Eles chegam nas casas de acolhimento abandonados, e sofrem porque não conseguem ser adotados
O
presente tão aguardado de Deus. O que completa a união de um casal. O
milagre da vida se tornando realidade. Angústias, medo, sentimento de
amor infinito. Estas são as emoções quando se tem a notícia de uma
gravidez, pelo menos, para boa parte dos casais. No entanto, quando algo
não sai como o planejado, a culpa e a decepção aparecem. A rejeição,
muitas vezes, toma o lugar do carinho que deveria ser ainda maior. Em
diversos casos, até em razão da situação "miserável" na qual se vive,
casais abandonam seus filhos logo ao nascerem. São bebês especiais, que
necessitam de atenção e tratamento adequados.
No Abrigo Tia Júlia, todas as crianças que estão aptas para adoção são especiais Fotos: Viviane Pinheiro
O
pai e a mãe, por sua vez, não conseguem suportar o problema e,
simplesmente, desamparam pequenos seres indefesos que vão ter que viver
em casas de acolhimento - locais que protegem crianças em situação de
negligência, abandono, maus-tratos, abuso sexual e que podem ser
colocadas para adoção.
Além do preconceito por não serem
"normais", eles vão ter que conviver com a exclusão também por parte das
famílias que procuram adotar crianças. Eles estão no grupo dos que,
praticamente, não são escolhidos. Os mais procurados são bebês do sexo
feminino e saudáveis. Crianças a partir de 4 anos, meninos e negros
fazem parte do grupo menos procurado, porém ainda conseguem novos lares.
Para
se ter uma ideia, no Abrigo Tia Júlia, das 85 crianças, 17 são
especiais. Apenas 13 estão aptas para adoção, todas especiais. Chegaram
lá ainda quando bebês e, hoje, são adolescentes e adultos, com 12, 17,
22, 24 anos, homens e mulheres.
Sorriso
Por
mais que estejam em uma situação de exclusão, é possível ver a alegria
no rosto deles. Um sorriso faz com que a tristeza de quem observa de
fora vá embora. As lágrimas são substituídas por gestos de conforto
oferecidos, involuntariamente, por eles. É impossível não se deixar
contagiar pela sabedoria da Maria (nome fictício), que sonha em ser
fisioterapeuta.
Na cadeira de rodas, deficiente visual, aos 12
anos estuda no Instituto dos Cegos, adora conversar e aprender. Chegou
ao abrigo ainda bebê. A coordenadora do local, Luiza Frota, contou que
ela é uma criança bem ativa, por mais que enfrente algumas limitações.
Perdeu a visão recentemente, mas não se deixou abalar. "Quando eu não
estou aqui, ela diz que é a vice-diretora e a responsável pelo lugar",
brincou.
Os sonhos, para quem acha impossível, são os mesmos.
Júlia (nome fictício) irradia felicidade. O anel, na mão direita, revela
o seu estado civil: noiva de Pedro, (nome fictício). E ela acredita
sim, que um dia, vai, se casar com seu amor. Ela sofreu paralisia
cerebral, e ele se locomove em cadeira de rodas. "Eles recebem aqui todo
o carinho que podemos dar", diz a coordenadora.
São bem tratados
pelas mães e pais substitutos que trabalham no abrigo. "Digo que eles
são verdadeiros anjos da guarda", afirma Luiza. Uma delas é Elinete
Lopes, que trabalha neste setor há 17 anos. "Não troco esta ala aqui por
nada. Amo essas crianças, aprendemos muito com elas", contou. Cristina
Palhano também não se vê trabalhando em outro lugar. "Prefiro aqui, já
me identifico com eles e eles com a gente. Conheço todos, sei como lidar
com cada um. Eles têm muito amor para dar e para receber".
Na
sala de observação, existem três especiais que estão com problemas que
precisam de atenção redobrada. Sofreram paralisia cerebral e estão com
sistema respiratório comprometido, perdendo a deglutição. Para a
enfermeira Tatiana Jucá, "é gratificante trabalhar aqui, enfrentar as
dificuldades ao lado deles. Nós não os escolhemos, eles é quem nos
escolhem".
A coordenadora contou que um advogado apareceu no
Abrigo, dias atrás, à procura de uma das crianças, para saber seu
destino e informar ao fórum. "Achava que era a mãe quem estava à
procura. Mas, quando o advogado chegou aqui, ficou admirado por a
criança estar viva. Tinha sido abandonada pela mãe quando soube do
problema do bebê".
O Abrigo Desembargador Olívio Câmara (Adoc) é
outro local que abriga pessoas especiais, portadores de deficiência
mental. "Chegam pequenos aqui, vão crescendo e nosso papel é cuidar
deles com carinho e dedicação".
Estudo
Foi
justamente sobre a construção do campo da adoção, como é realizada,
quais os grupos preferidos e os excluídos e como os pais adotivos estão
agindo para tentar reverter essa situação que tratou a dissertação de
mestrado do assistente social Antônio Diogo Calls de Oliveira Filho.
Na
obra "Entre a sociedade civil organizada e o Estado: embate, lesões e
alianças no processo de construção do campo adotivo nacional", ele
mostra as dificuldades e as mudanças. "Fiz pesquisas, entrevistas, e o
que se percebe é que existe a vontade destes grupos de mudar essa
realidade e incluir os excluídos. Essa questão vem ganhando mais espaço
no cotidiano".
Políticas públicas insuficientes dificultam retorno para famílias
O
pensamento de boa parte da população é que todas as crianças das casas
de acolhimento estão aptas para a adoção. Mas a realidade não é essa. O
que está em primeiro lugar é a manutenção do vínculo familiar. O
trabalho é feito junto às famílias para que as crianças e os
adolescentes voltem para o lar. Porém, são necessárias políticas
públicas que deem condições para que isso aconteça, como moradia digna,
emprego, saúde.
