O Brasil é hoje o maior importador de armamentos da França -mesmo antes da definição do governo sobre a compra dos caças franceses Rafale-, segundo relatório divulgado anteontem pelo Ministério da Defesa francês.
Os números mostram pela primeira vez o impacto da aliança diplomática e militar firmada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu colega francês, Nicolas Sarkozy, nos últimos anos.
Os contratos assinados entre os dois países entre 2005 e 2009 já somam 5,5 bilhões (R$ 12,8 bilhões).
Com isso, entre os anos de 2008 e 2009, o Brasil passou do nono para o primeiro lugar do ranking mundial de importadores- batendo parceiros históricos da França, como Arábia Saudita e Índia.
As importações brasileiras de armas da França saltaram de 101 milhões, em 2005, para 3,8 bilhões, em 2009, salto de 3.700%.
O relatório francês revela que a predominância do Brasil se deu graças sobretudo à aquisição de submarinos do tipo Scopèrne.
À ESPERA DOS CAÇAS
A parceria já vinha sendo delineada sob o governo Jacques Chirac (2006).
Mas chegou ao seu auge em 2009, quando o francês visitou o Brasil e selou contratos para a venda de quatro submarinos convencionais, por 415 milhões cada, e a montagem de uma embarcação com reator nuclear brasileiro ( 2 bilhões).
Também foi fechado um contrato de 1,8 bilhão para a aquisição de 50 helicópteros EC-725 de transporte.
A França aposta, agora, na decisão do governo brasileiro para fechar o primeiro contrato de exportação dos caças franceses Rafale, produzidos pela Dassault.
Estão na disputa também modelos de EUA e Suécia, mas o Ministério da Defesa brasileiro defende o acordo com os franceses para dar prosseguimento à parceria estratégica.
A decisão final é do presidente Lula, que, segundo o ministro Nelson Jobim (Defesa), irá tomá-la com seu sucessor, após novembro.
O Ministério do Desenvolvimento do Brasil não divulga valores de importação de armas estratégicas.
As compras de armas comuns (fuzis, bombas e artilharia) feitas pelo Brasil de diversos parceiros subiram de R$ 8,5 milhões em 2005 para R$ 46 milhões em 2009, um aumento de 440%.
A conta exclui equipamentos pesado, como submarinos e aviões.
O relatório mostra ainda que a França exportou, em 2009, 7,2% dos armamentos no mundo, somando 8,6 bilhões. Ficou atrás dos EUA, responsáveis por 52% das exportações mundiais, do Reino Unido, com 13,4%, e da Rússia, com 8,4%.
ANÁLISE
Política e comércio orientam aproximação dos dois países
A aproximação entre Brasília e Paris, que rendeu o maior acordo militar da história brasileira no ano passado, obedece a duas lógicas.
Primeiro, a política. O governo Lula aprofundou uma tradição diplomática de mirar a independência possível da influência americana.
Como não tem como competir militarmente com a única superpotência do planeta, o caminho foi buscar parceria que lhe fornecesse tecnologia para exercer um mínimo de soberania no futuro.
Não que isso signifique que tenha parado de comprar dos americanos, de quem adquiriu dez helicópteros de transporte Black Hawk. Ou dos russos, de quem comprou 12 helicópteros de ataque, ou dos alemães, fornecedores de tanques usados. E, principalmente, da indústria nacional -Embraer, Avibrás e empresas de munição à frente.
Mas o filé financeiro e tecnológico atualmente é francês. O acordo militar do ano passado, de R$ 22,5 bilhões, foi unitariamente dos maiores do mundo, ainda que não signifique mais que umas duas semanas de gasto militar americano.
O país europeu possui uma tradição de dominar o ciclo completo de sua indústria bélica, e o Brasil sonha com algo parecido. Para críticos, o modelo é ineficaz e caro, porque eleva custos de produção e não garante o ganho de escala.
O Brasil chegou a namorar a Rússia para o papel de fornecedora-chave, mas parou nas dúvidas sobre a capacidade pós-venda da outrora poderosa indústria bélica de Moscou e na sutil insinuação americana de que preferia ver um aliado ocidental como alternativa a si.
Como o Brasil deve aumentar sua carteira de compras francesas com a aquisição de cerca de R$ 10 bilhões em caças Rafale, surge outro problema: a dependência de um mesmo fornecedor.
O argumento a favor é que isso garantiria vantagens, como transferência tecnológica total. Um dos fatores que mais pesa contra o jato americano F-18 na disputa para ser o novo caça do Brasil é o histórico de vetos americanos depois de as vendas serem efetuadas.
Contra, além do já referido custo, o fato de que nada garante que os ventos políticos mudem no futuro. A França já deixou Israel na mão para não melindrar os petroárabes nos anos 70.
Mas aí entra a segunda consideração, de ordem comercial. Se há riscos políticos, a França conta com o mercado brasileiro e de outros emergentes para manter sua posição de destaque como exportadora bélica.
Se perder o contrato aqui e um ainda maior em curso na Índia, por exemplo, a francesa Dassault verá o virtual naufrágio do programa de vendas internacionais do Rafale -um avião que não emplacou em nenhuma concorrência externa, diferentemente do seu antecessor bem-sucedido, o Mirage.
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