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domingo, 4 de março de 2012

O futuro depois da tragédia

Ao mesmo tempo que atrasa o Programa Antártico Brasileiro, o incêndio na estação Comandante Ferraz pode inaugurar uma nova fase das pesquisas do País no continente gelado

André Julião

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FATALIDADE
Estação pega fogo na Antártica (acima), matando dois militares, homenageados no Rio

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O incêndio que destruiu 70% da Estação Antártica Comandante Ferraz no sábado 25 causou comoção nacional e deixou nossa comunidade científica em estado de choque. Além das irreparáveis mortes de dois militares e da perda de pesquisas realizadas neste verão, dificilmente o Brasil conseguirá retirar os destroços que restaram da tragédia antes que o mar congele. Em março, as temperaturas caem a dezenas de graus Celsius negativos e não há na esquadra brasileira barcos capazes de navegar na água congelada. Para realizar a tarefa, o Brasil precisaria de ajuda internacional a fim de abrigar a equipe de limpeza e emprestar embarcações adequadas às condições climáticas locais.

Embora representantes do governo – entre eles, a presidenta Dilma Rousseff – tenham falado em reconstruir a estação antártica nos próximos meses, especialistas afirmam que serão necessários pelo menos dois anos para que as instalações voltem a operar. Só o custo para retirar o entulho será de R$ 40 milhões, segundo estimativa de senadores e deputados da Frente Parlamentar Proantar (Programa Antártico Brasileiro). O valor representa quase quatro vezes o orçamento previsto para a iniciativa em 2012. O ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marco Antônio Raupp, porém, disse na semana passada que as pesquisas não serão interrompidas, mas sofrerão redução. “Na totalidade, a pesquisa não vai parar em momento algum. Vai diminuir. Parar não existe”, afirmou.

Opinião parecida tem o cientista Jefferson Simões, diretor do Núcleo de Pesquisas Antárticas e Climáticas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Um dos pioneiros da glaciologia no Brasil, ele lembra que a estação é só uma parte do Programa Antártico Brasileiro. “Temos estudos na Ilha Elefante, onde ainda há pesquisadores brasileiros, e outros que funcionam sem a presença de humanos”, afirma. Em janeiro, o pesquisador fez parte da equipe que instalou o Criosfera 1, módulo que não parou de transmitir dados para o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

O acidente escancarou a falta de recursos do Programa Antártico Brasileiro, fundado em 1982. Amargando um orçamento de R$ 11 milhões previsto para este ano, o programa depende de emendas parlamentares para levantar recursos. “Essa situação pode ajudar a reverter o quadro do programa e até aprimorá-lo”, diz o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), integrante da frente parlamentar.

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Infelizmente, os problemas do Brasil na Antártica vão além do incêndio na estação de pesquisas. No mesmo dia da tragédia, emergiu a notícia de que uma embarcação brasileira carregada com dez mil litros de óleo está no fundo do mar, a 900 metros da costa do continente gelado. O naufrágio, nebuloso e ainda mal explicado pelas autoridades, teria ocorrido há dois meses e foi mantido em segredo. Segundo nota divulgada pela Marinha, a Petrobras começou a realizar o resgate na semana passada.

Alguns acreditam que a reconstrução da estação é uma oportunidade para evoluir. A maioria das instalações estrangeiras no continente, com módulos separados uns dos outros para reduzir o risco de incêndios, se assemelha a naves espaciais, se comparadas à Comandante Ferraz. A brasileira, no entanto, era interligada, com quase todos os ambientes conectados debaixo de um mesmo teto – dos espaços comuns à sala de máquinas para a geração de energia, onde começou o incêndio. Pelo menos dois fatores tornam instalações desse tipo vulneráveis ao fogo: o ambiente seco, comum nos polos, e o combustível necessário para manter o ambiente aquecido.

De uma coisa os pesquisadores não têm dúvida: o Brasil precisa continuar presente no continente. “É importante dos pontos de vista geopolítico, estratégico e simbólico”, afirma Simões, da UFRGS. Mais investimentos, portanto, são fundamentais. A bióloga Virginia Petry, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), viaja ao continente desde 1984. Segundo ela, uma das mais importantes pesquisas realizadas no continente gelado é sobre mudanças climáticas. “O clima no Brasil é altamente influenciado pelas condições da Antártica”, diz. “Temos de conhecer melhor até para poder prever as catástrofes que ocorrem no Brasil a toda hora, como as inundações.”

Outra solução provisória prevista pelo ministro Raupp é o uso de navios de apoio às pesquisas, como as embarcações Ary Rangel e Almirante Maximiano – esta última funcionará como base provisória. De qualquer forma, a pesquisa científica não para. “São 28 anos de informações coletadas que continuarão a ser analisadas”, define Simões.

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Colaboraram: Izabelle Torres e Wilson Aquino

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