Conheça a estratégia dos procuradores da
República para apurar o suposto envolvimento do ex-presidente com a
quadrilha do mensalão. Quais serão as primeiras contas rastreadas e como
o governo e o PT preparam a reação
Sérgio Pardellas
ALVO
Procuradoria quer apurar se dinheiro do
mensalão bancou despesas de Lula
Dois anos depois de deixar o Palácio do Planalto, aclamado como um
dos presidentes mais populares do País, Lula se depara com o
constrangimento de ser alvo de investigação cujo processo correrá na
primeira instância da Justiça Federal. As recentes acusações de Marcos
Valério, de que o esquema do mensalão teria ajudado a bancar despesas
pessoais do ex-presidente em 2003, motivaram, nos últimos dias, a
realização de uma série de reuniões entre o procurador-geral da
República, Roberto Gurgel, subprocuradores e pelo menos quatro ministros
do STF, entre eles o presidente do Tribunal, ministro Joaquim Barbosa.
Nos encontros, ficou acertado que, logo depois do julgamento do
mensalão, Gurgel irá pedir a abertura de um novo inquérito para apurar
as denúncias de Valério que supostamente envolveriam diretamente o
ex-presidente. Em depoimento à Procuradoria-Geral da República prestado
no dia 24 de setembro, Valério disse que depositou, por intermédio de
suas empresas de publicidade, cerca de R$ 100 mil na conta da empresa do
ex-assessor da Presidência Freud Godoy. Segundo Valério, os recursos
seriam destinados a custear gastos particulares do então presidente.
Gurgel se diz muito irritado com o vazamento do depoimento de Valério,
colhido por sua esposa e pela procuradora Raquel Branquinho, pois isso
acabou criando um ambiente de pressão sobre o MP. Mesmo assim, Gurgel
entende que a Procuradoria será obrigada a aprofundar as investigações
sobre Freud Godoy, uma espécie de faz tudo de Lula, sob risco de
prevaricação. Ainda há dúvidas se o inquérito será aberto logo após a
aplicação das penas ou depois de transitado em julgado o processo do
mensalão. Mas, por temer que a Procuradoria possa ser usada por Marcos
Valério para chantagens políticas ou para benefício próprio, Gurgel e os
subprocuradores definiram que o melhor caminho é mesmo uma nova
investigação. Em conversas com subprocuradores e ministros do STF, na
última semana, ISTOÉ obteve informações sobre a estratégia dos
procuradores da República para apurar o suposto envolvimento de Lula com
o mensalão e qual será o caminho da investigação.
O primeiro passo será designar um procurador para ficar responsável
pelo caso. Já se sabe que as primeiras contas rastreadas serão as das
empresas em nome de Freud Godoy, como a Caso Sistemas de Segurança e a
Caso Comércio e Serviços Ltda. Num primeiro momento, porém, a
Procuradoria não vai ouvir nenhum depoimento. Nessa fase inicial do
inquérito, caberá ao procurador reunir, com base nas apurações já feitas
pelos Legislativos e Judiciários estaduais, o maior número de
documentos já produzidos nas investigações sobre Marcos Valério. Além de
fazer um pente-fino sobre o que já foi investigado, o procurador
escalado para o caso terá a tarefa de buscar os elos entre Valério e o
ex-assessor Freud Godoy. A CPI dos Correios, instalada em 2005 no
Congresso na esteira do escândalo do mensalão, será uma das fontes de
informação deste novo inquérito. Na CPI, poderão ser encontrados
depoimentos do próprio Freud Godoy e notas fiscais emitidas por suas
empresas entre 2003 e 2006.
NOVO PROCESSO
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel (acima), está convencido da
necessidade da abertura de um inquérito para apurar as revelações de Marcos Valério (abaixo)
Depois de realizado o raio X sobre as investigações já abertas contra
Valério e Freud Godoy, aí sim será inaugurada a fase das oitivas das
novas testemunhas. De acordo com interlocutores de Gurgel, o primeiro a
ser ouvido será o próprio Valério. Em seguida, Godoy. Como os envolvidos
não possuem foro privilegiado – nem mesmo o ex-presidente –, o novo
inquérito correrá na primeira instância da Justiça Federal. No PT e
entre os interlocutores mais próximos de Lula, esse fato foi enxergado
de duas maneiras. A primeira, negativa: as investigações estarão
sujeitas à canetada de um juiz, que terá a prerrogativa de, por exemplo,
aprovar a quebra de sigilos fiscais e telefônicos. Mas a situação
também dará aos investigados a possibilidade de apresentar recursos às
instâncias superiores da Justiça, como TRF, STJ e até ao STF, ampliando
os recursos da defesa.
