Gandaia foi a palavra usada pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, para descrever a faina parlamentar de criação de gastos públicos. Apenas dois dos vários projetos em tramitação no Congresso poderão resultar em despesas de cerca de R$ 86 bilhões anuais, se forem convertidos em lei. Os participantes da farra devem contar com a solidariedade e a bênção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao aprovar o reajuste de 7,72% para os aposentados, contra a opinião dos ministros econômicos, ele demonstrou estar muito mais empenhado na campanha eleitoral do que na defesa dos cofres públicos e da boa gestão. Mas ele foi além disso. No mesmo dia aprovou novo aumento de salários para funcionários da Câmara dos Deputados. Assim, deu um sinal positivo a todos os grupos de servidores em busca de vencimentos mais altos e novos planos de cargos com maiores vantagens.
O festival de irresponsabilidades apontado pelo ministro do Planejamento não é novo. Mas tornou-se mais animado nos últimos meses, com a aproximação das eleições. Seria menos preocupante se oposição e base governista não se houvessem juntado no saque ao Tesouro e, acima de tudo, se houvesse no Palácio do Planalto um governante disposto a atuar como última linha de defesa. Mas não há, como comprovou o presidente, ao sancionar gastos antes classificados por ele mesmo como extravagâncias.
Projeto do senador Paulo Paim (PT-RS) restabelece de forma disfarçada a correção das aposentadorias com base no salário mínimo. Como essa indexação é inconstitucional, o autor usou um artifício, propondo a criação de um Índice de Correção Previdenciária. Se o projeto for aprovado, a proporção entre aposentadorias e salário mínimo voltará a ser a do momento da concessão do benefício.
O texto já passou pelo Senado, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e está na fila para votação em plenário, na Câmara. Convertido em lei, terá efeito retroativo e a diferença poderá ser paga em cinco anos, segundo Paim. Mas o efeito mais grave será o aumento permanente do gasto com aposentadorias. O deputado José Genoino (PT-SP) opõe-se ao projeto e estima seu impacto em cerca de R$ 80 bilhões, com base em dados do Executivo.
Ao proibir a indexação de valores pelo salário mínimo, a Constituição de 1988 facilitou o aumento real do salário básico. Propiciou, portanto, a melhora das condições de vida de milhões de trabalhadores em atividade e também das pessoas aposentadas com o vencimento básico. Se a elevação do salário fosse obrigatoriamente estendida a todas as pensões e aposentadorias, a política de valorização do mínimo teria sido mais contida.
Aumentos salariais para o funcionalismo também inflam e vão continuar inflando os gastos federais. O reajuste para 6.830 servidores da Câmara, sancionado pelo presidente Lula, vai custar cerca de R$ 500 milhões anuais. O aumento médio é de 15% para os concursados e de 33% para os demais. E a festa continua.
A Comissão de Trabalho da Câmara aprovou um aumento médio de 56% para os funcionários do Judiciário. Essa bondade poderá custar R$ 6,4 bilhões a mais para os cofres do governo central. O texto aprovado pela comissão é mais generoso que o projeto enviado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro. Nessa versão foi eliminado o limite do maior salário, o de analista judicial. Na proposta original, esse vencimento, somado a gratificações, poderá equivaler no máximo a 75% do subsídio do juiz federal substituto. O projeto propõe a reestruturação de três carreiras do Judiciário as de analista, técnico e auxiliar.
O problema criado pelos aumentos vai além do efeito imediato na folha de salários. Quando se concedem reajustes sem planejamento financeiro, provoca-se uma reação em cadeia, com vários grupos do funcionalismo cobrando equiparação. Servidores do Senado pressionam por uma revisão de cargos e salários, com impacto estimado em R$ 380 milhões. "É a festa dos últimos dias de Pompeia", disse o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), um dos críticos da gandaia federal.
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