Chico Marés e André Gonçalves, correspondente-Oito anos após as primeiras denúncias sobre o mensalão, o julgamento
do caso deve ser encerrado nesta semana pelo Supremo Tribunal Federal
(STF). O simbolismo da condenação de 25 dos 38 réus do processo, no
entanto, contrasta com os prognósticos sobre o futuro da política
brasileira. Hoje, data de celebração do Dia Mundial de Combate à
Corrupção, o cenário é de poucas ações concretas para evitar que novos
escândalos do mesmo perfil se repitam. “Os Cachoeiras da vida não são os
únicos responsáveis pela corrupção. O Estado brasileiro, com todas as
suas fragilidades institucionais, também é culpado”, resume o deputado
Francisco Praciano (PT-AM), presidente da Frente Parlamentar de Combate à
Corrupção. Cinco dessas questões “responsáveis” pelo ambiente
desfavorável estão listados abaixo.
1 – Financiamento de campanhas continua na mesma
Marcelo Prates/Jornal Hoje Em Dia
O publicitário Marcos Valério considerado o operador do mensalão, ao ser preso
O financiamento de campanhas está no cerne da maioria dos escândalos
de corrupção do país, incluindo o mensalão. Grosso modo, muitos
empresários investem em campanhas e exigem, em troca, benefícios após o
término das eleições – seja com uma “forcinha” em licitações, ou por
meio da aprovação de leis que beneficiem a empresa. Uma solução para
evitar essa situação seria a proibição do financiamento privado de
campanhas políticas. Essa proposta é defendida pelo Movimento de Combate
à Corrupção Eleitoral (MCCE). Para a diretora do grupo, Jovita Rosa, o
financiamento da forma que está já acaba sendo público, já que a conta
acaba caindo nos bolsos dos eleitores. “Nenhum empresário doa para
campanhas políticas, e sim investe”, afirma. A solução está longe de ser
um consenso. Para o especialista em transparência Fabiano Angélico, o
financiamento exclusivamente público ajudaria a afastar o eleitor do
processo político. Em países como os Estados Unidos, por exemplo, grande
parte das doações para campanha vem do eleitor comum, que acaba se
engajando nas campanhas e na política – o que é positivo para a
democracia.
2 – Projetos anticorrupção não avançam
Felipe Rosa/Gazeta do Povo
Integrantes do Anonymous, que protestam contra a corrupção
Não faltam ideias para combater novos mensalões. Segundo o presidente
da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção, o deputado Francisco
Praciano (PT-AM), quase 160 projetos sobre o tema tramitam no Congresso.
Entretanto, falta vontade política dos deputados para colocá-los em
votação. Um exemplo citado por Praciano é o Projeto de Lei nº 6826/2010,
que prevê punição a empresas corruptoras – hoje, apenas os diretores de
empresas, pessoas físicas, podem ser punidos. Uma comissão foi montada
para discutir o projeto antes de enviá-lo a plenário. Entretanto, é raro
que as reuniões dessas comissões tenham quórum, o que inviabiliza sua
discussão. “Dá a impressão de que os congressistas não querem matar a
galinha dos ovos de ouro”, critica. Outras proposta que tramita na Casa
cria um caminho especial para julgamentos de crimes contra o erário, o
que agilizaria o julgamento de corruptos. Segundo Praciano, o projeto já
passou por todas as comissões e está apto a entrar na pauta de votações
da Câmara. Entretanto, está há anos na fila esperando a boa vontade das
lideranças da Casa.
3 – Era uma vez a reforma política
Valter Campanato/ABr
Congresso Nacional, foco das denúncias, não avança em reformas
A votação de pelo menos dois dos itens mais básicos da reforma
política – o fim das coligações nas eleições proporcionais e a
coincidência de datas dos pleitos nacionais e estaduais com os
municipais – foi anunciada como prioridade pelo presidente da Câmara dos
Deputados, Marco Maia (PT-RS), para votação no começo de dezembro.
