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terça-feira, 31 de julho de 2012

TSE rejeita pedido de adiamento do julgamento do mensalão


Ministra Cármen Lúcia, presidente do TSE, entendeu não caber interferência em decisões do Supremo Tribunal Federal

Laryssa Borges
Ministra Carmen Lúcia, anuncia seu voto durante julgamento sobre anencefalia no STF
Ministra Cármen Lúcia (Carlos Humberto)
A presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, determinou nesta segunda-feira o arquivamento de uma representação em que advogados pediam que ela atuasse como mediadora e negociasse o adiamento do julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF). O grupo de cinco advogados – dois do núcleo jurídico do PT – argumentava que o julgamento do mais grave escândalo político do governo Lula poderia influenciar no processo eleitoral e promover o “o desequilíbrio em desfavor dos partidos envolvidos.
Ao analisar o caso, a ministra Cármen Lúcia, que também faz parte da composição do STF, disse que o pedido dos advogados não tem relação com as atribuições da presidência do TSE e que, por isso, “nada há a prover”.
“Valem-se de petição para externar preocupações e requerer o que seria indevida interferência deste Tribunal Superior Eleitoral na organização interna do Supremo Tribunal Federal”, disse a magistrada em sua decisão.
“É de primário conhecimento não caber a este Tribunal Superior Eleitoral representar junto ao Supremo Tribunal Federal preocupações e interesses de réus em qualquer ação penal ali em tramitação, ainda que sejam candidatos ou dirigentes de partidos políticos”, completou a ministra.
O julgamento do mensalão começa nesta quinta-feira. A expectativa é que a exposição das defesas dos 38 réus do processo e dos votos dos ministros relator, Joaquim Barbosa, e revisor, Ricardo Lewandowski, se prolongue por todo o mês. O início dos votos dos demais ministros começaria em setembro, coincidindo com reta final do período de eleições municipais.
 

MPF: Cachoeira teria usado mulher para comandar negócios da prisão


Suspeita de tentar chantagear juiz, ela terá que pagar fiança de R$ 100 mil para não ser presa

AE
CarlosCachoeiraCPI016-Esposa-.jpg
A mulher de Carlinhos Cachoeira, Andressa Mendonça, pode estar agindo como membro da organização criminosa do bicheiro, afirmaram na tarde desta segunda-feira (30), em Goiânia, os procuradores Daniel de Resende Salgado e Léa Batista de Oliveira. "A nossa desconfiança é de que ela passou a ser uma mensageira do 'capo' do grupo criminoso organizado, do Carlos Augusto Ramos", disse Daniel Salgado. "É plenamente possível ele (Cachoeira) comandar (a organização) mesmo preso, através dela e de outras pessoas", completou Léa, em entrevista coletiva.
Andressa teve de prestar depoimento na Polícia Federal hoje, sob suspeita de chantagear o juiz do caso da operação Monte Carlo, Alderico Rocha Santos, oferecendo livrá-lo da publicação de um dossiê. Os procuradores admitiram o objetivo de "frear o fluxo de informações" no pedido para que a Justiça decretasse medida cautelar impedindo a mulher de Cachoeira de manter contato com outros membros da quadrilha do bicheiro.
"Ela também está impedida de entar no prédio da Justiça Federal e de ter contato com o juiz", disse Daniel. Os representantes do Ministério Público Federal (MPF) tentam, em grau recursal, restabelecer a prisão provisória e revogar a soltura dos outros réus, pelo mesmo motivo. Sobre a fiança de R$ 100 mil que Andressa terá que pagar, o procurador foi irônico: "É um quinto daquilo que ela teria gastado para decoração da residência dela", disse.
Léa Batista confirmou que Andressa já está sendo investigada por suspeita de atuar como laranja de Cachoeira em pelo menos um negócio, envolvendo a compra de uma fazenda entre Luziânia e Santa Maria, a 100 km de Brasília e orçada em R$ 22 milhões. "Requisitamos abertura de inquérito na quarta-feira, mas, como está sob investigação, não podemos fornecer maiores detalhes", disse. Hoje, após a suposta chantagem ao juiz, o MPF pediu a instauração de outro inquérito, agora para apurar o crime de corrupção ativa por parte de Andressa.
Segundo os procuradores, as investigações já haviam encontrado indícios de que Andressa sabia das atividades do grupo de Cachoeira. "Havia algumas informações nesse sentido, mas que não estavam ainda claras. Conseguimos, a partir das buscas e apreensões, desvelar um pouco mais a potencial participação dela no grupo e, a partir daí, foi requisitada a abertura de inquérito policial", disse Daniel. O MPF também investiga se há bens no nome de Andressa que são incompatíveis com a renda pessoal dela.
Carlinhos Cachoeira 
Acusado de comandar a exploração do jogo ilegal em Goiás, Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, foi preso na Operação Monte Carlo, da Polícia Federal, em 29 de fevereiro de 2012, oito anos após a divulgação de um vídeo em que Waldomiro Diniz, assessor do então ministro da Casa Civil, José Dirceu, lhe pedia propina. O escândalo culminou na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Bingos e na revelação do suposto esquema de pagamento de parlamentares que ficou conhecido como mensalão.
Escutas telefônicas realizadas durante a investigação da PF apontaram diversos contatos entre Cachoeira e o senador Demóstenes Torres (GO), então líder do DEM no Senado. Ele reagiu dizendo que a violação do seu sigilo telefônico não havia obedecido a critérios legais, confirmou amizade com o bicheiro, mas negou conhecimento e envolvimento nos negócios ilegais de Cachoeira. As denúncias levaram o Psol a representar contra Demóstenes no Conselho de Ética e o DEM a abrir processo para expulsar o senador. O goiano se antecipou e pediu desfiliação da legenda.
Com o vazamento de informações do inquérito, as denúncias começaram a atingir outros políticos, agentes públicos e empresas, o que culminou na abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) mista do Cachoeira. O colegiado ouviu os governadores Agnelo Queiroz (PT), do Distrito Federal, e Marconi Perillo (PSDB), de Goiás, que negaram envolvimento com o grupo do bicheiro. O governador Sérgio Cabral (PMDB), do Rio de Janeiro, escapou de ser convocado. Ele é amigo do empreiteiro Fernando Cavendish, dono da Delta, apontada como parte do esquema de Cachoeira e maior recebedora de recursos do governo federal nos últimos três anos.
Demóstenes passou por processo de cassação por quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética da Casa. Em 11 de julho, o plenário do Senado aprovou, por 56 votos a favor, 19 contra e cinco abstenções, a perda de mandato do goiano. Ele foi o segundo senador cassado pelo voto dos colegas na história do Senado.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Mensalão: como o escândalo implodiu o núcleo duro do PT


Eles ocupavam os mais importantes postos de comando no governo Lula, no Congresso e no Partido dos Trabalhadores. Hoje estão no banco dos réus

Carolina Freitas, Gabriel Castro, Tatiana Santiago e Thais Arbex
José Dirceu, Professor Luizinho, José Genoíno e Luiz Gushiken
Quatro dos 38 réus do mensalão: José Genoíno, Professor Luizinho, José Dirceu e Luiz Gushiken (Ana Araujo e AE)
A descoberta em 2005 do mensalão revelou o maior caso de corrupção da história recente do Brasil e fulminou o núcleo duro do governo do PT. Homens de confiança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, antes com livre acesso ao Palácio do Planalto, viram ruir suas carreiras na política e hoje estão no banco dos réus. O site de VEJA investigou como e onde estão os oito dos réus do mensalão que mais gozavam de prestígio junto a Lula e ao PT antes de o esquema vir à tona. São eles os ex-ministros José Dirceu e Luiz Gushiken; os então dirigentes do PTJosé Genoíno, Delúbio Soares e Silvio Pereira; e os deputados João Paulo Cunha,Professor Luizinho e Paulo Rocha.
 
