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PÁTRIA
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
Sexo, piratas e poucos fiscais
Para além do que se vê, esse tipo de atividade em Fortaleza oferece um universo poderoso de irregularidades.Eram 20h30 de mais uma sexta-feira. Numa calçada próxima ao Terminal Antônio Bezerra, pedaços de madeira e ferro velho rapidamente viram mesas e bancos. Sobre elas, churrasquinho de uma carne qualquer e muita bebida alcoólica. Sobre eles, homens, mulheres e meninas. Inicialmente, a proposta parece se limitar a uma diversãozinha de começo de fim-de-semana. Ledo engano. A noite vai entrando e, com ela, a vontade de ganhar algum. Três, cincos reais ou mesmo uma merenda. Não importa. O que vale é garantir o mínimo para não voltar à favela sem nenhum no bolso.Tendo como pano de fundo o comércio informal irregular, meninas estão usando o próprio corpo em troca de uma miséria. E não é só isso que está por trás desse tipo de comércio que cada vez mais parasita a Fortaleza Bela. Por uma semana, o Diário do Nordeste topou o desafio de permear esse melindroso e perigoso universo. Aqui, com toda a certeza, você, leitor, vai conhecer uma pequenina amostra. Queria-se muito mais, mas o risco de morte e o medo de quem tenta regularizar a atividade não deixaram.Além do sexo fácil, foi possível flagrar venda de CDs e DVDs piratas; comércio de mercadoria sem nota fiscal; ocupação irregular de calçadas e canteiros centrais; muito lixo; invasão de vias; furto de energia; uma fiscalização despreparada, ameaçada e em número insuficiente; alimentos vendidos sem qualquer zelo à saúde pública; tudo isso só para começo de conversa. Confira, em detalhes, o que permitiram ver.Flagrante-Ainda nos arredores do terminal, Antônio Sales, 20 anos de táxi, descreve a rotina. As meninas, na média, aparentam entre dez e 17 anos e chegam depois das 20h. "É quase todo dia. No fim-de-semana, elas começam mais tarde". São de comunidades carentes próximas dali. "Aproveitam o movimento do churrasquinho para atrair os homens. A coisa acontece por aqui mesmo. No escuro das colunas do viaduto, por exemplo".Na noite em que a reportagem esteve no local, duas meninas apareceram. Tentou-se diálogo, mas sem sucesso. As duas foram embora e, depois de certo tempo, apenas uma voltou.Esse ponto, inclusive, é um dos "calos" da Secretaria Executiva Regional III. No combate a eles, Olinda Marques, titular da SER, garante que um levantamento está sendo feito para saber onde está o informal irregular. "A gente quer desobstruir o espaço público. Tirar a bebida alcoólica, as condições precárias de manipulação de alimentos e a exploração sexual desse meio". Só que, para isso, Olinda não dispõe de nenhum fiscal de serviços urbanos. Aquele que, pela Lei 9.334/2008 (o Plano de Cargos, Carreiras e Salários dos fiscais municipais), tem como uma das atribuições autuar o comércio informal irregular.Na área nobre da Capital, os problemas são outros. Um dos que mais maltrata é a pirataria. No encontro das ruas Barbosa de Freitas e Marcos Macedo, perto das 10h30 de uma quinta-feira, conheceu-se a história de J., 20 anos, pirata de CD e DVD há três nesse ponto. "A gente não tem horário certo, mas vem de segunda a sábado". Fazem parte do "a gente" I., oito anos de pirataria no coração da Aldeota; R., um ano; e C., que não estava no momento por conta da droga. Quase todos já presos por crime de violação de direito autoral. "Pego no Beco (da Poeira), no escuro (sem saber de quem). É daqui (da venda) que sustento a mulher e a filha".Rotina-Em carro de luxo ou mesmo a pé no salto alto de marca ou no sapato italiano, chegam homens e mulheres em busca do DVD da Barbie, do CD do Padre Fábio de Melo, vendidos entre R$ 4 e R$ 5. "O rapa (a fiscalização) chega, mas nem todo dia leva. Eles deixam a gente ficar só se não botar tela (expositor)". Por isso, sacos e mochilas escondem a mercadoria. Por volta de 11h, um fiscal da Regional II se aproxima e, como num passe de mágica, ninguém mais sabe, ninguém mais viu.Para Mércia Albuquerque, chefe do Distrito de Meio Ambiente e Controle Urbano da SER II, o comércio informal irregular é também questão de polícia e de outros órgãos. "A Prefeitura não dá conta sozinha". Vale lembrar que a II é a SER que conta com o maior número de fiscais para esse tipo de serviço: oito. A representante da Regional defende ainda que o consumidor precisa dizer não a esse tipo de comércio e que é necessário atuar na origem do problema. "Como é que esse pessoal agüenta multa e apreensão quase todo dia? É claro que tem gente grande por trás".Em