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terça-feira, 6 de setembro de 2011

Mancha negra nos capacetes azuis

As imagens são fortes. Gravadas por um celular e difundidas na internet, elas mostram o suposto abuso sexual de um jovem haitiano de 18 anos por capacetes azuis uruguaios da ONU. O jovem, com as calças abaixadas, é mantido de bruços, imobilizado por dois soldados que seguram seus braços, enquanto um terceiro, sem camisa, se ajoelha, entre risos quase generalizados. Apenas Johnny Jean, o adolescente, não ri. O vídeo, que adiciona uma nova mancha à imagem da missão de paz da ONU no Haiti, a Minustah, provocou a demissão do chefe do batalhão uruguaio e promete dificultar ainda mais a relação entre haitianos e capacetes azuis - responsáveis por introduzir o vibrião do cólera no país em 2010, causando um surto da doença que matou mais de 6 mil pessoas. O episódio também deve aumentar a oposição à presença das tropas pelo presidente Michel Martelly, que defendeu a retirada das forças durante sua campanha.

- Condenamos esses atos que revoltam a consciência do nosso país, e esperamos um relatório estabelecendo os fatos exatos e as circunstâncias - afirmou Martelly, enquanto um comunicado emitido pela Presidência haitiana falou em "estupro coletivo" do adolescente.
Em Porto-Salut, cidade costeira onde ocorreu o episódio, moradores já pediam a retirada do batalhão, que abriga 900 soldados. Enquanto isso, a ONU e os governos do Uruguai e do Haiti lançaram investigações independentes. Até agora, uma enquete preliminar das Nações Unidas qualificou o episódio de "brincadeira pesada", mas não encontrou provas de abuso sexual contra os quatro militares. Mas os fuzileiros navais romperam as regras ao levarem um civil a seus dormitórios, e foram enviados de volta para casa. O ministro uruguaio da Defesa, Eleuterio Huidobro, no entanto, qualificou os atos cometidos pelos soldados no vídeo de "aberrantes". Informado das acusações, o presidente José Mujica ordenou que uma denúncia criminal seja apresentada à Justiça uruguaia.

Exame comprova agressão, diz juiz
Por sua vez, o juiz haitiano Paul Tarte, responsável pela investigação do caso, afirmou que "um certificado médico revelou ferimentos inequívocos no adolescente".
- Nós recolhemos os relatos da vítima e de sua mãe, e nós vimos as imagens da cena que aconteceu na base de soldados uruguaios - afirmou o juiz, anunciando também a investigação de casos de relações sexuais entre soldados e adolescentes haitianas, que acabaram engravidando.
Numa rádio de Les Cayes, no sul do Haiti, o adolescente afirmou que o episódio ocorreu em 28 de julho.
- Dois soldados me seguraram, e dois outros me estupraram. Eles me bateram várias vezes. Depois, os soldados tentaram negociar com minha mãe para esconder o crime, mas ela alertou as autoridades e entrou com um processo - afirmou Johnny.
O general brasileiro Luiz Eduardo Ramos Pereira, comandante da Minustah, também condenou a ação.
- Os militares não apenas voltaram para o Uruguai como serão julgados pela Justiça uruguaia - afirmou o general Ramos. - Não importa se toda a cena foi bravata, se o estupro aconteceu ou não. O episódio foi lamentável, injustificável. Nós temos tolerância zero com este tipo de comportamento, que arrisca a reputação e o trabalho honesto e corajoso de quase nove mil militares no Haiti.
A ONU, que tem um histórico de violações envolvendo suas missões de paz, garantiu punir os envolvidos caso o crime seja confirmado. Porém, a imunidade com a qual os capacetes azuis contam pode dificultar qualquer medida. Mas uma decisão judicial sem precedentes da Holanda este ano contra a atuação de três membros da missão de paz em Srebrenica, na Bósnia, em 1995, pode ser o primeiro passo para acabar com a impunidade.
- Nós levamos essas acusações de forma muito séria - disse um porta-voz das Nações Unidas no Haiti. - Se os fatos forem verdadeiros, os autores serão levados à Justiça. As Nações Unidas pregam a tolerância zero quando se trata de abuso sexual.
Em 2004, um relatório interno da organização, vazado à imprensa, dava conta de 68 supostos casos de estupro, prostituição e pedofilia por capacetes azuis da ONU na missão de paz do Congo. Segundo o documento, "a exploração sexual e abuso, particularmente a prostituição de menores, são generalizados e de longa data. Além disso, todos os principais batalhões estão aparentemente implicados".
Já na Bósnia, após a guerra nos anos 90, a americana Kathryn Bolkovac, que integrava a força de polícia da ONU, acusou a missão de paz no país de encobertar um esquema de tráfico de mulheres e prostituição. Mais recentemente, os capacetes azuis foram alvo de acusação de abusos sexuais na Costa do Marfim.

"Imunidade encoraja abusos"
Agora, o incidente no Haiti deve aprofundar o ressentimento dos haitianos com as tropas da ONU, no país há mais de sete anos marcados por uma série de abusos.
"Não há uma razão legítima para uma missão militar da ONU no Haiti", afirma Mark Weisbrot, codiretor do Centro de Pesquisa Econômica e Política em Washington, em seu blog. "O país não está em guerra civil, nem sujeito a um acordo pós-conflito. E o fato de as tropas da ONU serem imunes a ações legais no Haiti encoraja abusos."

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