Com exceção de Silvio Pereira, o Silvinho, os demais estão entre os 38 que serão julgados a partir desta quinta-feira pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro, peculato - quando um funcionário público usa de seu cargo para obter vantagem - e formação de quadrilha. À exceção de Delúbio, que estrelou um ato em sua homenagem organizado por “simpatizantes” na última semana, os outros réus têm mantido uma rotina de reclusão às vésperas do julgamento. Em alguns casos, como o de Genoíno, até o advogado do réu foi orientado a evitar entrevistas.
 

Em meio ao lodaçal, há quem tente se reerguer por meio das eleições. É o caso do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha - único dos réus do mensalão a disputar o pleito de outubro. Ele deixará de acompanhar o julgamento em Brasília para cuidar de sua campanha a prefeito de Osasco, na Grande São Paulo. De acordo com a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), João Paulo recebeu propina para beneficiar as empresas de Marcos Valério e desviou recursos de um contrato da Câmara dos Deputados. Ele responde por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato. Ainda assim, escapou de ter o mandato cassado na Câmara e reelegeu-se deputado em 2006. 
 
A eleição de João Paulo é uma das prioridades do PT de São Paulo. O partido está no poder em Osasco há sete anos. E o mensaleiro conta com farto apoio: uma coligação com vinte partidos e a adesão de 300 dos 370 candidatos a vereador na cidade. “Existe um clima de tensão no ar”, admite um petista influente do ABC paulista. “O resultado do julgamento interfere diretamente na eleição de Osasco”, diz. Esses e outros prognósticos sobre a política local são tratados em frequentes reuniões de João Paulo com correligionários em uma sala secreta do restaurante da família de Silvio Pereira, outro ex-poderoso do mensalão, em Osasco.
 
Silvinho, como ficou conhecido, teve seu nome excluído da Ação Penal 470, que trata do mensalão, depois de firmar um acordo com a Justiça, de prestação de serviços comunitários. Ele foi acusado de coordenar a distribuição de cargos públicos no governo Lula e de receber propina de uma empresa que tinha contratos com a Petrobras. Um dos presentes recebidos por Silvio Pereira foi um jipe Land Rover. Após deixar o PT em 2005, Silvinho fez um ano de curso de culinária e passou a elaborar pratos para o restaurante de sua família, o Tia Lela. 
 
Tatiana Santiago/VEJA
Fachada do restaurante da família de Silvio Pereira, em Osasco, na Grande São Paulo
Restaurante da família de Silvio Pereira, em Osasco
“Ele não trabalha aqui, só aparece esporadicamente”, disse um funcionário do estabelecimento à reportagem. O comerciante Ademir Pereira, irmão de Silvinho, afirmou que o ex-secretário-geral do PT está viajando e não tem data para voltar. “O acordo que Silvio firmou com a Justiça não imprime culpa. Ele não confessou o crime”, disse o advogado de Silvinho, Gustavo Badaró. “Silvio fez o acordo para ter menos dor de cabeça.”
 
Também na Grande São Paulo, em Santo André, outro mensaleiro participa da campanha eleitoral - mas restringe sua atuação aos bastidores. Trata-se de Luiz Carlos da Silva, conhecido como Professor Luizinho, ex-líder do governo na Câmara, que responde pelo crime de lavagem de dinheiro por ter recebido 20 000 reais do valerioduto. Luizinho escapou da cassação; tentou, sem sucesso, a reeleição em 2006; e falhou ao tentar uma cadeira de vereador em Santo André em 2008. Hoje atua como consultor, comprou terras na Bahia e participa da campanha de Carlos Grana, candidato do PT a prefeito de Santo André. 
 
“A denúncia do mensalão acabou politicamente com Luizinho. Agora ele está lá, com a vidinha dele”, disse ao site de VEJA um importante petista do ABC. A defesa do ex-deputado alega que o dinheiro referido no processo foi sacado por um assessor de Luizinho sem o seu conhecimento e repassado ao PT para pagar dívidas da campanha de 2004. 
 
Na antessala do presidente - Número 2 da República no governo Lula, José Dirceu foi classificado pelo MPF como chefe da quadrilha que arquitetou e operou o mensalão. O ex-ministro da Casa Civil é um dos petistas que mais manteve sua influência, mesmo que agindo nas sombras. Hoje, atua como consultor e utiliza sua influência em Brasília para garimpar informações sobre a administração federal, matéria-prima de sua bem-sucedida carreira no mundo dos negócios. Na ação do mensalão, responde por corrupção ativa e formação de quadrilha.
 
“O MPF pede a condenação de José Dirceu com base no ouviu dizer”, contesta José Luís Oliveira Lima, advogado do ex-ministro. “Não existiu o que uma parcela da opinião pública chamou de mensalão. As afirmações apresentadas por Roberto Jefferson (delator do esquema) não encontram respaldo no que foi produzido nos autos.” Dirceu vive em São Paulo e divide seus dias entre a capital e a cidade de Vinhedo, no interior. Ele não irá à Brasília para o julgamento, por orientação de seu defensor. 
 
Na outra ponta, está o ex-secretário de Comunicação Luiz Gushiken. Na época do escândalo, ele foi apeado do posto e continuou no governo como assessor especial de Lula. Em 2006, pediu demissão do governo e abriu uma consultoria. Atualmente, enfrenta um câncer em estágio avançado e pouco sai da casa onde vive em Indaiatuba, interior de São Paulo. Acusado de peculato, figura na lista de réus por ter pressionado o Banco do Brasil a liberar mais de 70 milhões de reais para o grupo do publicitário Marcos Valério. 
 
O advogado do ex-ministro, José Roberto Leal de Carvalho, argumenta que o petista se tornou réu por razões políticas. Em suas alegações finais, o MPF pediu a absolvição de Gushiken por falta de provas. O advogado nem mesmo informou oficialmente à Justiça sobre a situação frágil de saúde de seu cliente: “Ele não quer favor nenhum." 
 
Cúpula petista - A crise política desencadeada pela descoberta do mensalão em 2005 dinamitou também o comando do Partido dos Trabalhadores - até ali autopropalado o partido da ética. O então presidente nacional da legenda, José Genoino, caiu no ostracismo. Depois de ser derrotado na eleição para deputado federal em 2010, trabalha como assessor especial do Ministério da Defesa, com salário de 9 000 reais. Evita a imprensa e não aceita falar sobre o mensalão. 
 
Ele é acusado de formação de quadrilha e corrupção ativa. De acordo com a denúncia, como presidente do partido, Genoino avalizou formalmente empréstimos simulados pelo núcleo de Marcos Valério e pelo PT com o Banco Rural e BMG. Nesses dias que antecedem o julgamento, o advogado do petista, Luiz Fernando Pacheco, deixou de atender o telefone. Ele sustenta a tese que o Genoino não tinha conhecimento do esquema, que teria sido montado unicamente pelo tesoureiro da legenda à época, Delúbio Soares.
 
Delúbio, por surpreendente que pareça, tem vivido dias de glória na última semana, em eventos em sua homenagem - uma tentativa de apagar os malfeitos que sujaram a história do PT para sempre. Ele dedicou os últimos anos a fazer palestras em que jura não ter feito "nada além de caixa dois". Foi reincorporado ao partido em 2011. Nos eventos que organiza, em sindicatos e diretórios do PT, distribui um encarte de oitenta páginas com sua defesa. A tiragem é de 2.000 exemplares. 
 
O petista afirma que o valerioduto era um esquema de financiamento de campanha com "recursos não-contabilizados", sem relação com a cooptação de deputados. E ainda tenta criar o conceito de caixa dois diferenciado: "Não era o caixa dois clássico do Brasil, que é um dinheiro sem origem que paga despesa sem origem", tentou explicar na semana passada. 
 
