Inquérito militar, obtido por ISTOÉ, revela
quem são os cinco informantes de Minas Gerais que, durante a ditadura,
denunciaram Dilma Rousseff e integrantes de seu grupo armado aos
militares
Josie Jeronimo
PROCESSO
Denunciada por informantes do regime militar,
Dilma (em destaque) depôs em Juiz de Fora em 1971
Vítima do aparato repressivo da ditadura, a presidenta Dilma Rousseff
foi processada, presa e submetida a torturas por conta de sua
militância em grupos de esquerda como o Comando de Libertação Nacional
(Colina), que promoveu ações armadas entre 1967 e 1969. A organização de
Dilma foi desmantelada por uma operação militar que prendeu seus
principais integrantes e só foi possível a partir de informações
fornecidas por colaboradores do regime militar. A lista desses
informantes consta de denúncia oferecida pela 4ª Circunscrição
Judiciária Militar em 1971 e foi obtida com exclusividade por ISTOÉ. No
documento, até agora inédito, os militares listam cinco nomes de civis
que, após terem testemunhado ações do Colina, passaram a integrar a rede
de informações em Minas Gerais. Essas pessoas entregaram detalhes de
encontros, endereços e a identidade de militantes. Um dos delatores
citados no documento é considerado peça-chave para a inclusão da jovem
Dilma Vana Rousseff no processo movido contra integrantes da
organização. Trata-se do médico José Márcio Gonçalves de Souza, que hoje
atende num hospital ortopédico de Belo Horizonte.
No fim da década de 1960, Gonçalves lecionava na Escola de Medicina
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A faculdade era
considerada a principal célula de operação do grupo armado. Lá atuava
Dilma Rousseff e mais cinco integrantes do Colina. Eles costumavam se
reunir na cantina, onde o professor também fazia seu lanche nos
intervalos das aulas, mas Gonçalves só começou a reparar nos militantes
depois de ser vítima de parte do grupo. No início de 1968, quatro
militantes, entre eles o sindicalista Irani Campos, abordaram o
professor de medicina no estacionamento da faculdade e roubaram seu
carro. Ele registrou queixa e, pouco tempo depois, foi chamado pela
polícia para identificar Campos. Na acareação, negou a participação do
sindicalista no episódio. Posteriormente, mudou sua versão para os
militares e incluiu Irani. A partir dali, José Márcio Gonçalves foi
recrutado para ajudar a monitorar os movimentos da célula da Faculdade
de Medicina. Dilma, embora fosse estudante de economia, e não tivesse
participado do roubo do carro, integrava aquele grupo na condição de
“coordenadora nas escolas”, conforme descrição que consta do processo:
“Integrava uma célula na Faculdade de medicina. Fazia reuniões com os
ginasianos em sua residência.”
INFILTRADO
O médico José Márcio Gonçalves foi recrutado pela repressão para monitorar os militantes
do Colina que integravam a célula da Faculdade de Medicina da UFMG. Entre eles, Dilma
Quando a denúncia da Justiça Militar foi feita em 1971, Dilma já
estava presa por conta de outro processo. Fora capturada um ano antes na
Operação Bandeirantes em São Paulo. Então, estava operando para a
Var-Palmares – organização que surgiu da fusão do Colina com a VPR de
Carlos Lamarca. Com o julgamento dos integrantes do grupo de Minas
Gerais, os militares resolveram transferir Dilma. A jovem foi parar na
Penitenciária de Linhares, em Juiz de Fora, outro calabouço da ditadura.
Ali, passou por novas sessões de tortura. Além do médico, os militares
citam a colaboração de Sérgio Augusto de Lima Rodrigues, Leonardo
Hamacek, Humberto Rolo da Silva e Onésimo Viana. Procurados, todos se
disseram vítimas do Colina, na hora de justificar suas atuações como
informantes. “Eu costumava rodar as delegacias com os militares para
identificar suspeitos e escrevia relatórios periódicos. Os militares
pediam que nós fizéssemos o relato. Eu sentei na máquina e escrevi, mas
eu nunca militei pela direita. Apenas cumpri o dever que achava que
tinha que cumprir”, confirma o bancário aposentado Lima Rodrigues, então
caixa de um dos bancos assaltados pelo grupo armado. Para Hamacek, as
informações eram “coisa corriqueira e sem grande importância. Não tem
nada expressivo nas informações”, disse.
Já o médico José Márcio Gonçalves, ao ser questionado por ISTOÉ sobre
as atividades de informante, tentou se desvincular dos militares.
“Depois que eles (militantes do Colina) foram presos, eu fui chamado a
fazer uma declaração, mas nunca reconheci nenhum deles”, disse. “Se meu
nome está nessa lista, só pode ser um erro dos militares”, despistou
Gonçalves. Mas, perguntado especificamente sobre outro integrante do
Colina, Irani Campos, o médico reconsiderou. “Agora que você mencionou o
Irani, eu lembrei.” Gonçalves e Irani davam plantão juntos no
laboratório do pronto-socorro vizinho à Escola de Medicina. E o
sindicalista lembra-se bem do convívio com o professor. Na época, porém,
nunca desconfiou que Gonçalves pudesse ser um informante. Argumenta, no
entanto, que eles eram frequentemente enganados por agentes
infiltrados. “Sei que no pronto-socorro havia um outro agente do SNI
(Serviço Nacional de Informações), que só descobri quando fui preso.
Estava ferido e mandaram esse médico me atender”, lembra Irani.
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