Apesar do interesse de Valério em obter vantagens com os novos
depoimentos, em princípio o processo não irá favorecê-lo. A não ser que
as investigações comprovem a consistência de suas revelações ao
Ministério Público Federal. Mas se, de outro lado, o depoimento de
Valério se revelar incongruente ele ficará sujeito a ser alvo de um novo
processo, dessa vez por emitir falso testemunho ou até por calúnia. Em
24 de setembro, além das denúncias contra Lula, Valério encaminhou
alguns documentos à Procuradoria da República, mas eles pouco contribuem
para a futura investigação e não mostraram nada de novo aos
procuradores. Entre os documentos está a cópia de um depósito de R$ 98
mil feito para a empresa de Freud Godoy, que, segundo Valério, pagaria
as despesas pessoais do ex-presidente. O depósito efetivamente ocorreu,
mas os procuradores já sabiam disso, pois tal fato foi levantado durante
da CPI dos Correios. Agora, o novo inquérito irá detalhar esse caso. O
procurador tentará descobrir o caminho percorrido por esse dinheiro
depois de creditado na conta da empresa de Freud. A versão de Godoy é de
que o dinheiro – cerca de R$ 100 mil – teria sido usado para bancar
gastos relativos à segurança durante a posse de Lula.
CASO SANTO ANDRÉ
Inquérito vai apurar compra de jornal pelo
empresário Ronan Maria Pinto
Os procuradores também pretendem anexar ao novo inquérito a
investigação já realizada pelo MP de Santo André envolvendo a compra do
jornal “Diário do Grande ABC” pelo empresário Ronan Maria Pinto. No
depoimento à Procuradoria-Geral da República, Valério afirmou que o PT
teria pedido a ele R$ 6 milhões para que Ronan parasse de chantagear o
ex-presidente Lula, o então secretário da Presidência Gilberto Carvalho e
o ex-ministro José Dirceu. Por trás das ameaças estaria a morte do
prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT), executado em janeiro de
2002. Para o MP de Santo André, existem fortes suspeitas de que houve
lavagem de dinheiro na aquisição do jornal, segundo indicam documentos
em poder dos procuradores. O modo de operar o esquema seria semelhante
ao do mensalão, com as verbas publicitárias sendo repassadas por meio de
anúncios das empresas de Valério a terceiros. “Entendo pelo depoimento
de Marcos Valério que Ronan fez uma extorsão, recebeu aquele valor e
lavou o dinheiro na compra do jornal”, diz o promotor criminal de Santo
André, Roberto Wider, que promete abrir uma investigação sobre o caso.
Para Wider, a suspeita de possíveis irregularidades na venda ganha força
porque na época o periódico comprado por Ronan recebeu quase seis vezes
mais verbas publicitárias de estatais do que os jornais paulistas de
circulação nacional. “A suspeita de irregularidade é forte”, garante
Wider.
No campo político, a ordem no PT é tratar o depoimento de Valério
como um gesto desesperado. Para blindar o ex-presidente Lula das
acusações, durante a semana, o Planalto escalou ministros e integrantes
do PT. O argumento repetido à exaustão é de que as denúncias são velhas,
requentadas e o alvo é a imagem e a popularidade de Lula. De Paris,
onde participou do Fórum do Progresso Social, além de afirmar que não se
pronunciaria sobre “mentiras”, o ex-presidente articulou a reação. Em
conversas com Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, que também
foi alvo das acusações de Valério, o ex-ministro Luiz Dulci e
parlamentares do PT, especulou uma possível candidatura em 2014 e
prometeu reeditar as caravanas da cidadania, com o objetivo de resgatar
sua imagem. “Encerrados os dois mandatos eletivos de presidente,
continuo a fazer política porque tenho uma crença profunda na humanidade
e na capacidade dos homens e das mulheres em lutar pela justiça”,
declarou Lula, já em Barcelona, onde foi receber um prêmio do governo da
Catalunha. Com a retomada das viagens, que Lula empreendeu pela
primeira vez durante os anos 1990, pretende-se conseguir uma mobilização
popular para manter alta a sua aprovação e fortalecê-lo como cabo
eleitoral do PT.
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