Projetos polêmicos, cujas votações o governo vinha conseguindo travar, ganharam súbita viabilidade.
As propostas avançam em negociações feitas à margem do Planalto e à revelia de Dilma Rousseff.
No Senado, governistas e oposicionistas estão prestes a fechar um acordo para votar a emenda que muda o rito de tramitação das MPs (medidas provisórias).
Na Câmara, produziu-se um consenso em torno da chamada Emenda 29, que reforça o caixa do setor de saúde.
Nos dois casos, o Planalto foi apenas informado. Os pratos chegaram ao governo feitos. Diante do fato consumado, Dilma tenta digerir o inevitável da maneira menos indigesta.
No caso das MPs, o autor da emenda é o morubixaba pemedebê José Sarney, presidente do Senado. O relator é o grão-tucano Aécio Neves.
Participam do entendimento lideranças do PSDB, do PMDB e até do PT. Dilma torcia o nariz para a proposta.
Dizia que não iria aceitar que, justamente na sua gestão, fossem modificadas regras que vigiram sob FHC e Lula.
No início da semana, Sarney declarou em público que tampouco ele aceitará submeter o Senado à reiteração do vexame de votar MPs sem tempo para debatê-las.
Protogovernista, Sarney ameaçou devolver ao Planalto as MPs que chegarem ao Senado com prazo de validade próximo de expirar.
Em privado, Renan Calheiros, líder do PMDB, cuidou de avisar que Sarney não está blefando, fala sério. Nos subterrâneos esboçou-se o acordo.
Atraído para a mesa de negociações, Aécio topou refazer o seu relatório. Vai modificar um texto que já havia sido objeto de entendimento e que Dilma brecara.
Deve ser retirado da emenda o artigo que criava uma comissão especial para "filtrar" analisar as MPs antes que elas chegassem aos plenários da Câmara e do Senado.
As MPs são leis especiais. Entram em vigor assim que o presidente da República as edita, antes de qualquer deliberação do Legislativo.
A Constituição impõe, porém, certas condições. Por exemplo: o presidente só pode legislar por meio de MPs em matérias consideradas "urgentes" e "relevantes".
Essas pré-condições sempre foram desrespeitadas. E o Congresso avaliza decisões que, sem urgência, deveriam constar de projetos de lei, não de MPs.
A comissão especial sugerida por Aécio teria poderes para brecar as MPs, derrubando as que fossem flagrantemente irrelevantes.
Pelo acordo, vai-se transferir essa atribuição às Comissões de Justiça do Senado e da Câmara. Dilma foi instada a aceitar o meio-termo.
No mais, a emenda de Aécio vai impor à Câmara prazos que desagradam os deputados.
O Planalto foi aconselhado a entrar no jogo para harmonizar os interesses. Sob pena de assistir a uma conflagração que resultará em prejuízos para o governo.
O Congresso dispõe de 120 dias para votar uma MP. A tramitação começa pela Câmara. E os deputados consomem quase todo o tempo.
Quando chegam ao Senado, as MPs estão perto de caducar. Por vezes, os senadores têm de votar horas depois de receber cópias das MPs. Daí a ameaça de Sarney.
Pelo acordo costurado no Senado, a Câmara será obrigada a votar as MPs em 60 dias. Do contrário, a medida perde a validade.
O Senado passa a dispor de 40 dias. Se não deliberar nesse prazo, a MP cai.
Caso os senadores alterem o texto recebido da Câmara, os deputados terão mais 20 dias para fazer nova votação. Do contrário, a MP vai para o beleléu.
Construído o entendimento, os senadores esperam que Dilma acione a ministra Ideli Salvatti, nova coordenadora política do Planalto, para sensibilizar os deputados.
Quanto à Emenda 29, aquela que tonifica o caixa da saúde, o Planalto foi cientificado de que já não há ambiente na Câmara para postegar a votação.
Agastado com Dilma, o petista Marco Maia, presidente da Câmara, decidiu levar a encrenca a voto antes do recesso do meio do ano, que começa em 15 de julho.
Os líderes partidários festejaram o ímpeto de independência de Maia. Compelido a engolir o inevitável, o Planalto tenta retirar da proposta a CSS, nova sigla para a velha CPMF.
Em reunião com os líderes governistas e oposicionistas, Marco Maia já havia acertado que a recriação do chamado imposto do cheque será derrubada em plenário.
O diabo é que não há, por ora, resposta para uma pergunta essencial: de onde virá o dinheiro? Dilma ainda não sabe. Governadores e prefeitos descabelam-se. Os deputados dão de ombros.JOSIAS DE SOUZA.
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