Líder do PT na Câmara em 2005, o paraense Paulo Rocha renunciou ao mandato para escapar da cassação e elegeu-se deputado federal no ano seguinte. Em 2010, tentou o Senado, sem sucesso. Hoje é presidente de honra do diretório estadual do PT do Pará e trabalha na reestruturação da regional. Paulo Rocha alimenta a expectativa de concorrer nas eleições de 2014.
 
Ele responde por lavagem de dinheiro, por ter recebido 820 000 reais do valerioduto. Segundo a denúncia, o dinheiro foi usado em favor dos diretórios do PT e do PSB no Pará. A defesa de Paulo Rocha afirma, no entanto, que ele não obteve benefício do dinheiro sacado, destinado ao pagamento de dívidas de campanha. “Se Paulo Rocha for condenado, tem de fechar o Supremo”, afirma o advogado do ex-deputado, João dos Santos Gomes Filho, afeito a frases de efeito. “O mensalão é uma ficção.” 
 
Gomes Filho se diz confiante na absolvição dos réus, ainda que à revelia de parte da sociedade que espera pelo fim da impunidade a políticos. “Não tenho dúvida nenhuma de que Paulo vai sair do tribunal absolvido, abraçado comigo. Eu vou tomar um porre com ele porque eu sou filho de Deus. Vai haver uma lavagem de biografias no Supremo.”
 
Os brasileiros esperam, na verdade, que a limpeza se dê na história política do país - maculada por esse entre tantos casos de corrupção

Planalto fez gestão para poupar Lulinha


Texto guardado sob sigilo há sete anos revela como foi alterado o relatório final da CPI que investigou o mensalão, em especial no que se refere ao filho mais velho do ex-presidente Lula.
Sérgio Lima - 21.fev.06/Folhapress
Deputado federal ACM Neto (à esquerda) ao lado do deputado Osmar Serraglio
Deputado ACM Neto (à esq.) e o deputado Osmar Serraglio
O documento, ao qual a Folha teve acesso, foi redigido pela equipe do deputado ACM Neto (DEM-BA), sub-relator da CPI dos Correios para o tema fundos de pensão. ACM Neto confirmou à Folha que se trata do texto original.
Do texto apresentado ao relator, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), foram suprimidas as menções a Fábio Luís, o Lulinha, e ao fato de a empresa investigada Gamecorp pertencer ao filho do então presidente.
Serraglio tinha poderes para alterar o texto do sub-relator. O que chama atenção é que só foram suprimidos trechos que citavam Lulinha ou eram críticos a ele e a Lula. De resto, o texto de ACM Neto foi mantido.
Fábio Luís foi investigado pelo fato de a Telemar (atual Oi) ter investido R$ 5 milhões na Gamecorp. A empresa foi criada por Lulinha em 2004, com capital de R$ 10 mil, e um ano depois recebeu o aporte milionário da tele.
A CPI chegou ao caso porque dois fundos de pensão investigados tinham participação na Telemar, que tinha recebido aporte do BNDES.
Foram suprimidos trechos como "por envolver, naturalmente, como beneficiário, o filho do presidente da República". Ficou de fora um parágrafo inteiro que criticava o Ministério da Fazenda e juntas comerciais de diversos Estados, que não responderam aos pedidos da CPI por informações sobre a Gamecorp.
A Fazenda, segundo o texto de ACM Neto, respondeu que repassar essas informações "poria em risco os interesses legítimos da empresa".
O presidente da CPI, senador Delcídio Amaral (PT-MS), disse à Folha que conversou com o então presidente Lula diversas vezes e que houve pressão "de todos os lados", mas silenciou sobre a origem da ordem para retirar o nome de Lulinha do texto final.
Serraglio confirma as pressões do Planalto. "Essas informações chegavam para gente, 'ou vocês retiram ou nós vamos criar dificuldades para aprovar'", disse. "Tinham pessoas mais próximas [do Planalto] que acompanhavam, o Carlos Abicalil (PT-MT), o Jorge Bittar (PT-RJ), era a tropa da frente."
Num ponto, Delcídio e Serraglio concordam: se o nome de Lulinha tivesse sido mantido, o relatório não teria sido aprovado. A explicação dos dois: incluir o nome de Lulinha seria o mesmo que incluir o do presidente.
A CPI, que apurou o caminho do dinheiro do mensalão, não quebrou o sigilo da Gamecorp.
Segundo ACM Neto, na segunda-feira anterior à votação do relatório final, foi avisado por Serraglio de que era preciso retirar o nome de Lulinha. "Não sei de quem partiu a ordem para tirar o nome do Lulinha, mas aceitei porque era o acordo ou nada."
OUTRO LADO
Folha não conseguiu localizar os deputados citados por Serraglio, e a assessoria de Lula não quis comentar o caso. A assessoria de Lulinha também não respondeu.

Em verdes mares


O USS Nimitz é o primeiro porta-aviões a usar biocombustível como forma de redução da emissão de gases poluentes e fuga dos derivados do petróleo

Tamara Menezes
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PIONEIRO
O navio de guerra em sua primeira navegação com biocombustível
O maior consumidor de combustíveis nos Estados Unidos quer ser verde. As Forças Armadas americanas, que gastam quatro vezes mais energia que os demais órgãos do governo somados, fizeram o primeiro teste com um porta-aviões e 71 aeronaves abastecidos com biocarburante durante uma simulação de operação militar. O combustível convencional é misturado a algas e óleo de cozinha em partes iguais. Além do apelo ecológico das mudanças climáticas, o exercício visa minimizar a dependência de óleo importado de nações estrangeiras. A iniciativa causou polêmica pelo alto custo (até quatro vezes maior que o combustível normal), mas pode até mudar radicalmente a política externa americana. 

Coube ao porta-aviões USS Nimitz ser o primeiro navio da “Grande Frota Verde”, pacote de metas americanas para cortar o uso de petróleo por equipamentos militares até 2020. Ele se desloca pelo Oceano Pacífico até agosto movido a algas e diesel comum. Já os helicópteros, jatos e naves de apoio adotam o bioquerosene, com óleo de cozinha usado. Os combustíveis são “drop-in”, ou seja, mesclam biomassa ao combustível e dispensam adaptações em motores e estruturas de abastecimento. 

Esse projeto de diversificação da matriz energética virou assunto prioritário nas Forças Armadas, afinal aeronaves, navios e veículos terrestres continuam reféns dos derivados do petróleo e as importações forneceram 45% do combustível em 2011. “Estamos empenhados em achar alternativas ao petróleo estrangeiro. Acreditamos que é fundamental para a segurança nacional e nossa capacidade de combate”, afirmou Ray Mobus, secretário da Marinha americana, ao jornal britânico “The Guardian”. Tanto é verdade que a Agência Governamental de Informações sobre Energia (EIA, em inglês) afirmou que as importações de óleo estrangeiro vem caindo desde 2005.
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BIOFROTA
Tripulantes do USS Nimitz controlam a transferência do biocombustível
entre os tanques do porta-aviões (acima) e testam sua qualidade (abaixo)
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Ex-ministro das Relações Exteriores (1995-2001) e professor da ESPM, Luiz Felipe Lampreia avalia que a vulnerabilidade energética influencia as decisões da potência militar e foi determinante nas disputas após a Segunda Guerra Mundial. Mas descarta a substituição total do petróleo ainda que as barreiras aos biocombustíveis fossem levantadas. “Não haveria condição de produzir tanto nem se plantasse cana-de-açúcar em toda a Amazônia”, acredita.

“(A troca) levaria a uma mudança estratégica em que as Forças Armadas deixariam de ser ponta de lança da política externa dos EUA”, arrisca o brigadeiro Delano Teixeira Menezes, diretor da Escola Superior de Guerra em Brasília. Já o Brasil, compara, não costuma usar suas Forças Armadas como ferramenta de pressão internacional. Por aqui, a adoção de combustíveis “limpos” teria mais impacto econômico. “Estamos nos antecipando a um futuro próximo, em que teremos vantagem pela forte produção agrícola”, antevê o analista. 

