Cachaça da boa mesmo é produzida em quase todo o Brasil. E outra boa notícia: São Paulo produz algumas das melhores cachaças já há algum tempo, superando inclusive as badaladas pingas mineiras. No 1º Concurso da Cachaça, realizado durante o 5º Brazilian Meeting on Chemistry of Food and Beverages, em 2004, em São Carlos, a 232 km de São Paulo, a vencedora na categoria "cachaça envelhecida" foi a Cachaça do Rei, de Capivari, a 137 km de São Paulo. Na categoria ‘descansada’, outra paulista: a Cachaça Campanari. Nas 2ª e 3ª edições do concurso, realizados em 2006 (em São José do Rio Preto, a 438 km de São Paulo) e 2008 (em Lorena, a 198 km de São Paulo), novas vitórias de cachaças paulistas na categoria envelhecida, ambas produzidas pelo Alambique Santa Elisa, de Patrocínio Paulista, a 412 km de São Paulo. Em 2006, a ganhadora foi a Elisa Premium. E, em 2008, a Elisa Extra Premium.
A diferença entre a cachaça envelhecida e descansada é o tempo de conservação de cada uma em tonéis de madeira. Depois do processo de destilação, a cachaça ‘descansa’ por 60 dias em tonéis para que as substâncias – mais de 300, segundo os especialistas - decorrentes da fermentação da garapa assentem. Já a envelhecida, conforme norma estabelecida pelo Ministério da Agricultura, tem de ficar no mínimo um ano em tonel de madeira (carvalho, amburana, amendoizeiro etc.) de no máximo 700 litros. “É um grande mito apontar as cachaças de Minas como as melhores do Brasil. Há cachaças muito boas em São Paulo e muito ruins em Minas e vice-versa. Há cachaças boas na Bahia, Paraná e outros estados. A questão é que o marketing de Minas Gerais saiu na frente”, afirmou Douglas Wagner Franco, professor do Instituto de Química de São Carlos e um dos organizadores do concurso bienal da cachaça. As diferenças nos sabores da cachaça são possíveis devido aos diferentes tipos de levedura utilizadas na fermentação e ao processo de envelhecimento nos tonéis de madeira. A Cachaça do Rei, por exemplo, depois de um ano ‘descansando’ em tonéis de carvalho de 200 litros, fica mais um ano em tonéis de carvalho de 7.000 litros, mas com tampas de madeira de amburana. “A madeira da amburana deixa o gosto da cachaça doce, enquanto que o carvalho ‘seca’. Então, há um equilíbrio. Além disso, utilizo um fermento ‘caipira’, totalmente natural, que está na natureza. O resultado é uma cachaça de sabores primários bem acentuados”, explicou o agrônomo e proprietário de alambique Reinaldo Annicchino.As cachaças Elisa Premium e Elisa Extra Premium, por sua vez, ‘descansa’ por até quatro anos em tonéis de carvalho de 200 litros, segundo o proprietário do Alambique Santa Elisa, Christian Johnson. A produção do alambique teve início em 1996. “Desde o início, foi meu pai (Bruce Johnson) quem idealizou e se empenhou para produzir uma cachaça de alta qualidade”, disse Christian. E por que são as cachaças mineiras que levam a fama? Para os dois produtores, os mineiros, em termos de marketing, saíram na frente de 10 a 15 anos na frente para divulgar a cachaça do estado. “Eles montaram uma associação de produtores e começaram uma estratégia de marketing bem antes dos paulistas. Isso pegou no país inteiro”, reconheceu Christian. Às vésperas de a cachaça ser reconhecida como um produto legítimo do Brasil pelos Estados Unidos, a qualidade da bebida é o ponto central que vem sendo discutido pelos produtores e especialistas. A produção anual no país é de 1,2 bilhão de litros e existem cerca de 30 mil produtores envolvidos no setor, segundo estimativa da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Cachaça. Cerca de 46% deste total é produzido em São Paulo. A ressalva a ser feita é que apenas uma pequena parte desta produção pode ser considerada de qualidade. “Tem a qualidade e tem o mercado. São coisas diferentes”, enfatiza o professor Douglas Franco. Ou seja, o consumidor que quiser apreciar uma boa cachaça tem de deixar de lado as que são oferecidas nos balcões dos bares ou as que estão expostas nas gôndolas dos supermercados. Segundo José Batista de Almeida e Silva, professor de tecnologia de bebidas da engenharia de bioquímica da Universidade de São Paulo (USP) de Lorena, é possível produzir cachaça com fermento de padaria e consumi-la em dois dias. “A questão, no entanto, é a qualidade. As de boteco, por exemplo, não são nem envelhecidas. Não tem qualidade alguma. Para produzir uma cachaça artesanal de qualidade, é preciso uma série de cuidados, como a escolha da levedura, da madeira e outros itens”, garantiu. Devido a isso, a cachaça acaba virando alvo de preconceito, segundo os produtores. “O pessoal enche a boca para dizer que toma uísque, mas que não toma cachaça. Uísque se não for envelhecido os oito anos é muito ruim. Uma cachaça de boa qualidade é tão saborosa quanto um uísque”, defendeu Christian. Por isso, o reconhecimento dos Estados Unidos, previsto para o primeiro semestre de 2010, de acordo com a câmara setorial, seria fundamental para a cachaça ganhar status de bebida de qualidade, na visão dos produtores. “Quando eu exportava para os Estados Unidos, antes da crise, as garrafas tinham que ir com a etiqueta embaixo com os dizeres braziliam rum (rum brasileiro), mas não se trata de rum. São bebidas diferentes”, relatou Christian. A expectativa de Reinaldo Annicchino, inclusive, é que a taxação para exportar a cachaça para os Estados Unidos caia. Para eles, o mais importante seria, no entanto, que a cachaça deixasse de ser conhecida no exterior apenas como uma bebida que serve para fazer caipirinha e virasse uma marca reconhecida, com identidade própria, como o uísque da Escócia, a vodka da Polônia e o rum do Caribe.
“Cachaça é a aguardente de cana do Brasil. Viraria uma marca regional. Deve contribuir bastante para aumentar o consumo da bebida em todo o mundo”, acredita o professor José Batista.
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