No banco, recolheram US$5 milhões em espécie. Eram para despesas (US$500 mil por dia) da viagem que o presidente Hugo Chávez iniciaria naquela noite, com escalas em Moscou, Kiev, Teerã, Damasco e Trípoli.
O que aconteceu a seguir é puro mistério bolivariano. Naquele par de quadras entre o BC e Miraflores, desapareceram agentes e dinheiro - uma quantia suficiente para sustentar 1.800 famílias por um ano, considerando-se a cesta básica a US$279, como calcula o Instituto Nacional de Estatística.
Chávez mandou buscar mais US$5 milhões. E decolou a bordo do Airbus presidencial de US$70 milhões (hora de voo a US$30 mil) para dez noites no exterior acompanhado por 90 pessoas, entre seguranças, médicos e cozinheiros.
Hugo Rafael Chávez Frías, 57 anos, se tornou um governante de hábitos caros para uma nação de 27 milhões de pessoas cuja economia equivale a um quarto da brasileira, depende das exportações de petróleo, importa quase tudo que consome (85%), amarga uma inflação recorde (30% ao ano) e raciona água, energia e alimentos.
Há 12 anos no poder, ele tenta vencer um câncer e conquistar um quarto mandato, em outubro de 2012. Renova diariamente a promessa de levar os venezuelanos ao paraíso socialista - aprovou até um "Plano de Suprema Felicidade Social" - mas não consegue garantir sequer o suprimento dos mercados estatais com alimentos básicos, como óleo, carnes, farinha e leite.
No Palácio de Miraflores, em contraste, predomina a fartura: Chávez quintuplicou o orçamento do gabinete presidencial nos últimos três anos (US$794,1 milhões em 2011), calculam a Transparência Venezuela e especialistas em contas públicas, como Carlos Berrizbeitia, do partido Projeto Nacional.
A opulência dos valores orçados para os gastos presidenciais deste ano traduz o apreço de Chávez por regalias e pelas relações políticas baseadas no clientelismo. De cada US$10 do orçamento do gabinete, US$7 se destinam a projetos sociais (alimentos, bolsas de estudos e habitação) que ele conduz pessoalmente. O restante financia custosas mordomias, que incluem:
US$10,4 milhões (US$866,6 mil por mês) em despesas com festas, alimentos, bebidas e "relações sociais";
US$320,3 mil (US$26,7 mil mensais) em roupas e sapatos;
US$151 mil (US$12,5 mil ao mês) em produtos de toilette;
US$408 mil (US$34 mil mensais) em lavanderia;
US$9,5 milhões (US$791 mil por mês) em viagens externas;
US$3,2 milhões (US$266,6 mil ao mês) em manutenção de "residências".
- Chávez discursa como revolucionário socialista e gasta como rico capitalista - diz Carlos Berrizbeitia.
As contas governamentais são opacas, com uma rotina de orçamentos paralelos - constata a Transparência Venezuela. É rarefeita a informação oficial sobre a origem dos recursos orçamentários. E notavelmente escassa a prestação de contas sobre despesas - principalmente, os gastos presidenciais.
Tudo é secundário, repete Chávez: "Não importa que não tenhamos para vestir e comer, importa é salvar a revolução". Por ela, já gastou US$23 bilhões na expropriação e criação de empresas. Mas o "modelo produtivo" fracassa - e por total ineficiência, constatam os economistas Richard Obuchi, Anabella Abadi e Barbara Liraem no livro "Gestión en rojo" (gestão em vermelho) sobre 16 empresas "socializadas".
Dependência cada vez maior de importações dos EUA
Relatam o caso da Venirauto, criada por Venezuela e Irã em 2006 para montar carros populares. Poderia fabricar 10 mil por ano, mas só conseguiu montar 2.017 veículos em cinco anos. Já a Rialca, que produzia 30 mil rodas de alumínio por semana, está paralisada desde a expropriação em 2008. Há pouco ganhou novo projeto: vai virar camelódromo. A Los Andes era a maior em leite e derivados até ser estatizada. Agora opera a 20% da capacidade, e o país sofre escassez de leite e derivados. Esse "modelo produtivo" exige subsídios crescentes. A Sucre trabalha com custo de US$1 por quilo e vende açúcar aos mercados estatais a US$0,25. O Tesouro banca a diferença de US$0,75. Nas cidades há racionamento.
Ironia da história: na crise, a Venezuela de Chávez está cada vez mais dependente dos EUA. Em 2010, comprou do país US$26 bilhões, grande parte em alimentos. As compras devem aumentar em 20%.
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