De qualquer forma, no Brasil existem projetos para a aviação desde o início dos anos 1980. Além de experimentos com bioquerosene, a Aeronáutica desenvolve um inédito motor flex para aviões, turbina exclusiva para etanol e ainda uma opção impulsionada por oxigênio líquido. Ter jogo de cintura é preciso.
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domingo, 29 de julho de 2012

Lula vai à guerra para defender legado


Um ano e meio após descer a rampa do Palácio do Planalto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda tem uma obsessão: provar que o mensalão foi "uma farsa" montada para apeá-lo do poder. Até agora, não conseguiu. Mesmo depois de eleger a desconhecida Dilma Rousseff como sucessora, Lula trava uma guerra para defender seu legado. Sem nunca dizer quem o traiu, ele comprou brigas e perdeu batalhas. Nos últimos meses, seus movimentos foram criticados nos bastidores até por réus do PT no processo, que temem uma resposta dura do Supremo Tribunal Federal (STF) às pressões políticas.
Lula comprou brigas e perdeu batalhas mas não disse quem o traiu - Dida Sampaio/AE
Dida Sampaio/AE
Lula comprou brigas e perdeu batalhas mas não disse quem o traiu
"A CPI foi uma burrada", afirmou o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, em recente conversa com amigos. Antes defensor da estratégia traçada por Lula para estimular a criação da CPI do Cachoeira, e fulminar adversários, o mais conhecido réu do mensalão já admite que o plano deu errado por criar um clima de hostilidade prejudicial ao julgamento do Supremo.
Lula, porém, não compartilha da mesma opinião. Em reunião com petistas, na semana passada, o ex-presidente avaliou que, apesar dos percalços, a CPI conseguiu reunir munição contra rivais e apontar a ligação do contraventor Carlos Cachoeira com o PSDB do governador de Goiás, Marconi Perillo.
O plano do PT, no entanto, era muito mais ambicioso. Na tentativa de desconstruir a denúncia de corrupção produzida pelo Ministério Público e desqualificar seus algozes, petistas tinham como alvos preferenciais na CPI o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, o ministro Gilmar Mendes, do STF, e setores da imprensa.
Em abril, Lula foi ao encontro de Mendes no escritório do advogado Nelson Jobim, ex-ministro da Defesa, em Brasília. Segundo o juiz, o ex-presidente queria adiar o julgamento do mensalão - definido como "inconveniente", às vésperas das eleições - e, em troca do "favor", ofereceu proteção a ele na CPI. Na conversa, Lula teria citado uma viagem a Berlim, na qual Mendes se encontrou com Demóstenes Torres, cassado depois pelo Senado por envolvimento com Cachoeira.
"Fiquei perplexo com o comportamento e as insinuações despropositadas do presidente Lula", disse o ministro do Supremo. "Foi um papelão o que Gilmar Mendes fez", retrucou o ex-presidente, negando que tenha tentado manipular a CPI para salvar os réus do PT. "Meu sentimento é de indignação."
A avaliação dominante no partido é que Lula caiu numa "armadilha" e acabou contribuindo para acirrar os ânimos perto do julgamento do mensalão. Antes da polêmica reunião, ele mantinha bom relacionamento com Mendes, que foi advogado-geral da União no governo de Fernando Henrique Cardoso e é muito próximo de José Serra, candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo.
Erros. Quando era presidente, Lula convidou Mendes, algumas vezes, para jantar no Palácio da Alvorada. Guiomar, mulher do ministro do STF, ficou amiga da primeira dama Marisa Letícia. O voto dele a favor de Dirceu era considerado "provável" por petistas. Hoje, ninguém no PT se arrisca nessa direção.
Lula costuma socializar os erros, como fez recentemente, após aparecer ao lado do deputado Paulo Maluf (PP-SP), novo aliado do candidato do PT à Prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad. "Nós já fizemos aquela c... da foto com Maluf", desabafou ele, de acordo com relato de dois interlocutores. No caso do empurrão dado para a abertura da CPI, no entanto, Lula não teme o efeito bumerangue, embora a comissão tenha sido instalada contra a vontade de Dilma. Após o tratamento de cinco meses para combater um câncer na laringe, o ex-presidente patrocinou várias outras articulações para livrar o PT e seu governo do carimbo da corrupção.
"Nunca houve campanha mais infame contra um partido como a que foi feita contra o PT em 2005", insiste ele. "Eu não fiquei com raiva nem ódio de ninguém, mas quero ser julgado pelo que fiz, e não pelo que não fiz. O que queriam naquela época era o impeachment do Lula", disse Delúbio Soares, o ex-tesoureiro do PT saudado por militantes aos gritos de "Delúbio, guerreiro do povo brasileiro", na última terça-feira.
Único expulso do PT após o escândalo - e reintegrado no ano passado -, Delúbio sempre foi o homem da confiança do ex-presidente. Dirigente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) antes de cuidar do caixa petista, ele entrou na Executiva Nacional do partido puxado por Lula, nos anos 1990. Em 2002, deixou de disputar uma vaga na Câmara dos Deputados porque o então candidato não quis liberá-lo da tarefa de arrecadar recursos para a campanha. Até hoje os dois são amigos.
O PT soube manter um discurso afinado para blindar Lula na maior crise enfrentada pelo partido e pelo governo. "A questão é que o Lula não era identificado como responsável pelo mensalão", diz o cientista político Vitor Marchetti, da Universidade Federal do ABC. "Habilidoso, ele conseguiu se distanciar do escândalo, afastando a percepção de que tenha participado desse esquema."
Na prática, Lula saiu ainda mais forte da crise do mensalão. Além de se reeleger em 2006 com quase 61% dos votos, conseguiu fazer Dilma sua sucessora, embora ela nunca tivesse sido candidata antes. O ex-presidente terminou o segundo mandato com 87% de aprovação pessoal, segundo levantamento da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), em parceria com o Instituto Sensus.