A ideia é que as crianças voltem para suas
residências. Nas casas de acolhimento recebem atenção, mas nada
comparado ao amor familiar que podem ter
Na Casa Abrigo, que
recebe crianças de 0 a 12 anos, das 95 existentes lá, apenas cinco
estão para adoção, destas um já está em processo adotivo e as outras
quatro em processo de Destituição do Poder Familiar (DPF). O Abrigo Tia
Júlia possui 85 crianças, sendo 13 para adoção e três em processo de
destituição.
De acordo com a assistente social do Abrigo Tia
Júlia, Valdelice Maciel, "o nosso trabalho é para manter o vínculo e que
elas retornem para suas famílias. Tentamos de todas as formas, até que
esgotem todas as alternativas". Porém, este trabalho é comprometido,
segundo ela, porque faltam equipamentos que ajudem nessa ação. "É muito
difícil para a gente, porque não temos políticas públicas suficientes, a
habitação deixa a desejar, a saúde deixa a desejar".
Conforme
ela e a coordenadora do Abrigo, Luiza Frota, a dependência química, seja
lícita (álcool) ou ilícita (drogas), é a maior causa da existência de
menores nas casas de acolhimento. "Nesses casos, a gente procura um
local para que o pai ou mãe se tratem, mas é complicado achar vaga. Além
disso, temos casos de pessoas que estão em tratamento, mas dizem que só
querem sair quando puderem mudar de casa, pois não podem voltar para a
mesma moradia, por não ser adequada. Mesmo assim, buscamos ajuda".
Longe
Elas
contaram que, algumas vezes, é por meio da situação que a família leva
"um susto e faz de tudo para não ficar longe dos filhos. O melhor lugar é
na família e, esta fase, a primeira infância, é uma das que se precisa
mais de amor, de carinho".
"É um trabalho muito lento. A gente
depende de uma rede, de políticas públicas, internamento para os
usuários de droga, emprego, habitação, mas o acesso a estes itens não é o
que deveria ser", afirmou a assistente social da Casa Abrigo, Fátima
Monte.
Conforme a supervisora da Casa, Socorro Salgueiro, "nosso
trabalho é a busca pela família. Eles são bem tratados aqui, mas vivem
na ansiedade de voltar para casa e, infelizmente, isso, muitas vezes,
não é um processo rápido, depende de cada caso".
Essa incerteza
do tempo acaba trazendo consequências negativas. Para Socorro, o retorno
não é imediato e isso coloca em "risco a relação criança e família e o
vínculo pode ser perdido".
Segundo a Lei da Adoção, o prazo para
ajudar a família a ter a criança de volta é de dois anos. Mas, as
responsáveis pela casas comentaram que isso pode variar de acordo com
cada caso.
Outro problema é que, esgotadas todas as
possibilidades de retorno para os familiares -pais, avós, tios, por
exemplo - leva-se outro período para a destituição familiar. Enquanto
isso, os anos se passam e, quando estão aptos a serem adotados, isso não
acontece porque já se tornam "velhos" para quem deseja ter um filho.
"Mas ainda existem casos. No ano passado, dois irmãos foram adotados,
tinham 7 e 9 anos", disse Socorro. De janeiro a dezembro de2012, cinco
crianças do Abrigo Tia Júlia e 65 da Casa Abrigo retornaram para suas
famílias.
Conforme a assessoria de imprensa da Secretaria de
Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), o acompanhamento das famílias é
feito de forma intersetorial. As demandas são encaminhadas para o setor
responsável. Eles recebem atendimento psicológico, são direcionados
para projetos sociais que dão oportunidade de trabalho, atendimento de
saúde etc.
Um exemplo são famílias que têm direito de receber o
Bolsa Família e não são cadastrados. São orientados para ganhar o
benefício. Como prevenção, para que os futuros pais não abandonem os
filhos, vários projetos são disponibilizados na STDS, como Projovem
Trabalhador, Primeiro Passo, Criando Oportunidade, entre outros.
Casas recebem doação de voluntários
Depois
que uma criança chega a uma casa de acolhimento, fica mais difícil
deixar o local. Para tê-la de volta ao meio familiar, os parentes têm
que mostrar que vão dar a proteção e cumprir com todos os deveres para
que o pequeno viva em segurança e seus direitos sejam assegurados. Eles
devem mostrar que querem seus filhos de volta. Para isso, precisam
visitá-los, provar que estão recuperados - no caso de serem dependentes
químicos - que vivem em condições que vão proporcionar um bem-estar.
Enquanto
isso não acontece, nas casas de acolhimento, recebem a atenção
necessária. São mantidas pelo Estado. Lá, estudam, brincam, têm
acompanhamento com profissionais, passeiam. "Conseguimos padrinhos que
pagam escola particular para alguns", contaram a coordenadora do Tia
Júlia, Luiza Frota, e a supervisora da Casa Abrigo, Socorro Salgueiro.
Dentista,
médico, assistente social, pedagogo, psicólogo, terapeuta ocupacional,
fonoaudiólogo, enfermeiro, nutricionista, fisioterapia são alguns dos
profissionais das unidades.
Ensinamento
"Toda ajuda e amor são bem vindos aqui. Eles são quem nos ensinam como superar obstáculos da vida"
Luiza Helena Paiva Frota/Coordenadora do Abrigo Tia Júlia
"Hoje, a possibilidade de construção familiar não é só nos atos genéticos, mas nos laços afetivos que são construídos dia a dia"
Antônio Diogo Calls Filho/Mestre em Sociologia
EVELANE BARROSREPÓRTER
Minha lista de blogs
PÁTRIA
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário