, quase todos mortos em combate com as forças de segurança, inclusive o próprio Marighella.
A criação do novo movimento, de vocação extremada, significou o rompimento com o Partido Comunista, que era compreensivelmente chamado de apático e moroso. As pessoas mais próximas a Marighella costumam dizer que ele visualizava no brasileiro uma vocação reprimida para a luta armada e que seria necessário, tão somente, tirá-lo desse torpor.
Sua convicção provinha de dois fatos principais: a resistência descomunal de muitos brasileiros na Guerra de Canudos e a Coluna Prestes, que percorreu o Brasil, alimentada pelo sonho também revolucionário de Luiz Carlos Prestes, o principal nome do Partido Comunista no Brasil.
Preso várias vezes, desde 1932, por sua atuação política sempre de características radicais, enfrentou a ditadura de Getúlio Vargas, sendo preso e torturado muitas vezes. Quando veio a nova ditadura, de feição militar, em 1964, ele já estava sofrido e experimentado, causando a impressão de que nada tinha a perder na luta armada, a não ser a própria vida.
Passadas algumas décadas desde aquela sua opção pela luta armada, temos distância para conferir que não obteve êxito na empreitada. Realmente, o que devolveu a democracia aos brasileiros não foram as bombas detonadas pelos adeptos da luta armada, e sim a fala macia de Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Mário Covas e outros.
No período mais cruento da ditadura militar, o estrategista Golbery do Couto e Silva idealizou a criação de um partido político de oposição ao regime. Cristalizaram-se, assim, a Arena, composta por governistas, e o MDB, que agrupava os políticos que tinham estômago para dialogar com os militares e convencê-los da conveniência de devolver o poder ao voto popular.
Iniciava-se aquilo que na época se chamava de abertura lenta, gradual e progressiva. Por incrível que pareça, foi o que deu certo. No início houve críticas severas dos radicais a esses políticos maneirosos e aparentemente inocentes que se filiaram ao partido de oposição, porque eram acusados de estar convalidando a ditadura brasileira.
Mas, em verdade, foi a malícia premeditada desse grupo que tirou os generais da torre de marfim e os fez entender que se impunha uma mudança no sistema eleitoral, com a adoção do voto direto em todos os níveis. Essa foi a verdadeira revolução, imposta pouco a pouco, com o passar dos dias, porém muito mais eficaz do que a luta armada.
A mesma distância no tempo nos permite observar que a luta armada de esquerda serviu mais para fortalecer do que para fragilizar a ditadura daqueles anos cruentos. Um ato, em especial, uniu praticamente o País todo contra a ação terrorista. Num gesto de provocação da Vanguarda Popular Revolucionária, que fez virar o estômago da maioria dos brasileiros, os terroristas lograram explodir uma potente bomba na entrada do quartel-general do II Exército, em São Paulo, fazendo em pedaços o sentinela Mário Kozel Filho, de 18 anos, que ali estava. Era tão somente um menino convocado para servir à Pátria, como tantos outros, e nada tinha que ver com o regime combatido.
Se havia algum descontentamento entre as tropas militares, pois nem todos concordavam com a ditadura, a partir do dia em que Mário Kozel Filho foi feito em pedaços pela bomba, a sua morte representou um traço de união.
Criou-se um consentimento tácito quanto à necessidade de os generais continuarem no poder. A partir disso, ocorreram as lamentáveis atrocidades, deixando mágoas que nunca cicatrizam.
Radicalizadas as posições, de um lado um grupo pouco expressivo em termos numéricos, e ainda por cima deficientemente armado, empenhava-se na luta armada contra militares treinados e donos de tanques e armamentos modernos.
Marighella era um dos expoentes dos que se atiravam a essa luta inglória. Sem dúvida, ele e seus aliados raciocinavam com o coração, pecado mortal numa guerra. Por ironia, foi morto junto à Avenida Paulista, talvez o ponto mais expressivo do capitalismo que ele tanto se dispôs a combater.
Em homenagem póstuma a Mário Kozel Filho, a avenida que passa em frente ao Comando Militar do Sudeste, local onde explodiu a bomba, acabou recebendo o seu nome.
Sua família passou a receber em agosto de 2003, por força da Lei Federal nº 10.724, pensão mensal de R$ 300, aumentada em 2005 para R$ 1.140, quantia pouco expressiva se comparada com as indenizações dadas aos integrantes da luta armada.

2 comentários:

  1. Interessante como você enxerga a transição da ditadura para a abertura política: um grupo de políticos contrários ao regime que se esforçam a convencer que a "democracia" é a melhor solução. Convencem com palavras doces o bando de gorilas que se se apossaram do poder à força. Bravos homens!

    A realidade é que mais de vinte anos depois da queda da ditadura, o povo desse país ainda está alijado do acesso à educação de qualidade, da posse dos meios de produção para poderem trabalhar e sustentar suas famílias, da participação nas decisões governamentais (pois democracia representativa serve mais para encher meias e cuecas de dinheiro do que de fato dar voz ao povo) e outros problemas que não caberiam nesse pequeno espaço. A transição era necessária para o capitlismo, agora vestindo a manta da democracia (daí as aspas usadas anteriormente), para que os mesmos grupos oligárquicos mantivessem seus privilégios seculares. E assim estamos.

    E para constar, a VPR era um grupo formado basicamente por militares insatisfeitos com o regime. Suas ações pouco foramm apoiadas por Marighella, pois eram mais de tática guerreira e menos de política a longo prazo. É o que o soldado sabe fazer melhor. Explodir pessoas nunca foi objetivo dos verdadeiros comunistas. Ao contrário dos golpistas que torturavam até mesmo crianças em frente aos pais comunistas em busca de informações.

    Marighella foi um homem de seu tempo. Um tempo onde lutar pelo que acreditava podia levar À morte ou a traumas irreversíveis. Defender suas idéias à bala era uma resposta à intransigência dos donos do poder tomado. E sem dúvida esse homem soube defender o que acreditava. Uma lição para os mais jovens.

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  2. Você é um babaca... Talvez mais um filhote da ditadura.... Marighella foi um heroi, um patriota, que merece todas as honras de estado.......

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