O que mais chamou a atenção no primeiro debate do segundo turno foi a mudança de atitude da candidata Dilma Rousseff, que atuou como se estivesse atrás nas pesquisas eleitorais, como se estivesse perdendo a eleição. Foi de uma agressividade nunca vista antes nesta campanha, gastou toda a munição que tinha logo no primeiro debate, fez todas as acusações possíveis contra o PSDB.
Levou para o debate todas as denúncias que apareceram nos últimos anos: privatizações, comparações com o governo de Fernando Henrique Cardoso, acusou a campanha de Serra de estar se utilizando de métodos da baixa política para espalhar boatos a seu respeito através da internet.
Uma tática arriscada que pode não dar bom resultado junto à média do eleitorado, embora tenha passado uma imagem de decisão para sua militância interna e para o seu eleitorado, e pelas análises petistas essa nova atitude vai animar a campanha, levantando o ânimo de quem estava abalado — inclusive a própria Dilma — pela frustração de não ter conseguido faturar a eleição já no primeiro turno.
Foi claramente uma estratégia de marketing orquestrada por João Santana, com a intenção de cortar todos os boatos que estão atrapalhando sua campanha, culpar o adversário pelo que considera calúnias que estão sendo espalhadas pela rede de computadores, e sair como se estivesse defendendo a sua honra, como vítima de uma armação política do “baixo mundo”, como classificou.
Para o candidato José Serra havia uma dificuldade adicional: ele não poderia ser agressivo, nem mesmo em resposta a uma acusação, pois enfrentava uma mulher.
O grande problema de Dilma Rousseff em relação à questão do aborto é que ela realmente se declarou a favor da descriminação em entrevistas, inclusive gravadas, cujos filmes estão no YouTube.
Ontem mesmo o arcebispo de João Pessoa, Dom Aldo Pagotto, colocou no ar uma declaração de 15 minutos em que pede que os católicos não votem na candidata do PT.
O arcebispo acusa até mesmo o presidente Lula de ter tentado enganar os bispos reunidos na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), enviando uma carta de próprio punho na qual se comprometia a não apoiar qualquer medida a favor da descriminação do aborto e, meses depois, enviar ao Congresso um projeto nesse sentido.
Mesmo que pessoalmente a candidata Dilma Rousseff se declare agora contra o aborto e a favor da vida, restaria, além da sua própria incoerência, a posição oficial do PT, que até mesmo puniu em 2008 os deputados petistas Luiz Bassuma e Henrique Afonso, acusados de terem ferido a ética do partido, após se oporem à aprovação de um projeto de lei que legalizaria o aborto.
O episódio é lembrado pelo arcebispo na sua declaração no YouTube como demonstração de que o partido tem na descriminação do aborto um projeto prioritário.
Aliás, esse mal-estar já havia surgido na mais recente visita do Papa Bento XVI ao Brasil, quando o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, teve a infelicidade de defender um plebiscito sobre a descriminação do aborto justamente na véspera de sua chegada ao país.
Já na ocasião a oposição tomou para si a bandeira contrária e obrigou o presidente Lula a se manifestar formalmente sobre o tema.
Dizendo-se contra o aborto como cidadão e católico, mas como político admitindo discutir “uma questão de saúde pública”, Lula tentava não ter que assumir posição num debate polêmico.
O governador do Rio, Sérgio Cabral, do mesmo PMDB que Temporão, defendera o aborto dentro de uma discussão mais ampla sobre violência urbana.
Na ocasião, a direção nacional do PMDB desautorizou a posição de dois de seus mais eminentes filiados.
Mas mesmo que o assunto mais palpitante da noite tenha sido o bate-boca em torno de temas como o aborto, o debate da Bandeirantes proporcionou bons momentos para que os dois candidatos abordassem temas que mais diretamente dizem respeito ao cotidiano dos eleitores: infraestrutura, educação, saúde.
O aborto não pode se transformar na grande questão nacional, porque ele não tem essa prioridade toda, embora seja um tema que envolve paixões e crenças em todos os países em que é discutido, especialmente em sociedades como a brasileira, que é muito religiosa e conservadora.
Além do mais, a pesquisa do Datafolha mostrou que o debate sobre o aborto não teve tanta importância na perda de pontos da candidata oficial na reta final da eleição, corroborando as análises do cientista político Cesar Romero Jacob, da PUC do Rio, registradas aqui no fim de semana.
O que pesou mais na mudança de votos dos que saíram da Dilma e foram para Serra ou Marina, ou mesmo continuam indecisos, foram as denúncias de corrupção na gestão da ex-ministra Erenice Guerra no Gabinete Civil.
E o que pode atingir Dilma é o fato de querer dissimular sua verdadeira posição.
Na verdade, o que está afetando o eleitor é a discussão de valores morais e éticos, uma questão básica na campanha política. No mensalão em 2005 aconteceu assim, no episódio dos “aloprados” de 2006 a mesma coisa, e nesta eleição a tendência tem sido a mesma.
Toda vez que esses valores são desrespeitados pelo governo, o eleitorado reage e rejeita.
Na coluna de domingo afirmei, equivocadamente, que o Partido Verde só elegera Alfredo Sirkis deputado federal no Rio, quando na verdade outro candidato, o dr. Aloisio, ex-candidato a prefeito de Macaé, foi o mais votado do partido com 95 mil votos.
Nacionalmente, o PV elegera 13 deputados federais em 2006 e agora elegeu 15. No Rio, havia elegido um estadual e um federal em 2006, e passaram a ser dois de cada este ano.
Nacionalmente, os 34 deputados estaduais em 2006 passaram para 37. Houve, segundo Sirkis, “um modesto progresso”.
Segundo ele, o PV acompanhou precariamente a performance de Marina, da mesma forma que o PT acompanhou apenas precariamente a de Lula em 1989.Merval Pereira
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