Como atuava e qual era o poder de Rosemary
Nóvoa Noronha, ex-chefe de gabinete da Presidência em São Paulo. Ela é
suspeita de integrar o esquema de fraude de pareceres em órgãos públicos
Alan Rodrigues, Claudio Dantas Sequeira, Izabelle Torres, Josie Jerônimo e Pedro Marcondes de Moura
A operação da Polícia Federal que fez uma devassa no gabinete da
Presidência da República em São Paulo trouxe à tona as atividades de uma
curiosa personagem: Rosemary Nóvoa Noronha. Embora desconhecida do
grande público, ela era quase uma celebridade nos bastidores do poder.
“Rose”, como é conhecida, tratava de indicações para estatais, agências
reguladoras e autarquias, mesmo sem poder formal para tamanho
desembaraço. Quem queria garantir um espaço na máquina estatal sabia que
contar com a chefe do escritório presidencial na capital paulista era
um bom atalho. “Pede à Rose, manda o currículo para ela”, era uma frase
comum entre petistas próximos. As investigações mostram, no entanto, que
muitas vezes Rose era uma simples intermediária de interesses escusos
de terceiros. Afinal, alguns de seus indicados detinham muito mais poder
que ela e a tratavam, posteriormente, como mera – e às vezes gananciosa
e inconveniente – facilitadora. Fontes da PF informaram à ISTOÉ que a
chefe de gabinete participou não só da nomeação de funcionários de
segundo e terceiro escalão do Executivo. Há indícios de que ela teria
intermediado a indicação de ministros para tribunais federais, para o
Superior Tribunal de Justiça e até o Supremo Tribunal Federal.
As atividades de Rosemary estão sendo apuradas em procedimento
paralelo ao inquérito da Operação Porto Seguro. Devido à complexidade do
caso, várias apurações que precisavam ser aprofundadas foram
encaminhadas pela PF às corregedorias dos órgãos federais. Autoridades
com foro privilegiado também serão tratadas em investigações
específicas. Desde que a operação foi deflagrada, na sexta-feira 23,
seis pessoas foram presas e 26 mandados de busca e apreensão foram
cumpridos em São Paulo e outros 17 em Brasília. Entre os detidos estão o
diretor de hidrologia da Agência Nacional de Águas (ANA), Paulo Vieira,
e seu irmão, Rubens Vieira, diretor de infraestrutura da Agência
Nacional de Aviação Civil (Anac). Há indícios de que Rose trabalhou
intensamente pela indicação de ambos. E-mails interceptados pela PF
revelam que ela recorreu até ao ex-presidente Lula para emplacar os
aliados nas agências. Nas correspondências eletrônicas, Rose se referia a
Lula como “PR”. Os irmãos Vieira já foram afastados por decisão da
presidenta Dilma Rousseff, que também demitiu o número 2 da
Advocacia-Geral da União (AGU), Weber Holanda. Os três integrariam o
núcleo de uma organização criminosa suspeita de adulterar pareceres
técnicos, fazer lobby na indicação de cargos e corromper servidores
públicos.
Rose tinha contato rotineiro com esse triângulo criminoso. Suspeita
de usar o cargo para fazer tráfico de influência, a assessora
presidencial se diferencia, porém, dos demais investigados por não ter
acumulado patrimônio visível. Seus favores eram pagos com pequenas
benesses, como uma plástica de R$ 5 mil ou uma viagem num cruzeiro
marítimo. Em seu nome estão apenas dois apartamentos, um localizado no
bairro do Paraíso e outro na Mooca – no condomínio Torres da Mooca.
Este prédio é endereço de outros petistas, que compraram apartamentos lá
por meio da Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo, a
Bancoop, na gestão de Ricardo Berzoini. Entre seus vizinhos estão
Oswaldo Bargas, Freud Godoy, Rogério Pimentel e José Carlos Espinoza. Os
três últimos dividiam o mesmo gabinete da Presidência em São Paulo no
primeiro mandato de Lula. O escritório foi criado por decreto pelo então
presidente em fevereiro de 2003 para funcionar como uma estrutura de
apoio do cerimonial.
