A crise entre a Colômbia e a Venezuela atravessou fronteiras, pelo menos em seu front verbal, respingando ontem no Brasil. Horas antes de a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) se reunir em Quito para discutir a ruptura das relações entre os dois países, o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, criticou as declarações da véspera do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, classificando-as de deploráveis.
Segundo um comunicado da Presidência da Colômbia, Lula trata o conflito como se fosse um embate pessoal e ignora a ameaça que representa a presença de guerrilheiros colombianos em território venezuelano.
O presidente Lula preferiu não comentar o comunicado, e o governo não soube informar se ele manterá a presença no jantar de despedida de Uribe, que deixa o cargo no dia 7. Na verdade, fontes em Brasília disseram não saber se Lula ainda está convidado para o evento. Até anteontem, a ida do presidente brasileiro estava confirmada.
Na quarta-feira, após um encontro em Brasília com o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, Lula disse não ver um confronto entre Colômbia e Venezuela, apenas um conflito verbal, e pediu paciência até a posse do presidente eleito da Colômbia, Juan Manuel Santos.
O governo brasileiro se surpreendeu com a dureza da resposta colombiana.
O presidente da República deplora que o presidente Lula se refira à nossa situação com a Venezuela como se fosse um caso de assuntos pessoais, ignorando a ameaça que para a Colômbia e o continente representa a presença dos terroristas das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) nesse país, afirma a nota de Uribe. Lula desconhece nosso esforço para buscar soluções através do diálogo.
Repetimos que a única solução que a Colômbia aceita é que não se permita a presença dos terroristas das Farc e do ELN (Exército de Libertação Nacional) em território venezuelano. Para baixar o tom, Brasília evitou retrucar. Entre auxiliares houve o reconhecimento de que Lula errou ao desmerecer o tamanho da crise entre Colômbia e Venezuela.
O presidente Lula já tomou conhecimento dessas declarações (de Uribe) e não considera apropriado que se responda a esse comunicado disse o portavoz da Presidência, Marcelo Baumbach. O presidente já declarou que lamenta a situação que se criou entre a Colômbia e a Venezuela. Ele acredita que a estabilidade das relações entre esses dois países amigos é fundamental para a tranquilidade na região.
Caracas rompeu relações com Bogotá na semana passada, depois de ser acusada na OEA de tolerar a presença da guerrilha em seu território.
Segundo o governo colombiano, há 1.500 guerrilheiros das Farc e do ELN em 87 acampamentos na Venezuela. As autoridades colombianas apresentaram fotos, imagens de satélite e coordenadas que comprovariam a existência desses acampamentos. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, rejeita as acusações e pôs em alerta as Forças Armadas, na pior crise entre os dois países em mais de duas décadas.
Lula havia reiterado a intenção de mediar o diálogo e a esperança de que a reunião da Unasul ajudasse a resolver o confronto.
Chanceler venezuelano critica doutrina de guerra
Ao comentar as críticas de especialistas de que Lula perde credibilidade na intermediação do conflito por ser mais próximo a Chávez do que do conservador Uribe, Baumbach minimizou a informação: O presidente já manifestou estar disposto a conversar com todas as partes, independentemente de qualquer outra consideração.
O presidente acredita que só o diálogo entre as partes e a boa vontade é que vão levar à superação desse problema.
Baumbach não soube dizer se Lula manterá a disposição de participar de um jantar de despedida de Uribe, dia 6. Lula planejava visitar a Venezuela e depois seguir para o jantar de Uribe e a posse de Santos, no dia seguinte.
Em Quito, o assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia também tentou minimizar a crise com Uribe.
Não é esse o sentimento do presidente Lula. O presidente tem outra percepção do problema. Não é o momento de ficar trocando declarações públicas ponderou.
A reunião dos 12 países-membros da Unasul terminou sem um consenso, com os participantes pedindo que seja realizada uma cúpula de chefes de Estado para discutir o assunto o mais rapidamente possível. O clima que antecedeu o encontro não era dos melhores, com a presença de apenas oito chanceleres já que alguns governos enviaram seus vice-chanceleres ou embaixadores.
O Brasil foi representado pelo número dois do Itamaraty, o embaixador Antonio Patriota.
O próprio secretário-geral da Unasul, o expresidente argentino Néstor Kirchner, não assistiu à reunião.
Esse foi o primeiro encontro dos dois governos desde a ruptura, com o chanceler colombiano, Jaime Bermúdez, e o venezuelano, Nicolás Maduro, sentando-se a três cadeiras de distância um do outro. Ao chegar a Quito, Bermúdez disse não ter maiores expectativas. Já Maduro acusou a Colômbia de manter uma doutrina de guerra e de ser uma ameaça aos vizinhos.
Viemos denunciar o governo da Colômbia por ter uma doutrina de guerra e violadora do direito internacional afirmou Maduro, negando a presença da guerrilha em seu país. Viemos propor um conjunto de ideias para que seja retomado o caminho da paz, dado que a última guerra de nosso continente é na Colômbia.
Para a reunião a portas fechadas, Bermúdez levou provas da presença da guerrilha na Venezuela, desejando que a denúncia seja investigada.
Para analistas internacionais, é pouco provável que Colômbia e Venezuela cheguem a um conflito armado. As relações entre Bogotá e Caracas, que passaram por altos e baixos nos últimos anos, estavam congeladas desde que a Colômbia assinou um acordo com os Estados Unidos permitindo o uso de algumas de suas bases militares.
Em Recife, militantes do Movimento dos Sem Terra que ocupam o Incra deixaram temporariamente a sede do instituto para fazer um protesto a favor da Venezuela e contra os EUA. Com apitos, cartazes e carros de som, eles ocuparam a rua onde fica o Consulado dos EUA, queimaram a bandeira americana e atiraram lixo no prédio da representação diplomática.
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