Na esteira de uma campanha marcada pela mistificação e pelo escapismo, a candidata governista chega ao final da eleição presidencial em vantagem significativa nas pesquisas de intenção de voto. É o sucesso de um discurso enganoso que passa solenemente ao largo de questões fundamentais que o país terá de enfrentar nos próximos anos. O eleitor vem sendo conclamado a escolher entre “o Brasil que dava errado e o Brasil que está dando certo” e a eleger “a presidente que não vai deixar privatizar a Petrobras nem o pré-sal”.
“O Brasil que está dando certo” não sabe bem como é mesmo que vai continuar financiando a gigantesca farra fiscal instaurada no segundo mandato do presidente Lula. Ou pior, acha que sabe. Aposta em poder dar sobrevida ilimitada ao fabuloso esquema de expansão de crédito subs i d i a d o b a n c a d o p o r emissão de dívida pública, montado no BNDES. Confia na elevação sem fim da carga tributária para fazer face à expansão descontrolada de gastos.
E espera poder continuar recorrendo impunemente a artifícios contábeis de todo tipo, para escamotear a gritante deterioração das contas públicas.
Sempre tendo o cuidado, claro, de não informar o eleitorado de qualquer uma dessas apostas.
“O Brasil que está dando certo” tem taxa de juros absurdamente alta e taxa de câmbio em preocupante apreciação, mas já não tem plano de jogo coerente para lidar com tais problemas.
É um país onde o ministro da Fazenda se vangloria de contar “com armas de grosso calibre” para combater a apreciação e brada aos quatro ventos que “essa história de que ajuste fiscal vai baixar os juros é um equívoco”. E onde as pressões em favor da redução da taxa de juros vêm perdendo força. Parte do empresariado já não se preocupa com a taxa de juros e com a sobrecarga que a política fiscal expansionista impõe à política monetária. Prefere frequentar os guichês de favores do BNDES, sem se dar conta de que a expansão do crédito subsidiado bancado por emissão de dívida pública vem tornando cada vez mais remota a possibilidade de uma queda estrutural da taxa de juros.
“ O B r a s i l q u e e s t á dando certo” é um país onde o governo impõe uma carga tributária mais alta do que a de qualquer outra economia em desenvolvimento, mas gasta quase tudo em dispêndios correntes. Só consegue investir pouco mais de 1% do PIB. E, ainda assim, prefere, devido a razões ideológicas, concentrar seu parco orçamento de investimento em áreas nas quais o setor privado está interessado em investir. O país continua exibindo carências vergonhosas em saneamento básico, transporte de massa, saúde, segurança e educação. Mas é em setores como petróleo e energia elétrica que o governo quer investir. Basta comparar os quase R$ 300 bilhões de dinheiro público já destinados ao BNDES e à Petrobras, desde de 2008, com os totais de R$ 18 bilhões e R$ 34 bilhões que a candidata governista promete gastar ao longo dos próximos quatro anos em transporte público e saneamento básico.
“O Brasil que está dando certo” é, portanto, um país que aprendeu pouco nos últimos 40 anos. Ainda insiste em despejar recursos públicos em investimentos no setor produtivo. E, como no regime militar, está de novo pronto a perder a oportunidade de ampliar rapidamente o acesso da população a condições decentes de educação, saúde, segurança e infraestrutura urbana.
Há poucos dias houve quem afirmasse que a eleição de Dilma Rousseff era a garantia de que os recursos do pré-sal seriam destinados à educação.
Ledo engano. O que a candidata governista tem em mente é dilapidação de boa parte do excedente potencial do pré-sal num faustoso programa de subsídio à produção nacional de equipamentos para a indústria petrolífera. Se a candidata tiver o sucesso que espera nessa empreitada, vai sobrar bem menos do que se imagina para educação e outros destinos mais nobres. Numa triste reedição do nacional-desenvolvimentismo geiselista.
O Brasil vai custar a dar certo se, ao arrepio das lições da história, teimar em insistir no que deu errado, de fato, no seu conturbado passado. Escapismo e mistificação num país que pouco aprendeu nos últimos 40 anos
ROGÉRIO FURQUIM WERNECK é economista e professor da PUC-Rio.
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