Dilma se blinda para evitar que julgamento espirre em seu governo


Vera Rosa, de O Estado de S.Paulo
Preocupada com o potencial de desgaste que o julgamento do mensalão pode causar a seu governo, a presidente Dilma Rousseff deverá fazer de tudo para manter o Palácio do Planalto longe dos holofotes do Supremo Tribunal Federal (STF). Apesar de torcer para que os réus do PT sejam absolvidos, sob o argumento de que uma punição representaria a condenação moral da Era Lula e acabaria se voltando contra ela e o seu partido nas eleições municipais, Dilma baixou a lei do silêncio.
Presidente baixou no Planalto uma lei do silêncio sobre o caso - Reuters
Reuters
Presidente baixou no Planalto uma lei do silêncio sobre o caso
A ordem é blindar o Planalto do impacto do julgamento, que vai pôr o PT e o governo Lula no banco dos réus. Na tentativa de mostrar que sua gestão não será contaminada pelas ruidosas sessões do Supremo, Dilma preparou um pacote de estímulo aos investimentos, a ser lançado em várias etapas, entre agosto e setembro. A "agenda do desenvolvimento" terá medidas populares, como a desoneração de impostos para a redução do custo da tarifa de energia elétrica.
Na semana passada, a presidente quis saber de auxiliares se a repercussão do julgamento do mensalão ocuparia o espaço nobre da imprensa nos próximos meses. Diante da resposta positiva, não escondeu a contrariedade.
Em conversas privadas, Dilma avalia que a denúncia da Procuradoria-Geral da República não fica de pé porque não há provas da compra de votos em troca do apoio parlamentar no Congresso na administração de seu padrinho político, Luiz Inácio Lula da Silva.
O caso que mais a sensibiliza na Ação Penal 470 – um calhamaço com 50 mil páginas, 38 réus e 600 testemunhas – é o do ex-deputado José Genoino. Presidente do PT à época do escândalo de corrupção, Genoino é atualmente assessor do Ministério da Defesa e Dilma já o chamou várias vezes ao Palácio da Alvorada para trocar impressões sobre os rumos do governo.
Alívio. A presidente gostaria de reabilitar Genoino na bancada do PT na Câmara, da qual ele é suplente. Não quer, no entanto, que José Dirceu, seu antecessor na Casa Civil, retorne ao comando do PT, embora deseje que ele seja inocentado. O ex-ministro é descrito na denúncia do Ministério Público como "chefe da quadrilha".
Dilma disse ter ficado aliviada ao saber que só terá de indicar o substituto de Cezar Peluso, ministro do STF que se aposenta em setembro, após o veredicto sobre o mensalão. Tem pavor de que suas ações sejam interpretadas como ajuda a réus do PT.
Amigos da presidente garantem que, embora esteja próxima de forças opostas a Dirceu no mosaico ideológico do petismo, ela jamais entrará em confronto com Lula nem trabalhará pela "faxina" no PT, mesmo de olho no projeto da reeleição, em 2014. Além disso, Lula só concordará em disputar novamente o Planalto contra o PSDB se ela não quiser concorrer a um segundo mandato, hipótese hoje improvável.
Cara nova. Herdeira do pós-mensalão, cristã nova no partido e caloura em eleições, Dilma só chegou à ribalta após a sucessão de crises que dizimou a cúpula petista e abateu candidatos "naturais" à cadeira de Lula, como Dirceu, o todo-poderoso chefe da Casa Civil entre 2003 e 2005, e Antônio Palocci, à época titular da Fazenda.
Então ministra das Minas e Energia, a ex-guerrilheira furou a fila no PT e foi chamada por Lula para substituir Dirceu no período de ruína. Em reuniões que vararam a madrugada no Planalto, Dilma foi uma das integrantes do "núcleo duro" que mais o ajudaram na estratégia de proteção do governo.
Desde que foi eleita presidente, no entanto, ela se distanciou de Dirceu e desenhou uma nova geografia de poder. Sem trânsito no PT, Dilma constituiu um grupo formado por ministros do partido que, em sua maioria, não são ligados a Dirceu, como José Eduardo Cardozo (Justiça), Aloizio Mercadante (Educação), Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Paulo Bernardo (Comunicações), além de Fernando Pimentel (Desenvolvimento), seu amigo de adolescência.
Escudeiros. Foi o próprio Lula quem a orientou a escalar um time de conselheiros políticos. "Monte sua equipe de confiança. Você vai precisar", disse o presidente à afilhada, em mais de uma ocasião. Apesar da fria relação com Dirceu – que a chamou de "companheira de armas e de lutas" ao passar o bastão para ela, em 2005 –, a presidente convidou o ex-ministro, em maio, para a cerimônia de instalação da Comissão da Verdade, que vai investigar violações de direitos humanos cometidos durante a ditadura militar (1964-1985). Ele ficou radiante.
"Acho Dirceu uma pessoa injustiçada", afirmou Dilma, quando ainda comandava a Casa Civil. "Não tenho conhecimento de que ele tenha beneficiado instituição financeira no tocante a crédito consignado." As declarações estão no processo do mensalão.
A principal interlocutora de Dirceu no Planalto, hoje, é a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti. É ela quem o informa sobre o andamento da CPI do Cachoeira, as pressões de aliados por cargos e as preocupações palacianas. O governo e a cúpula do PT temem que o julgamento do mensalão, agora, prejudique campanhas prioritárias, como a de Fernando Haddad, em São Paulo, e a de Patrus Ananias, em Belo Horizonte.
"Haverá interferência na eleição, qualquer que seja o resultado, e a decisão tanto pode atingir o PT como a oposição", comentou o advogado Sigmaringa Seixas, ex-deputado do PT. "Alguém pode conceber um julgamento durante o dia e o programa eleitoral à noite? Isso é um absurdo", criticou ele. Dilma, porém, não vai mexer nesse vespeiro.

Estelionato no congresso


Polícia Legislativa investiga quadrilha de golpistas que se passam por assessores e parentes para arrancar passagens aéreas e até dinheiro dos parlamentares

Izabelle Torres
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A troca de favores e outras práticas corporativistas arraigadas na rotina do Congresso Nacional transformaram deputados federais em alvos de estelionatários. Desde o início de julho, a Polícia Legislativa investiga uma quadrilha que se especializou em enganar parlamentares para obter dinheiro e bilhetes aéreos, fazendo-se passar por assessores ou parentes. O golpe funcionaria da seguinte maneira: o estelionatário telefona para o gabinete de um determinado deputado e diz que foi orientado a lhe pedir ajuda em nome de outro parlamentar. Para ganhar a confiança do interlocutor, o criminoso cita nomes de funcionários que trabalham com o parlamentar. Acostumados a atender pleitos de colegas, os parlamentares acham normal o teor do pedido e, quase sempre, autorizam a liberação de cotas da verba indenizatória e de passagens.
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ALERTAS
A vice-presidente da Câmara, Rose de Freitas, mandou ofício alertando sobre os
golpes. Os deputados Renan Filho (abaixo) e Devanir Ribeiro escaparam da cilada
Investigações preliminares indicam que, no último mês, ao menos seis deputados fizeram transferências bancárias para contas dos golpistas. Mas ainda não há um número exato do total de vítimas, pois os próprios parlamentares se negam a admitir terem caído no golpe. Dentre os que quase foram iludidos estão os deputados Paulo Piau (PMDB-MG), Íris de Araújo (PMDB-GO), Devanir Ribeiro (PT-SP), José Nunes (PSD-BA), Vanderlei Macris (PSDB-SP) e Renan Filho (PMDB-AL), que foi o primeiro a alertar sobre a nova modalidade de crime na Câmara. Dois colegas o questionaram sobre pedidos de emissão de bilhetes aéreos feitos em seu nome. “O bandido disse à deputada Íris de Araújo que eu havia lhe orientado a pedir dinheiro e passagem a ela para que ele pudesse ir de Goiânia a Maceió. Falei que não sabia do que se tratava. A partir daí, solicitei que fosse feito um comunicado alertando para essa prática”, conta.
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O pedido do deputado resultou em uma circular encaminhada pela primeira vice-presidente da Câmara, Rose de Freitas (PMDB-ES), aos gabinetes para evitar novos casos. Há um grande risco de que a Câmara vire vítima de seu próprio fisiologismo.
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Fotos: shutterstock; Leonardo Prado e Beto Oliveira/Ag. Câmara; José Cruz/ABr

sábado, 28 de julho de 2012

O julgamento do século


Depois de sete anos, o STF inicia o julgamento dos 38 réus do mensalão. Como a tendência é pela punição, o clima entre os acusados é de salve-se quem puder

Izabelle Torres e Claudio Dantas Sequeira
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HORA DA VERDADE
No plenário do STF, os 11 ministros começam a
julgar o processo do mensalão na quinta-feira 2
Nesta quinta-feira 2, após sete anos de expectativa, o Supremo Tribunal Federal dará início ao julgamento mais emblemático da história política do País. Durante esse tempo, o processo que apura a denúncia do esquema de compra de apoio parlamentar pelo PT ganhou volume e substância. Nas suas mais de 50 mil páginas, há centenas de relatórios de diligências feitas pela Polícia Federal e o Ministério Público, além dos depoimentos de 394 testemunhas. Os 38 réus, agora na iminência de serem sentenciados e acuados pela crescente pressão da opinião pública, demonstraram nos últimos dias que o instinto de sobrevivência já fala mais alto. Em vez do discurso afinado, quase corporativo, que adotavam no início da ação, os acusados passam a trocar acusações às vésperas do julgamento. As estratégias de defesa definitivamente mudaram. A regra que os advogados devem adotar no tribunal é a do cada um por si. 

