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segunda-feira, 30 de julho de 2012

Mensalão: como o escândalo implodiu o núcleo duro do PT


Eles ocupavam os mais importantes postos de comando no governo Lula, no Congresso e no Partido dos Trabalhadores. Hoje estão no banco dos réus

Carolina Freitas, Gabriel Castro, Tatiana Santiago e Thais Arbex
José Dirceu, Professor Luizinho, José Genoíno e Luiz Gushiken
Quatro dos 38 réus do mensalão: José Genoíno, Professor Luizinho, José Dirceu e Luiz Gushiken (Ana Araujo e AE)
A descoberta em 2005 do mensalão revelou o maior caso de corrupção da história recente do Brasil e fulminou o núcleo duro do governo do PT. Homens de confiança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, antes com livre acesso ao Palácio do Planalto, viram ruir suas carreiras na política e hoje estão no banco dos réus. O site de VEJA investigou como e onde estão os oito dos réus do mensalão que mais gozavam de prestígio junto a Lula e ao PT antes de o esquema vir à tona. São eles os ex-ministros José Dirceu e Luiz Gushiken; os então dirigentes do PTJosé Genoíno, Delúbio Soares e Silvio Pereira; e os deputados João Paulo Cunha,Professor Luizinho e Paulo Rocha.
 
Com exceção de Silvio Pereira, o Silvinho, os demais estão entre os 38 que serão julgados a partir desta quinta-feira pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro, peculato - quando um funcionário público usa de seu cargo para obter vantagem - e formação de quadrilha. À exceção de Delúbio, que estrelou um ato em sua homenagem organizado por “simpatizantes” na última semana, os outros réus têm mantido uma rotina de reclusão às vésperas do julgamento. Em alguns casos, como o de Genoíno, até o advogado do réu foi orientado a evitar entrevistas.
 

Em meio ao lodaçal, há quem tente se reerguer por meio das eleições. É o caso do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha - único dos réus do mensalão a disputar o pleito de outubro. Ele deixará de acompanhar o julgamento em Brasília para cuidar de sua campanha a prefeito de Osasco, na Grande São Paulo. De acordo com a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), João Paulo recebeu propina para beneficiar as empresas de Marcos Valério e desviou recursos de um contrato da Câmara dos Deputados. Ele responde por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato. Ainda assim, escapou de ter o mandato cassado na Câmara e reelegeu-se deputado em 2006. 
 
A eleição de João Paulo é uma das prioridades do PT de São Paulo. O partido está no poder em Osasco há sete anos. E o mensaleiro conta com farto apoio: uma coligação com vinte partidos e a adesão de 300 dos 370 candidatos a vereador na cidade. “Existe um clima de tensão no ar”, admite um petista influente do ABC paulista. “O resultado do julgamento interfere diretamente na eleição de Osasco”, diz. Esses e outros prognósticos sobre a política local são tratados em frequentes reuniões de João Paulo com correligionários em uma sala secreta do restaurante da família de Silvio Pereira, outro ex-poderoso do mensalão, em Osasco.
 
Silvinho, como ficou conhecido, teve seu nome excluído da Ação Penal 470, que trata do mensalão, depois de firmar um acordo com a Justiça, de prestação de serviços comunitários. Ele foi acusado de coordenar a distribuição de cargos públicos no governo Lula e de receber propina de uma empresa que tinha contratos com a Petrobras. Um dos presentes recebidos por Silvio Pereira foi um jipe Land Rover. Após deixar o PT em 2005, Silvinho fez um ano de curso de culinária e passou a elaborar pratos para o restaurante de sua família, o Tia Lela. 
 
Tatiana Santiago/VEJA
Fachada do restaurante da família de Silvio Pereira, em Osasco, na Grande São Paulo
Restaurante da família de Silvio Pereira, em Osasco
“Ele não trabalha aqui, só aparece esporadicamente”, disse um funcionário do estabelecimento à reportagem. O comerciante Ademir Pereira, irmão de Silvinho, afirmou que o ex-secretário-geral do PT está viajando e não tem data para voltar. “O acordo que Silvio firmou com a Justiça não imprime culpa. Ele não confessou o crime”, disse o advogado de Silvinho, Gustavo Badaró. “Silvio fez o acordo para ter menos dor de cabeça.”
 
Também na Grande São Paulo, em Santo André, outro mensaleiro participa da campanha eleitoral - mas restringe sua atuação aos bastidores. Trata-se de Luiz Carlos da Silva, conhecido como Professor Luizinho, ex-líder do governo na Câmara, que responde pelo crime de lavagem de dinheiro por ter recebido 20 000 reais do valerioduto. Luizinho escapou da cassação; tentou, sem sucesso, a reeleição em 2006; e falhou ao tentar uma cadeira de vereador em Santo André em 2008. Hoje atua como consultor, comprou terras na Bahia e participa da campanha de Carlos Grana, candidato do PT a prefeito de Santo André. 
 
“A denúncia do mensalão acabou politicamente com Luizinho. Agora ele está lá, com a vidinha dele”, disse ao site de VEJA um importante petista do ABC. A defesa do ex-deputado alega que o dinheiro referido no processo foi sacado por um assessor de Luizinho sem o seu conhecimento e repassado ao PT para pagar dívidas da campanha de 2004. 
 
