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domingo, 24 de outubro de 2010

Pelé: O Rei aos 70

Saber onde ele está, hoje em dia, é difícil. Ele vem aqui, corta o cabelo no Didi e some. Eu pergunto dele, e nem o Didi sabe mais. No ano passado, ele convidou o ataque inteiro – eu, Dorval, Mengálvio, Coutinho – para um churrasco na casa dele do Guarujá. O ataque inteiro do Santos. Gostaria de encontrá-lo mais, ainda mais nesta semana, em que está completando 70 anos. Afinal, poucas pessoas conhecem Pelé melhor do que eu. Fui até padrinho do primeiro casamento do Rei, com a Rose. Ele é um afilhado 100%. Eis algumas histórias pouco conhecidas sobre ele.
Quando Valdemar de Brito chegou com Pelé ao Santos, eu já jogava no time profissional havia mais de um ano. Eu o vi treinar e logo levei fé. Então montaram um time misto que foi fazer um amistoso contra o Santo André, no ABC paulista. O jogo acabou 7 a 1. Quatro do Negão. E ele tinha 15 anos! Foi só o começo das minhas histórias com ele.
Chile 1964
Estávamos em uma excursão e ele estava tocando violão no hotel. Ele só ficava no quarto e não podia sair, porque, caso ousasse, era tumulto certo. Mas ele ficava entediado de ficar só trancado dentro dos hotéis. O Santos, naquela época, jogava vários campeonatos e ficava muito tempo fora, principalmente no Chile. Eu e Coutinho morríamos de pena dele e resolvemos armar um plano para tirá-lo do hotel. Eu chamava o Negão de “Júlio”, porque ele era ótimo jogando no gol e o Noroeste, naquela época, tinha um goleiro chamado Julião. Aí eu falei: “Ô, Júlio, vamos ao cinema”. Eu e Coutinho armamos tudo. Em frente ao hotel tinha um cinema. Compramos as entradas e esperamos a sessão começar para ele entrar só quando estivesse tudo escuro, para que ninguém o reconhecesse. Chegamos, ele sentou e ninguém viu. Passou um tempo, chega um cara e senta ao lado dele. O cara reconhece o Pelé e não dá um minuto de sossego. Liga um gravador que estava no bolso e começa a perguntar várias coisas a ele. Uma entrevista interminável. Ele ficou com muita raiva. Voltou para o hotel e não saiu mais do quarto. Santos década de 60
Estávamos na concentração do Santos. Eu e ele no quarto. Eu acordo de madrugada, viro para o lado e ele está lá fazendo polichinelos (um tipo de movimento de ginástica). Dormindo! Ele estava dormindo, sonhando e fazendo polichinelo! No outro dia tinha Santos x Corinthians. Pensei: “Coitado do Corinthians. Se ele já está assim dormindo, imagina acordado. Ele vai arrebentar com o Corinthians.” Fim de jogo. Santos 3, Corinthians 1. Preciso dizer quem marcou os três?
Trinidad e Tobago 1971
Fomos jogar por lá. Eu já tinha parado de jogar e era técnico do Santos. Estádio superlotado. Muito modesto, não cabia mais ninguém. O jogo era às 8 da noite, mas às 9 da manhã já estava cheio. Ele era a atração do jogo. Todo mundo lá para ver o Negão. O jogo começou, aquela correria. Aos 43 minutos, Edu cruza e ele resolve marcar um gol de cabeça. Para quê. A torcida invadiu o campo e acabou o jogo. Isso mesmo! O jogo acabou aos 43 do primeiro tempo. Nunca ouvi falar nisso. O povo colocou o Pelé nas costas e saiu com ele pela cidade. Ele ficou preocupadíssimo. Não sabia para onde o estavam levando. Estava morrendo de medo de acontecer alguma coisa. Podia aparecer um maluco ali no meio. E aí? Só largaram o Negão no centro da cidade. Paraguai década de 70
Essa história eu não presenciei, me contaram tempos depois. Na época em que jogava no Cosmos, dos Estados Unidos, ele estava viajando e fez uma escala em Assunção. Estava muito cansado, pois voltava de Nova York. A aeromoça pediu que todos desembarcassem do avião, para que a limpeza pudesse ser feita. Ele a chamou num cantinho e pediu que o deixasse ficar ali. Explicou que não gostava de privilégios, mas que se saísse seria um tumulto e ele não teria sossego. Estava exausto e queria permanecer no avião. A moça não deixou. Insistiu que todos tinham de descer. Ele ficou com raiva. Quando olhou para o banco da frente, tinha um cara debaixo de uma coberta, num assento da primeira fila. Ele virou-se para a aeromoça e disse: “Pô, eu não posso, mas aquele cara pode ficar aqui dormindo?”. Ela respondeu: “É que morto não anda”. O homem tinha morrido a bordo. O Negão tinha pavor de gente morta. Isso o convenceu instantaneamente a deixar o avião.

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