Apesar dos discursos públicos de confiança na absolvição, os principais réus do processo revelam um estado de ânimo bem diferente em conversas particulares. Há um desânimo generalizado entre eles, decorrente da sensação real de que o espaço para a impunidade está cada vez menor e que o julgamento terá, de fato, consequências. O ex-ministro José Dirceu é um exemplo notório desse pessimismo. Apontado pelo Ministério Público como o “chefe da quadrilha”, Dirceu entrou em profunda depressão, segundo colaboradores próximos e ex-colegas de governo. Ele se tornou a síntese da fragmentação petista. Em conversas com amigos e empresários, Dirceu não esconde sua apreensão. Tem o semblante cansado e mantém o olhar distante. Em nada faz lembrar o confiante ministro que ditava as ordens na antessala da Presidência da República. Dirceu acha que será condenado e até preso. Acredita que sua sentença será usada para atender aos anseios da opinião pública. “Serei um símbolo desse julgamento”, reclamou com amigos. No decorrer do processo, o ex-ministro da Casa Civil esperava a solidariedade de parte dos réus, especialmente dos integrantes do chamado núcleo político do esquema. Sua defesa alegará que, depois de ter virado ministro, ele afastou-se da gestão do PT e, portanto, não tem responsabilidade por eventuais desvios do partido. Mas Dirceu não espera mais que esta tese seja endossada pelo ex-tesoureiro Delúbio Soares e peloex-presidente da legenda, José Genoíno. Ele sabe que no PT suas alegações acabaram entendidas como uma tentativa de jogar toda a culpa pela montagem e operação do esquema no colo dos colegas e ex-dirigentes do partido. Se até alguns meses atrás tudo levava a crer que os réus iam para o STF com um discurso afinado, o que se observa agora é um cenário de divergências internas que pode resultar numa guerra de versões, conforme apurou ISTOÉ em conversas com advogados, réus e ministros do Supremo.

Segundo um dos ministros do Supremo, “houve notáveis mudanças de argumentos” ao longo do processo. Em sua defesa inicial e nos depoimentos que prestou à Justiça, Delúbio chegou a bancar a tese de que a ideia de fazer caixa 2 para ajudar aliados partiu exclusivamente dele. A versão consta das alegações finais de outros réus, como Anderson Adauto, José Genoíno e do próprio José Dirceu. Mas os advogados de Delúbio concluíram, nos últimos dias, que assumir a culpa não seria a melhor saída, pois sempre se soube que dentro do próprio PT havia uma rígida hierarquia. “Ninguém tomaria uma decisão importante, como a de levantar recursos financeiros, sem autorização de cima”, diz um militante ligado a Delúbio. Para se livrar da condenação por formação de quadrilha e corrupção ativa, cuja pena máxima é de 15 anos de cadeia, o ex-tesoureiro vai argumentar que houve apenas caixa 2. Ou seja, o dinheiro distribuído pelo publicitário Marcos Valério a políticos de diferentes legendas não seria para comprar apoio dentro do Congresso, mas apenas para quitar dívidas eleitorais. “Delúbio é o símbolo da solidariedade e do sangue vermelho. Mas não há provas de que houve compra de votos”, afirma seu advogado Sebastião Ferreira Leite.

A defesa de Delúbio, portanto, se chocará com os argumentos de Dirceu. O ex-ministro, por sua vez, transfere para o ex-deputado José Genoíno a responsabilidade pelas decisões partidárias. Para se defender, Genoíno dirá que, em 2002, quando o crime supostamente ocorreu, estava em campanha para o governo de São Paulo, o que teria lhe afastado das atividades partidárias. A versão de Genoíno devolve a responsabilidade para Delúbio Soares, que, segundo o ex-deputado, tinha total autonomia sobre as contas da legenda. “Em 2007, Genoino foi acusado nove vezes do crime de peculato, foi absolvido em todas. Ele estava em campanha, ora!”, diz o advogado Luiz Fernando Pacheco.

As divergências e transferências de responsabilidades entre as defesas não se restringirão ao núcleo político dos réus. O advogado do publicitário Duda Mendonça sugere que o empresário Marcos Valério, pivô do esquema, teria feito várias remessas para o exterior, não apenas a Duda. Embora o Ministério Público e a CPI dos Correiros não terem conseguido identificar outros pagamentos, um documento de 16 páginas, assinado pelos advogados Tales Castelo Branco e Frederico Crissiúma, que depois foram substituídos por Luciano Feldens, sustenta a versão das múltiplas remessas. Enquanto a defesa de Duda complica Marcos Valério, este, por sua vez, repassa a culpa para Delúbio. Advogado do publicitário, Marcelo Leonardo defenderá a tese de que seu cliente desconhecia os motivos dos pagamentos solicitados pelo tesoureiro do PT. Ele afirma que os empréstimos obtidos no Banco Rural e no BMG foram todos regulares e legais, conforme perícia da Polícia Federal. Esses valores saíram do banco para a conta da SMP&B e foram devidamente registrados no sistema do Banco Central – versão corroborada pela defesa do Banco Rural. Diz ainda que o dinheiro proveniente do fundo Visanet pertencia a uma empresa privada e nunca transitou em contas do Banco do Brasil. “Não há recursos públicos nos valores distribuídos por Marcos Valério a pedido do PT”, afirma.
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"DEU ERRADO"
Na sede da CUT, o ex-tesoureiro Delúbio Soares disse que a engenharia
montada para quitar dívidas do PT desmoronou. Na casa da família em
Minas Gerais, José Dirceu (abaixo) é o retrato do abatimento
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Além do jogo individualizado para salvar a própria pele, há outra peculiaridade na atitude dos réus, como já perceberam os ministros que vão julgar o caso. Tanto nas alegações finais quanto nos documentos anexados de última hora, as defesas têm insistido em uma estratégia para desmontar a acusação de formação de quadrilha, que recai sobre nove dos 38 réus. Na avaliação de um dos ministros, se a tentativa de rebater os argumentos do Ministério Público referentes a esse delito for bem sucedida, o núcleo político conseguiria blindar o PT. Isto porque seria possível alegar que, se não houve associação de pessoas para praticar o crime, não houve o mensalão. Pelo menos neste aspecto, os petistas tendem a adotar um mesmo discurso. 

Como um último recurso, as defesas de alguns dos réus vão tentar apontar supostas falhas do processo. O advogado de José Dirceu, José Luis Oliveira, alegará que as provas produzidas na fase pré-judicial, apresentadas na denúncia do procurador-geral não foram corroboradas na fase judicial. “A absoluta inexistência de provas aptas a um decreto condenatório tem como primeiro responsável o próprio Ministério Público, que nem mesmo buscou produzir uma prova válida”, diz. No Supremo, no entanto, essas explicações dificilmente serão aceitas. A maioria dos ministros está afinada com a opinião pública. Carmen Lúcia, Rosa Weber, Joaquim Barbosa e o presidente Carlos Ayres Britto têm demonstrado internamente total intolerância com a corrupção. Britto, inclusive, adotou precauções para barrar quaisquer artimanhas dos advogados para adiar o julgamento. Preparou defensores públicos, caso alguém fique sem representante legal, e fez acordo com os colegas para que questões já julgadas, como o desmembramento do processo, sejam decididas em rito sumário. 

Conforme apurou ISTOÉ, no entanto, alguns dos integrantes do Supremo vão optar por marcar posição e demonstrar que não se deixarão influenciar pelo apelo popular. Isso deve se traduzir em ponderações mais longas sobre as defesas dos réus, o que não significa relaxamento no ato de julgar. O ministro Marco Aurélio Mello é um deles. Avesso às pressões, ele vai destacar em seus votos os argumentos usados pelos advogados. Mello é um dos ministros que mais vezes falou sobre o caso, sempre ressaltando a necessidade de um julgamento imparcial e “sem atropelos”. Sob essa tese, espera-se que os votos de Cezar Peluso, Luiz Fux e Celso de Mello sejam pela absolvição de réus que tiveram mero papel coadjuvante no esquema. Mesmo assim, apenas Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, ligados ao PT, devem acatar a tese de crime eleitoral, defendida pelo PT, segundo relato de técnicos do próprio Supremo. 