Godoy, Espinoza, Pimentel e Bargas tiveram seus nomes envolvidos em
escândalos, no primeiro mandato de Lula e acabaram sendo tratados por
ele como aloprados. Rose passou praticamente ilesa. Antes de virar chefe
do gabinete, em 2007, ela era a ecônoma e controlava os gastos com
cartões corporativos de Lula e sua família. A análise dessas relações
ajuda a explicar como Rosemary acumulou tanta influência. Sua relação
com Lula, por exemplo, remonta a 1988, quando ela era caixa de uma
agência bancária em São Bernardo do Campo, na qual o Sindicato dos
Metalúrgicos tinha conta. A amizade levou Rose a administrar as contas
pessoais de Lula, que depois a convidou para secretariá-lo na sede do PT
em São Paulo. Lá, Rose trabalhou por 12 anos. Assessorando a
presidência da legenda, aproximou-se também de José Dirceu, Ricardo
Berzoini e Luiz Gushiken. Hoje, depois do escândalo, Vicente Cândido
(PT-SP) é um dos raros petistas que confirmam ter conhecido Rosemary no
início dos anos 90. Ele admite que usufruiu de seu prestígio,
conseguindo audiências com José Dirceu, quando Rose virou assessora dele
na secretaria-geral do PT. “Temos uma amizade antiga de respeito.
Convivemos muito quando ela assessorava o Zé (Dirceu)”, disse à ISTOÉ.
Cândido é um dos nomes que aparecem nas escutas do inquérito da Operação
Porto Seguro. Em algumas ocasiões, ao citar aliados, Rose diz que pode
contar com o petista.
Ao longo dos anos, Rosemary não fez apenas amigos. Também colecionou
desafetos em função de seu estilo desabrido. São comuns os relatos das
broncas públicas de Rose sobre os cinco funcionários que trabalhavam com
ela no terceiro andar do edifício do Banco do Brasil, na avenida
Paulista, o chamado Planaltinho. Em certa ocasião, um deputado petista
conta que aguardava para falar com o ex-presidente Lula quando viu Rose
aos gritos com uma secretária que não havia passado determinado recado. A
funcionária deixou a sala chorando. Em outro episódio narrado também
por um deputado, Rose se negou a receber um parlamentar petista do
Nordeste. A alegação era de que ela não teria ficado satisfeita com o
discurso feito em plenário por ele no qual se referia a José Dirceu, seu
padrinho político e amigo.
No “Planaltinho”, Rose recebia políticos e empresários. Ajudava
parlamentares do baixo clero a marcar audiências e a conseguir empregos
para apadrinhados em órgãos públicos. A maioria da bancada de deputados
de São Paulo já usufruiu da influência de Rosemary. Assessores da
ex-chefe de gabinete dizem que ela elaborava semanalmente uma lista de
pedidos e prioridades para atender os parlamentares. Alguns, como
Vicente Cândido (PT-SP), Milton Monte (PR-SP) e Valdemar da Costa Neto
(PR-SP), frequentemente estavam nesse grupo e foram citados em e-mails e
conversas de Rosemary. Costa Neto, segundo os documentos da Operação
Porto Seguro, tinha estreitas ligações com Paulo Vieira e há suspeitas
de que também poderia ter tido influência em sua indicação. A Polícia
Federal identificou 1.179 ligações telefônicas feitas a partir de um
restaurante japonês que Paulo Vieira tem em São Paulo para o deputado
Costa Neto e integrantes de seu partido, o PR. A boa relação com os
políticos fortalecia a ex-chefe de gabinete de Lula na tentativa dela
de obter vantagens. Em algumas das conversas interceptadas pela PF, ela e
Paulo Vieira se referem a “parlamentares amigos”. Prefeitos e
secretários de governo que não tinham contato direto com os ministros
também passaram a acionar Rose. No varejo da barganha política, ela
estendeu seus tentáculos a diversas agências e órgãos. Do seu e-mail do
Planalto partiram pedidos de emprego, muitas vezes insistentes. Em um
deles, ela questiona Paulo Vieira sobre a possibilidade de atenderem ao
“seu desejo” nomeando a filha Mirelle para um cargo na Agência Nacional
de Aviação Civil (Anac).
