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domingo, 18 de março de 2012

‘Eles querem mudar a história do Brasil’

Militar aposentado, o corumbaense José Vargas Jiménez relembra dias de luta durante a Guerrilha do Araguaia

O militar da reserva José Vargas Jiménez, lutou durante a Guerrilha do Araguaia (1972 - 1975); ele escreveu o segundo livro sobre a história

Aos 63 anos, o militar da reserva José Vargas Jiménez é um pedaço da história recente do Brasil. Militar que lutou durante a Guerrilha do Araguaia (1972 – 1975), ele protagonizou uma história que colocou brasileiros em lados antagônicos. De um lado, militares ordenados a executarem aqueles que oferecessem resistência a prisão, e do outro, jovens que lutavam em nome do comunismo.

Corumbaense, Vargas se preparou na região amazônica, onde fez um curso de sobrevivência na selva. Conhecido durante a guerrilha pelo nome de Chico Dólar, o militar conta em entrevista exclusiva ao jornal O Estado como foi a operação que resultou na morte de 69 guerrilheiros, 11 militares e quatro camponeses sem ligações políticas. Os guerrilheiros se instalaram na região em 1968, em uma ação comandada pelo PC do B (Partido Comunista do Brasil).

Favorável à abertura dos arquivos secretos do Regime Militar (1964-1985), Vargas já lançou o livro “Bacaba – Memórias de um guerreiro de selva na Guerrilha do Araguaia”. E, agora, lança o segundo título “Bacaba II”, que conta os quatro anos de operação no Araguaia, inclusive a Operação Marajoara, considerada a mais dura. Nos livros, ele reúne documentos considerados secretos pelo Exército Brasileiro.

Nestes documentos, constam nomes e fotos de guerrilheiros que deveriam ser executados. Sem relatar casos de tortura, Vargas afirma que durante os meses em que passou no Araguaia, a ordem era uma só: matar quem reagisse à prisão. “Primeiro, era capturar. Na reação, você matava. Porque guerra é guerra. Se você não mata, você morre. Eu tinha um contrato com o meu grupo de combate: jamais nos entregaríamos vivos. Preferíamos morrer em combate”, relembra.

O sul-mato-grossense conta que capturou dois homens, o camponês Zezinho e o estudante Piauí. O último, hoje consta na lista de desaparecidos políticos. Vargas afirma que entregou os dois homens vivos ao lendário Major Curió. “Quando retornei lá, em 1976, um companheiro me disse que ele tentou fugir e, por isso, foi morto. O Zezinho era um jovem camponês e está vivo até hoje”.

O Estado – Como o senhor foi escalado para ir lutar na Guerrilha do Araguaia?
José Vargas – Foi em 1973, quando já tinha iniciado a Guerrilha. Serva em Corumbá em 1972 e fui transferido para o Oiapoque, na fronteira com a Guiana Francesa, na região amazônica. Foi lá que eu fiz curso de guerra na selva. Quando retornei, no quartel onde servia, no 3º Batalhão de Fronteira, o coronel nos convidou, porque estávamos preparados. Éramos 60 homens e fomos para a guerrilha. Começamos em setembro, na Operação Marajoara, considerada a última fase da guerrilha.

O Estado – Como foi a Operação Marajoara?
José Vargas – Essa é aquela operação que não saiu em nenhum livro. Existem outras operações. No meu livro, Bacana I, conto os sete meses que passei lá. No segundo livro, conto toda a história da guerrilha, desde que ela começou. Inclusive, o episódio do (José) Genoíno (petista, que integrou o governo Lula). Graças a ele, conseguimos chegar aos guerrilheiros. Quando começamos em outubro, prendemos uns 40 camponeses na nossa primeira saída. Eu trabalhava com o Curió. Um dos meus colegas, o sargento Brito morreu lá. Nós prendíamos e entregávamos ao nosso chefe. Uma das diferenças é que nós trabalhávamos descaracterizados. Trabalhávamos barbudos, de chinelo e não tínhamos nome verdadeiro. O meu apelido era Chico Dólar. Tanto que éramos parecidos com os guerrilheiros que, nós tínhamos fogo amigo. Como não tínhamos senha ou contra senha, quando encontrávamos outro grupo nosso, e chegávamos a trocar tiros.

O Estado – Quando vocês chegaram ao Araguaia, qual foi o primeiro impacto?
José Vargas – Eu comandava um grupo de 10 homens e o nosso sentimento era de medo. Então, para chegarmos a um local onde tinham guerrilheiros, cumpríamos todas as regras que nos foram ensinadas durante o curso de guerra na selva. Se demoraríamos uma hora para chegar em certo local, levávamos o dobro. Tudo tinha o máximo de cuidado. Depois, quando um soldado morreu em meus braços, o medo se transformou em raiva. Se era para
chegar em meia hora, você levava 10 minutos. O medo se transformou em raiva e vingança. Você fica doido para pegar os guerrilheiros.

O Estado – Quantos guerrilheiros o senhor chegou a capturar?
José Vargas – Capturei dois guerrilheiros. Podia até tê-los matado, porque a ordem nossa era matar. Mas, primeiro, os prendíamos. Se eles resistissem, a gente trocava tiros. Porque eles também atiravam em nós. Mas se eles não resistissem, ficavam só presos. Prendi o Piauí (Antônio de Pádua Costa) e o Zezinho, e entreguei para o nosso chefe. O Piauí, hoje, consta na lista de desaparecidos. Quando saí em fevereiro de 1974, ele ainda estava vivo. Quando retornei lá, em 1976, um companheiro me disse que ele tentou fugir e, por isso, foi morto. O Zezinho era um jovem camponês que está vivo até hoje.

