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segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Cuidado, carro oficial!

Era mais uma quinta-feira de trânsito caótico nas vias próximas à Esplanada, dia em que as autoridades se apressam para deixar Brasília rumo a seus estados de origem. Às 18h30 de 7 de outubro de 2010, o motorista do carro oficial da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República fez um "gato", nas proximidades do Ministério do Trabalho, para encurtar o percurso e fugir do congestionamento. Trafegando na contramão, o veículo que transportava a ex-ministra Nilcéia Freire bateu na moto de Ricardo Alexandre Monteiro, 25 anos, causando dupla fratura de fêmur do piloto e a morte de sua noiva, Fabíola Reis Carigé, na época com 19 anos, que estava na garupa. Depois do acidente, o motorista foi cedido para o Ministério da Agricultura, sem sofrer qualquer tipo de punição. A fatalidade é o extremo de uma situação corriqueira no coração do poder: o império da impunidade no trânsito, quando as infrações são cometidas por veículos oficiais.

A cultura dos privilégios concede aos carros oficiais o que os especialistas chamam de "consignação de prioridade", condição não formalmente prevista na legislação, mas consolidada na experiência do dia a dia. Há dois anos, os veículos enquadrados nessa categoria nem sequer recebiam multas de trânsito quando flagrados em situação irregular. Dados da execução financeira dos Três Poderes mostram que o montante pago em multas cresceu 90% de 2010 para este ano, depois da formalização do sistema que vincula as placas oficiais ao número do Renavam dos carros, para penalizar os motoristas infratores. Em 2011, a União desembolsou R$ 2,59 milhões em multas, relativas a veículos oficiais e de serviço em todo o país. A capital federal, por abrigar a cúpula do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, protagoniza as principais histórias de maus exemplos do poder público no trânsito. Só este ano, a Polícia Militar do Distrito Federal atendeu a 180 ocorrências de acidentes de trânsito envolvendo carros oficiais. O número corresponde a 22 colisões por mês — uma por dia útil.
Amparados pelo "suposto foro privilegiado" que a placa oficial ou as inscrições institucionais garantem aos veículos, os condutores não se inibem nem mesmo com a presença da fiscalização, conta um agente de trânsito que pediu para ter o nome preservado. "Um veículo com a placa apagada passou em altíssima velocidade pela nossa viatura. Fomos atrás e, quando fizemos a abordagem, descobrimos se tratar de um carro oficial. Era uma Palio Weekend. Ao verificar a placa, descobrimos que ela estava ilegível não pelo desgaste natural do tempo, mas porque havia sido raspada para evitar multas."

Falta transparência
A sensação de impunidade dos envolvidos nas infrações de trânsito com carros oficiais é inversamente proporcional à transparência que os órgãos responsáveis dispensam ao tema. As informações que poderiam mostrar como dirige o poder público são guardadas em uma caixa-preta. Desde maio, o Correio pediu, por meio de requerimento de informação encaminhado por um parlamentar e solicitações formais da reportagem, o número de infrações cometidas por veículos da categoria oficial. O Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e o Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) se recusaram a fornecer os dados. O Denatran, que administra o Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset), transferiu ao Detran a responsabilidade pelas informações e o órgão do DF nem sequer respondeu à demanda.
Apesar das negativas das autoridades, o Correio teve acesso aos números das placas, ao Renavam e aos chassis dos carros oficiais em uso por Presidência, Câmara e Senado, e consultou o histórico de infrações dos veículos. O levantamento dos automóveis do Congresso revela que a imprudência dos condutores ocorre nos veículos que transportam autoridades e repete-se nos automóveis de serviço. Dos 120 carros do Senado que estão em circulação, 45 têm histórico de recorrentes infrações de trânsito. Um dos carros oficiais da Casa, um Fiat Marea placa JFP 3615, recebeu quatro notificações de infração em um período de dois meses. Um carro da Câmara registrado com a placa JFP 2611 acumula 31 multas no histórico, com média de uma infração por mês. Em muitos casos, os automóveis são flagrados mais de uma vez em irregularidades e as notificações apresentam valores cumulativos, como é o caso dos ônibus da Câmara e do Senado que foram multados este ano em R$ 638,47 e R$ 574,2, respectivamente.

Salário descontado
Quando um carro oficial é multado, o motorista tem o salário descontado no valor da punição. Funcionários do Senado ouvidos pelo Correio contam que, na maioria dos casos, as infrações são cometidas a pedido das autoridades que estão sendo conduzidas. "Se chegar na garagem argumentando: "O senador mandou correr", o chefe diz: "Não tenho nada com isso". Quando o motorista é servidor da Casa e o senador manda passar um sinal vermelho, por exemplo, o funcionário tem coragem de perguntar: "O senhor vai pagar a multa?"", relata um servidor do Senado.

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