Assim como em pelo menos outras três tentativas desde 2003, porém, as
propostas permanecem emperradas. Sem as mudanças, fica difícil evitar
negociações como o repasse de R$ 4 milhões do PT para o PTB em troca da
aliança nas eleições para prefeituras de todo Brasil em 2004. Dois anos
antes, os petebistas apoiaram Ciro Gomes (então no PPS) contra Lula – se
as disputas tivessem ocorrido na mesma data, a transação dificilmente
teria ocorrido. O “negócio” foi um dos motivos que levou à condenação o
presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson. Já o sistema de
coligações está prestes a ajudar outro condenado no processo, o
ex-presidente do PT José Genoino. Em 2010, o 1,3 milhão de votos de
Tiririca (PR) ajudou Genoino a alcançar a vaga de suplente da Câmara na
chapa com PRB/PT/PR/PCdoB/PTdoB. Em janeiro, ele deve assumir a cadeira
deixada por Carlinhos Almeida, que se elegeu prefeito de São José dos
Campos. “Não dá para imaginar que parlamentares que dominam o jogo da
conquista de mandatos vão se dispor a modificá-lo. E assim o Brasil
continua com um sistema político arcaico e disfuncional”, avalia o
cientista político do Instituto de Ensino e Pesquisa de São Paulo Carlos
Melo.
Pedro Ladeira/AFP
4 – STF não tem fôlego para mais superjulgamentos
A condenação de 25 réus do julgamento do mensalão elevou o STF ao
status aparente de principal arena de combate à corrupção no país. O
histórico do tribunal e o volume de processos contra políticos, no
entanto, contrariam essa premissa. Antes do mensalão, o STF só havia
condenado quatro deputados federais em um período de 22 anos. Pela
demora no julgamento, a pena contra um deles, o ex-prefeito de Curitiba
Cassio Taniguchi (DEM), prescreveu. Nenhum dos outros três foi para a
prisão e Natan Donadon (PMDB-RO), condenado a 13 anos e quatro meses de
cadeia, continua exercendo o mandato normalmente. Além disso, de acordo
com levantamento feito pelo portal Congresso Nacional em maio do ano
passado, 136 deputados federais e senadores que haviam acabado de
começar a atual legislatura eram alvos de inquéritos ou ações penais no
Supremo. Proporcionalmente, a pesquisa indicava que um a cada cinco
congressistas poderia ser julgado no exercício do mandato. O professor
de Direito Constitucional da Universidade de Brasília Cristiano Paixão
diz que todo o procedimento que ainda envolve o julgamento do mensalão
pode ser considerado como uma “anomalia”. “A ideia de que foi o maior e
mais importante julgamento da história do Supremo é errada. O STF é uma
corte constitucional e não penal”, diz Cristiano Paixão.
5 – Compra de apoio continua, com emendas e cargos
O principal eixo do mensalão, segundo os ministros do STF, era a
compra e apoio político no Congresso Nacional para a consolidação do
projeto de poder articulado pela cúpula nacional do PT. A busca da
“governabilidade” por meio da aliança com diferentes partidos com
representação no Parlamento continua em alta na política brasileira. “A
diferença está na moeda de troca”, analisa Elvis Cenci, professor de
Ética e Filosofia Política da Universidade Estadual de Londrina. Pelo
modelo de presidencialismo de coalizão adotado no Brasil desde os anos
1980, a estratégia mais comum para conseguir apoio parlamentar tem sido
troca por cargos no governo. José Sarney loteou o primeiro escalão entre
quatro legendas e, posteriormente, Fernando Henrique Cardoso entre
seis, Lula, dez, e Dilma, oito. “O que houve na época do mensalão foi
que o PT tentou primeiro restringir essa divisão, pagando pelo apoio com
dinheiro em espécie”, compara Cenci. “Tanto não deu certo que o Lula
voltou a usar o loteamento, com sucesso, no segundo mandato.” Outro
instrumento de barganha, as emendas parlamentares, continua sendo usado
em larga escala. Ao longo dos oito anos de governo Lula, o valor
reservado às emendas individuais aumentou 550%, de R$ 2 milhões para R$
13 milhões. Para o orçamento de 2013, o valor destinado por parlamentar
será de R$ 15 milhões.
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