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domingo, 10 de março de 2013

'Complexo do Alemão' venezuelano abrigará o corpo de Hugo Chávez

LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A CARACAS
Quando o agora presidente interino da Venezuela, Nicolás Maduro, anunciou que o corpo embalsamado de Hugo Chávez seria colocado em uma urna de cristal no Museu da Revolução, para visitação pública, pareceu que se tratava apenas de uma repetição da história.
O próprio Maduro citou os exemplos dos líderes Vladimir Lênin, Mao Tse-tung e Ho Chi Minh, respectivamente da ex-União Soviética, China e Vietnã, cujos corpos também foram embalsamados, colocados em uma urna de cristal e expostos ao público.
Mas, enquanto esses dirigentes estão todos em endereços nobres (Lênin na praça Vermelha, Mao na praça Tiannamen e Ho Chi Min na praça Ba Dình), Chávez ficará em um quartel incrustado na favela 23 de Janeiro, cercado por moradias precárias por todos os lados.

Jorge Araújo/Folhapress
Pintura na favela 23 de Janeiro, em Caracas, representa o rosto de Hugo Chávez
Pintura na favela 23 de Janeiro, em Caracas, representa o rosto de Hugo Chávez
No relevo montanhoso, na arquitetura e na pobreza, trata-se de espécie de Complexo do Alemão, o famoso conjunto de favelas do Rio.
Mas é um Complexo do Alemão bolivariano, logo se vê. Coloridas por murais espalhados por todo o bairro, as paredes do 23 rendem tributo aos ícones da esquerda, grafitados por jovens da própria comunidade.
Marx, Lênin, Che Guevara, o ditador líbio deposto Muammar Gaddafi e até um Cristo com a Constituição venezuelana aparecem ao lado de uma imagem da Virgem Maria segurando um fuzil AK-47.
Verdade que o sonho dos chavistas seja o traslado imediato dos restos mortais de Chávez para o Panteão Nacional da Venezuela, endereço nobre onde se encontram os restos dos personagens mais importantes da história do país e, é claro, de Simón Bolívar, o Libertador.
Essa transferência, porém, depende de aprovação da Assembleia Nacional e, por lei, só pode ir a voto 25 anos depois da morte do dignitário.
Um jeito de abreviar o tempo seria com um referendo, tão ao gosto do modo chavista de governar, mas até isso demora para organizar. Por isso, todos em Caracas dão por certo que "El Comandante" terá seu período na favela.
A Folha visitou o local anteontem, a bordo de mototáxis. Mas também se pode chegar ao quartel em caminhonetes equipadas com bancos na boleia (tarifa de 10 bolívares ou R$ 3). Dez passageiros por viagem.
Também há os carros americanos dos anos 1950, muito bem conservados, serpenteando pelo ladeirão estreito e íngreme.
"Como faremos para transportar todas as pessoas que desejarão visitar a câmara mortuária de Chávez? Aqui não chega ônibus, não chega metrô", angustia-se um dirigente do Conselho Comunitário, que não se identificou.
O antigo quartel, hoje pintado na cor amarela, abrigou a primeira Academia Militar de Caracas, virou Museu Histórico-Militar e, nos últimos anos, sediou um Comando da Reserva Bolivariana. Agora, será transformado em museu cuja principal peça de acervo será o corpo de Chávez.
SIERRA MAESTRA
E por que lá? O bairro pobre do 23 de Janeiro foi o primeiro feudo chavista. E é assim até hoje. Lá, o presidente morto conseguia, fácil, fácil, dois terços dos votos.
Carinhosamente, os bolivarianos apelidaram o local de "Sierra Maestra", que hospedou a guerrilha de Fidel Castro em Cuba.
"Aqui é o 4F. Foi aqui que tudo começou", diz Elizabeth Torres, 48, dona de uma barraca de biscoitos, controlada pela Comuna Socialista Simón Bolívar, a subprefeitura local. Explica-se: 4F é a abreviação de 4 de fevereiro de 1992, o dia em que o então tenente-coronel Hugo Chávez e 300 militares tentaram um golpe contra o presidente eleito Carlos Andrés Pérez.
Foi no quartel (com vista privilegiada para o Palácio de Miraflores, sede do Executivo venezuelano) que se entrincheiraram os rebeldes até serem presos. No bairro não se fala no 4F como um erro, golpe ou tropeço antidemocrático. "Foi o começo da emancipação anti-imperialista", diz o ator Oscar Abad, 61.

Jorge Araújo/Folhapress
Grafite em muro da favela 23 de Janeiro, em Caracas
Grafite em muro da favela 23 de Janeiro, em Caracas
Tanto fervor revolucionário não basta para esconder o outro lado "Complexo do Alemão" do bairro que receberá o corpo de Chávez. Sob a condição de se manterem incógnitos, vários moradores relataram a forte presença de narcotraficantes no pedaço, inclusive fechando ruelas e becos a pessoas estranhas. Não se veem policiais ali.
E a segurança dos que vierem visitar o Museu da Revolução?, perguntou-se. "A Comuna Socialista e o Conselho Comunitário garantirão a tranquilidade de todos", respondeu um dirigente local.
Na praça em frente ao quartel, crianças vestiam camisetas com a bandeira de Cuba, enquanto um instrutor ensinava-lhes como segurar o taco de beisebol, o esporte nacional. Por enquanto, estava tudo tranquilo.

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