Trechos de conversas obtidas pela Polícia Federal durante operação que investigou esquema de exploração ilegal de jogos mostram como era próxima a ligação entre o contraventor e o senador da oposição
Gravações da PF revelam novos favores de Carlinhos Cachoeira a Demóstenes Torres (Montagem)
Novos trechos de conversas gravadas pela Polícia Federal durante a Operação Monte Carlo, que investigou um esquema de exploração ilegal de jogos com sede em Goiás e negócios em Brasília e outros estados da federação, dão mostras da intimidade entre o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) e o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, acusado de ser o chefe da quadrilha. Os diálogos, aos quais VEJA teve acesso, revelam novos favores do contraventor ao senador de oposição. Num deles, gravado em maio do ano passado, Cachoeira avisa ao senador: “Não esquece do avião, não, tá aí esperando, tá?”. Em outro telefonema, também do ano passado, ao ouvir de Demóstenes a queixa de que seu tablet iPad acabara de quebrar, Cachoeira é diligente na solução: diz que vai mandar alguém entregar um aparelho novo ao senador.
A conversa em que Cachoeira se refere ao avião é datada de 20 de maio de 2011, uma sexta-feira, e foi registrada nos relatórios da Polícia Federal sob o título “Carlinhos oferece aeronave para Demóstenes”:
Demóstenes - Fala, professor.
Cachoeira - Não esquece do avião não, tá aí esperando, tá?
Demóstenes - Já liguei pra ele, tô indo lá, dei uma enrolada aqui.
O diálogo em que Cachoeira diz que providenciará um tablet novo para o senador se deu duas semanas depois, em 4 de junho. Num dos relatórios da operação, a PF resumiu assim a conversa: “Demóstenes reclama que seu iPad deu pau, Carlinhos diz que vai mandar alguém entregar um novo”. No mesmo telefonema, Demóstenes diz a Cachoeira que está se dirigindo ao aeroporto “para buscar o Toffoli”. De acordo com fontes ligadas à investigação, trata-se do ministro José Antonio Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal.
Em 11 de agosto de 2011, Cachoeira e Demóstenes conversam sobre o que seria, na avaliação do senador, “um tiro direto” no PT. Demóstenes fala em em abrir uma comissão parlamentar de inquérito para investigar o partido do governo:
Cachoeira – Eu vi, eu vi as cenas lá, hein?
Demóstenes – É... Isso é bom, hein. Isso é bom que dá um tiro direto neles aí né, a gente faz a CPI do PT.
Cachoeira – Exatamente. Beleza.
Demóstenes – Falou mestre, um abraço.
Cachoeira – Outro, doutor. Tchau.
Em outra conversa, Cachoeira fala com a mulher de Demóstenes, Flávia, que comemora a obtenção de sua carteira da Ordem dos Advogados do Brasil e trata com o contraventor da possibilidade de o senador se transferir para o PMDB. Cachoeira se mostra favorável à mudança de partido – e também confiante de que um dia seu amigo Demóstenes possa se tornar ministro da Suprema Corte.
Flávia – Tô com a vermelha no bolso, 32.650, pode arrumar cliente aí pra mim (...) Tô com a vermelhaça no bolso (...)
Cachoeira - Ah, sua carteira, né? Parabéns, viu? Você vai usar ela muito e só em causa grande.
Flávia – Eu fui num jantar no Sarney com o Demóstenes, o Demóstenes hoje é um dos influentes que existem no quadro nacional todo, tem trânsito com todo mundo.
Cachoeira – É, sei disso. Ele já foi pro PMDB não?
Flávia – Não, mas o Renan [refere-se a Renan Calheiros, um dos caciques do PMDB] tá todo amor por ele que tá é assustando.
Cachoeira – Ele me falou, você acha que ele vai?
Flávia – Carlinhos, é uma decisão tão difícil, né? Acho que uma das decisões mais difíceis que ele tem que tomar é essa, viu? Muito complicado, eu acho muito complicado.
Cachoeira – É, mas ele não tem saída, não. Ele tem que ir para o PMDB. Vai fundir o PSDB com o DEM, aí ele tem que ir pro PMDB, até virar STF, né? Aí você não pode advogar e pronto.
Carlinhos Cachoeira, então, volta a parabenizar a mulher do senador por ter obtido a carteira da OAB e ela arremata, agradecendo: “Obrigado. Essa conquista aí é nossa. Depois vamos tomar um champagne”.
Há três semanas, VEJA revelou que Demóstenes recebeu de presente de casamento de Cachoeira uma geladeira e um fogão importados, de uma marca americana de luxo que usa como chamariz em suas propagandas o fato de estar presente nas casas de astros de Hollywood e também na cozinha da Casabranca. Os dois presentes valem mais de 30 mil reais. Durante a investigação, a Polícia Federal descobriu que Cachoeira e Demóstenes se falavam por meio de um rádio Nextel habilitado em Miami, nos Estados Unidos. Era uma estratégia do contraventor, segundo os investigadores, para dificultar grampos.
Na edição desta sexta-feira, o jornal O Globo mostrou que em outra investigação sobre Carlinhos Cachoeira, feita em 2009, Demóstenes Torres aparece aceitando favores do contraventor em suas viagens de avião: o senador pedia que o contraventor pagasse uma despesa sua com táxi-aéreo, no valor de 3 mil reais.
Procurado por VEJA, Demóstenes não atendeu as ligações. Sua assessoria informou que ele não está dando entrevistas sobre a investigação. E repassou a tarefa ao advogado do senador, Antônio Carlos Almeida Castro, criminalista estrelado de Brasília, também conhecido como Kakay. O advogado diz que não falará pontualmente sobre os diálogos sem antes ter acesso à integra das conversas envolvendo Demóstenes. Ele afirma que há doze dias esteve pessoalmente com o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, para pedir acesso às escutas, mas até hoje não foi atendido. “Ou essas conversas são triviais e não têm indício de crime ou os encarregados da investigação teriam que ter passado isso imediatamente para o Supremo Tribunal Federal, por envolver um senador. Se isso não foi feito, a investigação é ilegal”, diz o advogado.
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