Na Comissão de Ética da Presidência da República, pelo menos dois
ex-conselheiros confirmam as tentativas de Rosemary de obter informações
privilegiadas sobre processos. As interferências de Rosemary se
repetiam no Ministério das Comunicações, na Infraero, no Itamaraty e até
no Banco do Brasil, onde ela se envolveu em disputas internas por
poder. A influência de Rose nas mais diferentes esferas de poder só veio
à tona nos últimos três meses, ao final da investigação. Até então não
havia dados que identificassem uma conduta criminosa. A quebra de sigilo
das correspondências e ligações telefônicas do ex-diretor da Agência
Nacional de Águas (ANA) Paulo Vieira e seu irmão Rubens Vieira, diretor
de infraestrutura aeroportuária na Anac, mostra Rose atuando como
partícipe do esquema. Em conversa, os irmãos Vieira dizem que têm medo
de Rosemary e que sempre acatam sem discutir as ordens da chefe de
gabinete para evitar problemas maiores. “E você sabe que mexer com coisa
que envolve a Rose e tudo mais dá um estresse do c..., é uma encheção
de saco”, reclama Paulo. O relatório final da PF será entregue em 30
dias. Para decidir sobre uma eventual prisão ou não dela, espera-se
agora a análise dos documentos colhidos recentemente. Por tudo o que ela
representa, um eventual indiciamento ou prisão de Rosemary causará
calafrios no PT. “Não vou cair sozinha”, disse ela ao longo da semana.
“Tememos pelo seu destempero”, reconhece um petista com trânsito no
governo. Não foram pedidas interceptações telefônicas dela, o que houve
foi a solicitação dos e-mails retroativos. O primeiro e-mail em que ela
aparece foi de 2009. De acordo com a procuradora do MPF, Suzana
Fairbanks, o grupo criminoso agia seguindo o padrão de tentar achar
brechas jurídicas para retirar uma decisão de um órgão e levá-la para
outro, onde já contava com servidores cooptados para fazerem uma análise
favorável do caso. “Eles não paravam de cometer crimes. É o tempo
inteiro. É o modus operandi deles. Está na vida deles e eles só fazem
isso o tempo todo”, disse a procuradora.
A PF investiga ainda a ação da quadrilha para legalizar a Ilha das
Cabras, no litoral paulista. Em 1991, uma ação civil pública movida pelo
MP Estadual obrigava a demolição da mansão de propriedade do ex-senador
Gilberto Miranda existente na Ilha das Cabras. Em 1997, no entanto,
Miranda conseguiu aprovar na Assembleia Legislativa do Estado um projeto
de lei que passava a ilha para a União. O projeto foi sancionado pelo
então governador Mário Covas. Só que, em 2004, foi a vez de a União
entrar com um processo contra Miranda. A partir de 2009, quando a
quadrilha se estabelece, ele passou a operar na Secretaria de Patrimônio
da União na tentativa de legalizar a ilha. Seu contato na SPU era a
superintendente Evangelina de Almeida Pinho, ligada aos irmãos Vieira.
De acordo com as investigações, Evangelina facilitou o processo de
liberação da Ilha das Cabras corrompendo funcionários públicos. O
ex-senador Gilberto Miranda também contou com integrantes do esquema
para conseguir a aprovação do projeto de um complexo portuário de R$ 2
bilhões na Ilha dos Bagres, área de proteção permanente ao lado do Porto
de Santos. Neste caso, ele foi ajudado por Weber Holanda.
Nenhum comentário:
Postar um comentário