frente ao Gonzaguinha do Conjunto José Walter, o que machuca o ordenamento urbano é a ocupação irregular do espaço público. Se quiser usar o canteiro central, o pedestre precisa disputá-lo com carros, barraquinhas, cadeiras e mesas. Situação semelhante ocorre na Feirinha de Artesanato existente no antigo kartódromo. Negócio muito organizado, com direito a nome (Feira Nova do Empreendedor do Pirambu), farda, coordenação, barraca padronizada e muita variedade. Da fivela para cabelo à cama elástica para a criançada.E a Prefeitura? Sabe. Mandou até e-mail confirmando a irregularidade no Pirambu. "A gente conversa muito. Um dia, vamos chegar a um acordo", informa uma feirante. Mas atire a primeira pedra quem nunca provou desse mel? Eu, você e um sem-fim de outros fortalezenses procuramos sim esse tipo de comércio. Pela rapidez, pelo preço ou por outra comodidade. Damos comida para um bicho que cresce em progressão geométrica. Até quando?CARACTERÍSTICAS-O que está por trás das grandes feiras.Mais um domingo de feiras. Na Parangaba e em Messejana. No primeiro espaço, uma variedade sem tamanho de mercadorias para os mais diversos públicos e bolsos. Em Messejana, também. Mas nessa última uma característica chama a atenção: o informal que atrai o formal.É de impressionar a quantidade de lojas de grandes redes que abrem em pleno domingo porque, confirmam vendedores e gerentes, a feira informal toma conta do coração comercial de Messejana. Mais lojas e até um cinema estão para chegar e aproveitar o pote de ouro.Até o mau exemplo é copiado. Enquanto a barraquinha coloca os shorts adulto e infantil na calçada, a grande loja expõe o colchão. E o pedestre? Que passe na rua e que venha comprar. Isso quase se ouve no festival de desrespeitos ao espaço público, que sofre também com o lixo, a obstrução total de suas vias (R. Joaquim Felício, por exemplo), a venda do proibido.Na Parangaba, o que intrigou no dia em que a reportagem esteve por lá foi a falta de preparo da equipe de fiscalização da Prefeitura de Fortaleza em lidar com o imprevisto e a legislação. Era domingo de desocupar por determinação do Ministério Público Estadual.Na primeira hora, todo mundo corre para a calçada e a fiscalização deixa passar como se ali também não fosse proibido vender. Ah... Claro, a ordem é para desocupar a via e o canteiro central, mostra um auxiliar de fiscal. Para desmoralizar ainda mais, chega um político com um discurso bonito de defensor dos desamparados e manda o chefe da equipe ligar para o titular da SER IV. O pior? Ele obedece. E quase fracassa o já em frangalhos dia de desocupar.CENTRO-A cadeia alimentar da informalidade"Olha o rapa!", grita um e logo começa o tira-e-bota de mercadorias em sacolas. Algumas delas do vendedor V. J. F., de 58 anos. Na Rua José Avelino tem sido assim depois que a Secretaria Executiva Regional do Centro (Sercefor) resolveu intensificar a fiscalização por aquelas bandas. "Já fugi umas três vezes. Hoje, por exemplo, estou aqui aproveitando a sombra deste poste, mas na próxima, só Deus sabe", comenta V., tendo num dos braços as bolsas que vende e no outro, as práticas sacolas "anti-rapa".A regra é clara: ou nos galpões privados ou fora. "Como é caro para mim bancar um espaço no galpão, a gente acaba indo para a rua ou a calçada", justifica o erro. Suely Lopes Barros, 46, teve mais sorte. É dona de uma banquinha de lona e barra de ferro. "Sou empresária", considera-se, de olho na frota de ônibus de estados vizinhos como o Piauí amontoados num estacionamento ao lado.Eles chegam no dia anterior à feira. Dormem por ali mesmo, passam a manhã e a tarde nas compras e, à noite, seguem o caminho de volta. J., cobrador de um dos ônibus, conta o esquema. Só a pessoa para quem trabalha conta com quatro veículos com destino não só ao Centro de Fortaleza como à Feira do Aprazível, em Sobral."Tem também dono de loja que bota, disfarçado, mercadoria na rua", reclama Valda Henrique de Lima, presidente de uma associação de vendedores do Centro. É a cadeia da informalidade se retroalimentando.ENQUETE-População aponta as vantagens da atividade"Gosto porque tem sempre muita coisa para a gente olhar. É difícil ir para uma feira dessa e voltar sem nada para casa"Edimara Ribeiro Ávila21 anos Dona-de-casa"O que me atrai são os bons preços e o fato de estar perto de casa. Sem contar a variedade, que é expressiva"Samuel Melo 23 anos Assessor"Esse tipo de vendedor está em todo lugar e a toda hora. Não importa o que se quer, ele sempre tem a oferecer"Antônia Vânia Siqueira Lopes 30 anos Dona-de-casa
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