Tribunal analisou 35 casos de apropriação de crianças em "centros clandestinos de detenção"
TerraRafael Videla (centro)
Um tribunal argentino anunciará nesta quinta-feira seu veredicto em um histórico julgamento sobre a existência de um plano sistemático de roubo de bebês, filhos de desaparecidos durante a ditadura no país (1976-83), cujos principais acusados são os ex-ditadores Jorge Videla e Reynaldo Bignone. "Este é um julgamento histórico, carregado de muito simbolismo que serviu para manter viva a memória e a luta por justiça, contra a impunidade e que não tem precedentes no mundo porque o roubo de menores da maneira como aconteceu na ditadura argentina nunca havia ocorrido antes", disse àAFP Alan Iud, advogado das Avós da Praça de Maio, denunciante na causa.
Videla, de 86 anos, foi absolvido em 1990, após ser condenado à prisão perpétua no julgamento nos conselhos de 1983. Voltou a ser detido em 1998, acusado pelo plano dos roubos, que foi levado a julgamento em 28 de fevereiro do ano passado. Ao lado de Videla e Bignone (84), para quem se pede até 50 anos de prisão, está Jorge Acosta, chefe da Escola de Mecânica da Armada (Esma), o mais emblemático campo de concentração da ditadura, além de outros três ex-chefes militares, um obstetra e um agente da inteligência.
Neste julgamento, foram analisados 35 casos de apropriação de crianças, das quais 26 recuperaram sua identidade, "como um exemplo do plano sistemático que ocorreu em diferentes centros clandestinos de detenção", segundo as Avós da Praça de Maio, entidade humanitária criada em 1977 e candidata ao prêmio Nobel da Paz 2012. "É impossível que se tenha estabelecido lugares especiais para grávidas dentro dos centros de detenção e toda uma logística sem uma decisão das cúpulas", argumentou Iud.
As "Avós" estimam em 500 o número de crianças roubadas ao nascer durante o cativeiro de suas mães, em sua maioria desaparecidas, das quais 105 recuperaram sua identidade. Até o momento, vários julgamentos para casos pontuais de roubo de bebês foram realizados, com condenações de até 16 anos para os acusados.
Durante o atual processo foram analisados, entre outros, o caso de Aníbal Simón Méndez Gatti, filho dos uruguaios Sara Méndez e Mauricio Gatti, recuperado em 2002, e o de Macarena Gelman, filha de Marcelo Gelman e María Claudia Iruretagoyena e neta do poeta argentino Juan Gelman, roubada no Uruguai e que conheceu sua verdadeira identidade em 1999. Enquanto isso, foi detida nesta terça-feira na Argentina Ana María Grimaldos, esposa do ex-chefe da Esma Jorge Vildoza e foragida desde 1988, acusada de se apropriar de Javier Penino Viñas, filho de desaparecidos, que recuperou sua identidade em 1999. O caso é parte deste julgamento.
Em sua alegação final, Videla, que recebeu em 2010 sua segunda condenação à prisão perpétua por crimes contra a Humanidade, classificou como "terroristas" essas mulheres que deram à luz nas prisões da ditadura e que depois, em grande parte dos casos, eram jogadas vivas no mar de aviões militares em pleno voo. "Todas as gestantes, a quem respeito como mães, eram militantes ativas da máquina do terrorismo. Usaram seus filhos como escudos humanos", disse o ex-ditador no tribunal. De acordo com Videla, a existência de um plano sistemático para roubar crianças "é uma falácia (...), havia ordens estritas e escritas para devolver menores desamparados a seus familiares".
Em troca, Elliott Abrams, ex-subsecretário de Direitos Humanos do Departamento de Estado americano (1982-1985), revelou durante o julgamento que os Estados Unidos sabiam do que ocorria na Argentina. "Acreditávamos que era um plano porque prendiam ou assassinavam muitas pessoas, e nos parecia que o governo militar tinha decidido que algumas crianças seriam entregues a outras famílias", declarou no consulado argentino em Washington. "Fomos um espólio de guerra do regime", afirmou Leonardo Fossati, 35 anos, uma dos netos recuperados.
A leitura da sentença será transmitida ao vivo pelas Avós em um telão instalado diante dos tribunais portenhos, onde será realizado um ato de ativistas dos direitos humanos. Durante a ditadura, cerca de 30.000 pessoas desapareceram, segundo organizações humanitárias.
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