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sexta-feira, 4 de março de 2011

Medido estresse de militares no Haiti

Reconstruir um país destroçado por décadas de ditaduras e guerras civis é um teste para os nervos de qualquer um. Que o digam os militares da missão de paz criada pelo Conselho de Segurança da ONU, em operação no Haiti há quase sete anos. O trabalho de pacificação, desde o início sob o comando brasileiro, é complexo e pode afetar a saúde mental dos seus participantes, provocando depressão ou, entre testemunhas dos rotineiros casos de violência, sintomas de estresse pós-traumático. Estes riscos motivaram três institutos - Fiocruz, UFRJ e o Instituto de Pesquisas da Capacitação Física do Exército - a avaliar o estresse de cerca de 600 praças e oficiais enviados à América Central. Os resultados foram melhores do que o esperado, embora revelem que, agora, alguns voluntários são mais vulneráveis a emoções fortes do que antes da viagem.
Um dos pilares da pesquisa foi a análise do cortisol, o hormônio do estresse. A coleta de saliva, necessária para esta avaliação, foi realizada antes e após a passagem pelo Haiti, que durou seis meses. Os voluntários também responderam a perguntas sobre sua personalidade, situação financeira e histórico de traumas - casos de violência por que passou ou testemunhou.
Dos militares participantes de um dos estudos, apenas um deles foi diagnosticado com sintomas de estresse pós-traumático. Em situações de confronto, essa média histórica, de acordo com levantamentos ingleses, costuma chegar a 5%. Houve, no entanto, episódios em que ela foi quatro vezes maior.
De acordo com o psicólogo Wanderson Souza, do Grupo de Pesquisa de Transtornos Relacionados a Estresse da UFRJ, o que mais perturbava os militares não era o risco de vida ou um combate armado, mas as saudades da família e assistir às dificuldades dos haitianos.
- O caráter humanitário de uma missão de paz permite ao soldado dar um caráter lógico ao seu estresse: ele sabe por que está naquele local e qual é o seu papel. Na guerra, muitas vezes isso não acontece - explica. - Além disso, o contingente, por ser do Brasil, não se assusta tanto com as condições de miséria encontradas. É um choque muito menor do que o registrado, por exemplo, por uma tropa holandesa.
O tenente-coronel Moacyr Alcoforado, que serviu em um dos contingentes estudados, lembra ter encontrado o Haiti em condições muito precárias, mas, em certos aspectos, muito semelhante ao "que pode ser visto em grandes centros aqui no Brasil":
- Vimos corpos, provenientes de brigas entre facções locais, que permaneciam nas ruas misturados ao lixo por muito tempo. A população havia se acostumado com tal situação. Nós estávamos preparados para enfrentar essa situação.
A visão humanitária de Alcoforado pode tê-lo ajudado a passar pela missão sem maiores distúrbios. A ligação entre o nível de envolvimento com a assistência à população e o estresse foi estudado pela biomédica Nastassja Fischer, pesquisadora do Instituto Carlos Chagas Filho, da UFRJ.
Os soldados que participaram de seu levantamento faziam, pela manhã, a medição de dois hormônios antagônicos - o cortisol e o DHEA.
- Os entrevistados com maior nível de cortisol eram aqueles com menor capacidade de resistir a seus problemas - ressalta. - Quanto maior a sua visão humanitária, maior era a secreção do DHEA, o hormônio "antiestresse".
No entanto, mesmo nos militares que melhor respondiam a situações exaustivas, o estresse instala-se quase em caráter permanente - ao menos enquanto dura a missão.
- É natural que a resposta hormonal diminua durante a missão. Trata-se de uma adaptação do corpo à exposição constante ao trauma - pondera Ana Carolina Ferraz Mendonça, neurofisiologista da UFRJ. - Agora, o estresse deixa de ser contínuo e torna-se novamente pontual. O entrevistado, então, terá maior sensibilidade e reagirá com mais intensidade à tensão.
Com os novos conceitos de estresse e vulnerabilidade, o grupo espera desenvolver novos treinamentos para o Exército, aumentando a resistência dos soldados à missão.

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