Seja como for, por precaução os advogados dos 38 réus resolveram manter seus clientes longe dos holofotes. Nenhum deles deve comparecer ao Supremo até que sejam pronunciadas as sentenças. Nos últimos dias, aliás, a maioria dos réus optou pela discrição. Dirceu, depois de uma temporada na casa da mãe em Passa Quatro, em Minas Gerais, foi para São Paulo, de onde acompanhará o julgamento. Também no centro das acusações, o ex-presidente do PT José Genoíno resolveu tirar dez dias de férias, a partir da próxima semana, para acompanhar o julgamento na capital paulista. Na semana passada, Genoíno cumpriu sua rotina de trabalho normal como assessor especial do ministro da Defesa, Celso Amorim, mas acompanhou de perto todas as notícias a seu respeito. Na quinta-feira 26, reuniu-se com seu advogado Luiz Fernando Pacheco. “Genoíno ficou preocupado com as manifestações dos advogados réus ao longo da semana”, disse um amigo do petista. Marcos Valério, que mora numa mansão de muros altos em um bairro nobre de Belo Horizonte, só saiu de casa, na última semana, para ir ao escritório do sócio Rogério Toletino. 

Delúbio optou por acompanhar o julgamento do sítio da família em Goiânia. Mas, ao contrário dos outros réus, o ex-tesoureiro preferiu a exposição pública ao recolhimento. Nos últimos meses, o ex-tesoureiro fez um périplo pelo interior de Goiás e de Mato Grosso para tentar provar sua inocência durante encontros organizados pelo PT. Também fez visitas a Brasília e a São Paulo. Na terça-feira 24, Delúbio apareceu sorridente num ato em sua defesa na sede da CUT, no Setor de Diversões Sul, em Brasília. Para um auditório com mais de 70 pessoas, ele disse que a engenharia financeira que montou para quitar as dívidas do PT e dos partidos aliados desmoronou. “Deu errado, deu essa confusão toda”, disse o ex-tesoureiro. Em conversas reservadas, Delúbio afirma que espera pelo pior. “Dificilmente escaparei”, admite. 

Outro réu que preferiu manter-se em evidência nas vésperas do julgamento foi o autor das denúncias, Roberto Jefferson. Ele foi reeleito presidente do PTB na Convenção Nacional do partido, em Brasília, no último dia 19. Há duas semanas, anunciou sua internação no Hospital Samaritano, em Botafogo, no Rio de Janeiro, onde fez uma angiotomografia e cintilografia miocárdia - tomografia computadorizada de tórax e abdômen. Também comunicou que seus médicos marcaram para o sábado 28 a retirada de um tumor no pâncreas que, segundo ele, “não é câncer”. Ao contrário de Delúbio, porém, Jefferson desafia o tribunal: “Não há condição de me condenarem”. Com a palavra, o Supremo. 
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Governo pagará R$ 2,58 mi a vítimas


O valor total das indenizações foi estipulado, em 2010, pela Organização dos Estados Americanos
Brasília. O governo brasileiro anunciou ontem que depositará em juízo US$ 1,28 milhão (o equivalente a R$ 2,58 milhões) para 20 famílias de militantes mortos pela ditadura militar durante a guerrilha do Araguaia.

A Justiça Federal determinou que a busca das ossadas onde houve a guerrilha fosse retomada em 2009. Cerca de 70 militantes foram mortos FOTO: REUTERS
O objetivo do governo é cumprir parte de uma sentença de 2010 da Organização dos Estados Americanos (OEA) que condenou o Brasil.

Caberá à Justiça brasileira, antes de fazer os pagamentos, identificar quem são os herdeiros dos guerrilheiros do Araguaia que deverão ser beneficiados. "Essa decisão é uma iniciativa para demonstrar respeito ao cumprimento da sentença da Corte Interamericana", afirmou o diretor do departamento internacional da Advocacia-Geral da União (AGU), Denis de Moraes Soares.

O valor total das indenizações - estipulado pela própria corte da OEA na sentença de 2010 - deve chegar, futuramente, a aproximadamente US$ 2,5 milhões, o equivalente a mais de R$ 5 milhões.

Segundo a Advocacia-Geral da União, parte desse total já começou a ser repassado para outras 42 famílias brasileiras, herdeiras reconhecidas de guerrilheiros mortos no conflito.

Anistia
O pagamento de indenizações para familiares de guerrilheiros mortos pela ditadura no Araguaia pode ser um dos poucos pontos que o Brasil conseguirá cumprir da sentença da OEA.

Baseada, entre outros motivos, na ineficiência do governo brasileiro na localização dos restos mortais dos militantes, a decisão tem como uma de suas principais obrigações a punição judicial a agentes do aparato do Estado que participaram da morte e da ocultação dos corpos dos guerrilheiros.

Atualmente, esses agentes não podem ser punidos devido à Lei da Anistia, de 1979. Também em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu manter a validade da Lei da Anistia conforme a interpretação que já era corrente. Com isso, manteve também uma situação vivida no país há anos: a Justiça rejeita toda e qualquer tentativa de responsabilizar militares ou policiais implicados em assassinatos, sequestros e torturas nos anos da ditadura (1964-1985).

Um grupo de trabalho do governo federal foi montado e está em ação na região do Araguaia em busca dos restos dos guerrilheiros executados. Encontrá-los e reconhecê-los é outra determinação da OEA.

Guerrilha
A guerrilha do Araguaia foi o maior foco armado contra a ditadura militar. Organizada pelas lideranças do PC do B, ela ocorreu na região do sul do Estado do Pará e do hoje norte do Tocantins, entre os anos de 1972 e 1974. Cerca de 70 militantes foram mortos na região, alguns sumariamente e após se entregarem. Até hoje, só foi possível identificar duas vítimas. Um deles foi o cearense Bergson Gurjão. O paradeiro dos demais nunca foi confirmado.

Em 2009, a juíza da 1ª Vara Federal do Distrito Federal, Solange Salgado, determinou que o governo federal reiniciasse as buscas na região. Em dois anos, o grupo encontrou dez ossadas.

Encontrar e reconhecer ossadas dos brasileiros mortos durante a guerrilha é outra determinação feita pela OEA

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Da tradição à cultura pop: Londres abre Olimpíadas com sons e cores


Festa criada pelo diretor de cinema Danny Boyle privilegia a música britânica, abre espaço para o humor e emociona com Paul McCartney