Na antessala do presidente - Número 2 da República no governo Lula, José Dirceu foi classificado pelo MPF como chefe da quadrilha que arquitetou e operou o mensalão. O ex-ministro da Casa Civil é um dos petistas que mais manteve sua influência, mesmo que agindo nas sombras. Hoje, atua como consultor e utiliza sua influência em Brasília para garimpar informações sobre a administração federal, matéria-prima de sua bem-sucedida carreira no mundo dos negócios. Na ação do mensalão, responde por corrupção ativa e formação de quadrilha.
 
“O MPF pede a condenação de José Dirceu com base no ouviu dizer”, contesta José Luís Oliveira Lima, advogado do ex-ministro. “Não existiu o que uma parcela da opinião pública chamou de mensalão. As afirmações apresentadas por Roberto Jefferson (delator do esquema) não encontram respaldo no que foi produzido nos autos.” Dirceu vive em São Paulo e divide seus dias entre a capital e a cidade de Vinhedo, no interior. Ele não irá à Brasília para o julgamento, por orientação de seu defensor. 
 
Na outra ponta, está o ex-secretário de Comunicação Luiz Gushiken. Na época do escândalo, ele foi apeado do posto e continuou no governo como assessor especial de Lula. Em 2006, pediu demissão do governo e abriu uma consultoria. Atualmente, enfrenta um câncer em estágio avançado e pouco sai da casa onde vive em Indaiatuba, interior de São Paulo. Acusado de peculato, figura na lista de réus por ter pressionado o Banco do Brasil a liberar mais de 70 milhões de reais para o grupo do publicitário Marcos Valério. 
 
O advogado do ex-ministro, José Roberto Leal de Carvalho, argumenta que o petista se tornou réu por razões políticas. Em suas alegações finais, o MPF pediu a absolvição de Gushiken por falta de provas. O advogado nem mesmo informou oficialmente à Justiça sobre a situação frágil de saúde de seu cliente: “Ele não quer favor nenhum." 
 
Cúpula petista - A crise política desencadeada pela descoberta do mensalão em 2005 dinamitou também o comando do Partido dos Trabalhadores - até ali autopropalado o partido da ética. O então presidente nacional da legenda, José Genoino, caiu no ostracismo. Depois de ser derrotado na eleição para deputado federal em 2010, trabalha como assessor especial do Ministério da Defesa, com salário de 9 000 reais. Evita a imprensa e não aceita falar sobre o mensalão. 
 
Ele é acusado de formação de quadrilha e corrupção ativa. De acordo com a denúncia, como presidente do partido, Genoino avalizou formalmente empréstimos simulados pelo núcleo de Marcos Valério e pelo PT com o Banco Rural e BMG. Nesses dias que antecedem o julgamento, o advogado do petista, Luiz Fernando Pacheco, deixou de atender o telefone. Ele sustenta a tese que o Genoino não tinha conhecimento do esquema, que teria sido montado unicamente pelo tesoureiro da legenda à época, Delúbio Soares.
 
Delúbio, por surpreendente que pareça, tem vivido dias de glória na última semana, em eventos em sua homenagem - uma tentativa de apagar os malfeitos que sujaram a história do PT para sempre. Ele dedicou os últimos anos a fazer palestras em que jura não ter feito "nada além de caixa dois". Foi reincorporado ao partido em 2011. Nos eventos que organiza, em sindicatos e diretórios do PT, distribui um encarte de oitenta páginas com sua defesa. A tiragem é de 2.000 exemplares. 
 
O petista afirma que o valerioduto era um esquema de financiamento de campanha com "recursos não-contabilizados", sem relação com a cooptação de deputados. E ainda tenta criar o conceito de caixa dois diferenciado: "Não era o caixa dois clássico do Brasil, que é um dinheiro sem origem que paga despesa sem origem", tentou explicar na semana passada. 
 
Líder do PT na Câmara em 2005, o paraense Paulo Rocha renunciou ao mandato para escapar da cassação e elegeu-se deputado federal no ano seguinte. Em 2010, tentou o Senado, sem sucesso. Hoje é presidente de honra do diretório estadual do PT do Pará e trabalha na reestruturação da regional. Paulo Rocha alimenta a expectativa de concorrer nas eleições de 2014.
 
Ele responde por lavagem de dinheiro, por ter recebido 820 000 reais do valerioduto. Segundo a denúncia, o dinheiro foi usado em favor dos diretórios do PT e do PSB no Pará. A defesa de Paulo Rocha afirma, no entanto, que ele não obteve benefício do dinheiro sacado, destinado ao pagamento de dívidas de campanha. “Se Paulo Rocha for condenado, tem de fechar o Supremo”, afirma o advogado do ex-deputado, João dos Santos Gomes Filho, afeito a frases de efeito. “O mensalão é uma ficção.” 
 
Gomes Filho se diz confiante na absolvição dos réus, ainda que à revelia de parte da sociedade que espera pelo fim da impunidade a políticos. “Não tenho dúvida nenhuma de que Paulo vai sair do tribunal absolvido, abraçado comigo. Eu vou tomar um porre com ele porque eu sou filho de Deus. Vai haver uma lavagem de biografias no Supremo.”
 
Os brasileiros esperam, na verdade, que a limpeza se dê na história política do país - maculada por esse entre tantos casos de corrupção

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