O Estado – Hoje, se fala muito do uso de tortura durante o Regime Militar. Qual era a recomendação das Forças Armadas para quem estava na linha de frente?
José Vargas – Teve a guerrilha urbana e a rural. Na guerrilha urbana, teve Dilma Rousseff, Tarso Genro e Zé Dirceu que foram presos. Isso, foi antes de entrarmos. Na guerrilha rural, na qual estive, não teve ninguém para contar. As pessoas foram todas mortas. Talvez, no período anterior ao meu, tenha acontecido isso (tortura). No meu, não teve.

O Estado – A ordem era matar?
José Vargas – Primeiro, era capturar. Na reação, você matava. Porque guerra é guerra. Se você não mata, você morre. Eu tinha um contrato com o meu grupo de combate: jamais nos entregaríamos vivos. Preferíamos morrer em combate. Porque, se não, nos capturavem e nos torturavam No meu período, o Comando Militar da Amazônia treinou 120 homens. Vieram, ainda, 100 paraquedistas do Rio de Janeiro. Os guerrilheiros eram cerca de 100, 120. Na Operação Papagaio, o Exército enviou 1,2 mil homens fardados. Só que levou de Brasília, Minas, Goiânia. Esses militares não estavam acostumados a sobreviver na selva, tanto que os guerrilheiros venceram. Na operação seguinte, a Sucuri, foram os homens do serviço de inteligência. O Exército mandou 32 homens, que ficaram quatro, cinco meses. Ai, foram descobertos três grupos de combate. Quando eles saíram, o Exército fez a Operação Marajoara, que só tinham especialistas. Eles (guerrilheiros) eram jovens também. Eu tinha 24 anos. Lá, tinha jovens de ideais comunistas, que foram treinados na China e em Cuba. Depois, eles treinavam os camponeses e os outros colegas. Isso começou em 1968 e só foram descobertos em 1972. Eles queriam ganhar a população para que se levantasse contra as Forças Armadas.

O Estado – Então, eles já conheciam toda a região?
José Vargas – Sim, com certeza. Eles estavam lá desde 1968 e nós só chegamos em 1972. Estavam quatro anos à frente de nós. Conheciam tudo e a população os apoiava. Eles cuidavam da população, ofereciam serviços de médicos, por exemplo. Mas eles também precisavam aprender a sobreviver. Alguns camponeses chegaram a ensiná-los a plantar, porque eles não sabiam.

O Estado – O que motivou o senhor a escrever dois livros sobre este período?
José Vargas – O primeiro, Bacaba, escrevi em 2007. Eu tinha documentos que me deram como confidenciais-secretos. Eram sobre elementos que deveriam ser capturados e falava em qual região eles estavam. A cada comandante de grupo, foi entregue esses documentos que tinham fotos. Se você matava um corpo no meio da selva e não identificava pelas fotos, vieram ordens para arrancar a cabeça e as mãos. Isso não era por raiva, mas só para identificá-los. E isso só aconteceu em três casos. Então, tinha todos esses documentos e já havia dito ao meu filho que, quando morresse, era para ele entregar a um jornalista ou historiador para que soubessem a verdade. O que me deixou revoltado foi que há cinco, seis anos atrás, os nossos chefes não falaram mais nada e os que estão no poder, até hoje, são terroristas. E eles querem mudar a história do Brasil. Eles falaram que lutaram contra nós, para impor a democracia e isso me deixou revoltado. Como tinha ido para a reserva em 1994, resolvi escrever esses livros. Ninguém me patrocinou e mesmo assim consegui. No livro, toda a verdade está contada e tem os documentos. Eles falam que nós matamos, mas não contam que mataram também. No meu segundo livro, estou mostrando toda a relação de militares que eles (guerrilheiros) mataram. É uma forma de mostrar que sou prova viva da história. Até hoje, eles dizem: “lutávamos para impor a democracia”. Antes de matarmos um guerrilheiro, eles mataram um homem nosso, o cabo Rosa. No ano passado, um guerrilheiro foi enterrado com honras. E os nossos chefes não falaram nada. No meu livro, estou provocando os dois lados.

O Estado – O senhor acredita que esta é uma história de meias verdades?
José Vargas – Dos dois lados. Se eles criarem a comissão da verdade, eles também devem olhar o lado deles. Eles só falam que nós matamos. Ninguém fala que eles também mataram. Já estive no Congresso três vezes e cheguei a ser ameaçado de morte. Mas não tenho medo de morrer. Há três meses atrás, prenderam o Curió por porte de arma.

O Estado – O senhor foi um dos que voltou no Araguaia para tentar localizar os corpos?
José Vargas – Sim, nós fomos lá em Bacaba e mostrei onde tinha visto umas ossadas, mas não estava mais lá. Depois, teve a operação limpeza, que foi comandada pelo Curió.

O Estado – Hoje, se discute muito a abertura dos arquivos da época da Ditadura. Como o senhor vê essas movimentações?
José Vargas – Eu acho bom. Assim, vamos ver os dois lados. Porque hoje só se vê o lado deles, que estão no poder. Combati para ter essa democracia e sou idealista. Meus livros são para que as pessoas saibam a verdade. Tudo bem, que nossos chefes precisam cumprir as ordens da presidente, mas eles não dão a opinião deles. Eles só fazem isso quando vão para a reserva.

O Estado – Da Guerrilha do Araguaia, o que mais marcou o senhor?
José Vargas – Depois que saímos de lá, muitos de nós ficaram internados. Até se reintegrar a sociedade foi muito difícil. Como estávamos em uma guerra, era normal ver morte. E quando viemos para a cidade foi difícil. Qualquer coisa que acontecia, já queria puxar uma arma. Cheguei neurótico. E só consegui me reintegrar por conta da ajuda da minha família.

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