Por GLOBOESPORTE.COMLondres
Fogos da cerimônia, Londres (Foto: Agência Reuters)Fogos explodem no céu de Londres: começam
as Olimpíadas (Foto: Agência Reuters)
Londres, tão cosmopolita, com gente de tantas cores, tantos pensamentos sobre tudo, tantas crenças e descrenças, soube ser aquele mosaico que ela própria é, e que as próprias Olimpíadas são, na cerimônia de abertura dos Jogos de 2012. Da arte mais erudita à cultura mais pop, da maior sobriedade à extravagância mais gritante, do drama ao humor, uma festa de quase quatro horas deu boas-vindas ao mundo nesta sexta-feira, no Estádio Olímpico. A apresentação do ex-Beatle Paul McCartney e o acendimento da tocha por um grupo de sete jovens atletas britânicos foram o ponto alto da histórica noite londrina - que também teve as expressões caricatamente britânicas de Mr. Bean como destaque.
Paul McCartney abertura olimpíadas 2012 Londres (Foto: Reuters)Paul McCartney encerra festa da abertura das Olimpíadas de Londres (Foto: Reuters)
Não foi uma cerimônia tão empolgante quanto a de Pequim 2008, mas deixou marcas. A coordenação do evento foi de Danny Boyle, cineasta responsável por filmes como "Trainspotting" e "Quem quer ser um milionário?". Ele privilegiou a música britânica, aproveitando uma frase tirada de Shakespeare, sobre a "ilha de sons" que receberá as Olimpíadas. A festa teve de tudo: da Rainha Elizabeth II a Harry Potter; de James Bond aos maiores grupos de rock da história.
E, acima de tudo, teve Paul McCartney. Ele fechou a festa. Emocionou com duas músicas: "Hey Jude" e "The End". A segunda deixa uma mensagem de paz ao dizer que, no final das contas, o amor que você recebe é o mesmo que você cativa.
De Shakespeare a Mr. Bean
Cerimônia de abertura, Rowan Atkinson, mr bean (Foto: Agência AFP)Mr. Bean é uma das atrações da abertura dos 
Jogos Olímpicos (Foto: Agência AFP)
Foi uma mistura. De certa forma, William Shakespeare dividiu palco com Mr. Bean. J.K. Rowling, a escritora de Harry Potter, esteve acompanhada por Bond, James Bond. Beatles, Stones, Queen, The Who, Eric Clapton, Amy Winehouse: chegou a ser sacanagem... Londres fez questão de lembrar ao mundo, e talvez a si própria, o quão gigantesco é seu rastro cultural, quanta história ela tem para contar - e quanta história já contou. Boa parte da cerimônia de abertura foi mais musical, literária e política do que esportiva, como que a sublinhar que as Olimpíadas vão muito além do esporte.
Houve momentos de risos e momentos de emoção. Antes mesmo das 17h, atores já interagiam com animais no palco, diante da representação de uma Inglaterra campestre, bucólica. Mas os tempos mudaram, e o centro do Estádio Olímpico também. Conforme o cenário se modificava radicalmente, trocando o verde pelo cinza, as personagens migravam do campo para a cidade. Era a Revolução Industrial, uma marca da Inglaterra. Chaminés surgiram no meio do palco. Tudo virou uma enorme fábrica.
Ator Kenneth Branagh atua na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos (Foto: Agência Reuters)Ator Kenneth Branagh atua e declama texto de
William Shakespeare (Foto: Agência Reuters)
E uma fábrica que também cria aros. Aros olímpicos. A construção de um deles foi simulada ali mesmo, por operários, enquanto os outros desciam do céu, onde logo se encontrariam para formar o símbolo que dizia ao mundo: começaram as Olimpíadas.
Corais infantis homenagearam os países da Grã-Bretanha, cada qual em algum ponto de Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. Foram lembrados esportes expressivos de cada uma das nações. Em seguida, o ator Kenneth Branagh foi a palco para representar Shakespeare. "Não tenham medo; é uma ilha cheia de sons", declamou ele, fazendo referência à obra "A Tempestade", tema da abertura.
Foi o início do desfile cultural dos londrinos. E das risadas, já que o humor britânico não falha. A literatura não ficou restrita a Shakespeare. Textos infantis célebres foram lembrados. Rowling declamou trechos de Peter Pan, enquanto crianças, no palco, fugiam de monstros. Daniel Craig reencarnou James Bond para, em um vídeo, buscar a Rainha Elizabeth II no Palácio de Buckingham. Foi simulada a ida deles de helicóptero até o estádio - e o melhor: um salto de paraquedas na direção da festa. Em seguida, a Rainha (a verdadeira, não a atriz) apareceu e foi aplaudida pelo público.
A trilha sonora do filme "Carruagens de Fogo", de 1981, de enredo olímpico, parecia direcionada a ser um momento emotivo. Não era. Do nada, surgiu Mr. Bean, o sujeito atrapalhado que o ator Rowan Atkinson tornou famoso mundo afora. Ele tocou piano, sempre na mesma nota, acompanhando a música, com cara de tédio. Pegou o celular para fazer fotos. E adormeceu. Acabou sonhando que estava em uma corrida. E que conseguia vencê-la - trapaceando, claro.
Cerimônia de abertura, Londres, Beatles (Foto: Getty Images)Revoluções culturais são lembradas na abertura das Olimpíadas (Foto: Getty Images)
Uma forte sequência musical agitou o estádio. O pop e o rock britânicos foram lembrados com alguns de seus principais clássicos: "My Generation", do The Who, "Bohemian Rapsody", do Queen, e "Starman", de David Bowie, serviram como parte da trilha sonora. A mudança de ritmos ao longo dos anos foi mostrada na apresentação, que também lembrou a revolução tecnológica que acompanhou as transformações culturais, com a internet alavancando a era da conectividade.
A empolgação foi cortada para um momento de reflexão, de lembrança aos mortos. Emeli Sande cantou a música "Abide With Me", composta por Henry Fancis Lyte em 1847. Ele morreu três semanas depois de finalizá-la. A canção virou um hino para os britânicos. E foi a senha para, em seguida, começar o desfile das delegações.
Brasil muito aplaudido
Delegação do Brasil em Londres (Foto: Agência AFP)Com Rodrigo Pessoa à frente, delegação brasileira desfila (Foto: Agência AFP)
A primeira delegação a passar diante do público foi a Grécia. É uma tradição dos Jogos, já que o país é o berço da disputa. Depois, foi respeitada a ordem alfabética. O Brasil foi o 28º a entrar. E foi muito aplaudido.

Com o cavaleiro Rodrigo Pessoa como porta-bandeira, os atletas foram saudados pela presidente Dilma Rousseff. Eles chamaram a atenção do público pela roupa nada discreta: calça verde para os homens, saias ou verdes, ou amarelas para as mulheres. Os jogadores do time masculino de basquete pareciam particularmente eufóricos. Afinal, o Brasil esteve fora das Olimpíadas por 16 anos na modalidade.
Usain Bolt, Deleção da Jamaica (Foto: Agência Reuters)Usain Bolt com bandera da Jamaica
(Foto: Agência Reuters)
Diferentes nações, diferentes culturas, passaram diante dos olhos do mundo. O judoca Josateki Naulu, de Fiji, carregou a bandeira sem camisa, munido de um colar típico do país.

Usain Bolt, o homem mais veloz do mundo, capitaneou a delegação da Jamaica. A cada passo, foi alvo de incontáveis flashes. Sorridente, dançou ao ritmo da música que tocava de fundo. Foi rápido até ali: chegou a ficar alguns metros à frente dos compatriotas que o seguiam. Maria Sharapova, tenista russa, causou sensação parecida nos presentes. Os Estados Unidos também causaram impacto.
Mas a maior emoção foi com a passagem dos atletas britânicos. Ao som de "Heroes", de David Bowie, eles foram ovacionados por 80 mil pessoas, enquanto eram cobertos por 7 bilhões de pedaços de papel picado.
Paul McCartney e Muhammad Ali. E a tocha...
Mas a maior expectativa era pelos shows. E por Paul McCartney em especial. O clima beatlemaníaco já foi animado com a banda "Arctic Monkeys", que apresentou a música "Come Togheter", um dos grandes clássicos do grupo de Liverpool. Entre um show e outro, aconteceram os discursos oficiais, incluindo a declaração de abertura, de parte da Rainha.

Antes de Paul subir ao palco, ocorreu o hasteamento da bandeira olímpica (carregada por Marina Silva, ao lado de outras sete personalidades políticas, e levada às mãos de Muhammad Ali) e o acendimento da tocha. Ela chegou de lancha, com David Beckham, e depois foi carregada por outros atletas até as mãos de sete promessas do esporte britânico. Foram eles que acenderam uma estrutura, como se fosse uma flor com pétalas em chamas, que depois se ergueu no centro do gramado.
E veio a vez de Paul. Ele começou a apresentação com "The End". Depois, cantou "Hey Jude", quando o relógio já marcava quase quatro horas de festa. O estádio se emocionou. E os atletas dançaram, cantaram, brincaram, cobertos pela luz saída da tocha. Se houve um momento para cair a ficha de que eles estão nas Olimpíadas de Londres, foi aquele.
Pira Olímpica abertura olimpíadas londres 2012 (Foto: Reuters)Tocha Olímpica é acesa no EsTádio Olímpico de Londres (Foto: Reuters)