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domingo, 12 de fevereiro de 2012

Greves acuam o Estado e põem em xeque o papel das polícias

Brasília - A possibilidade de alastramento pelo país das greves de policiais, hoje restritas à Bahia e ao Rio de Janeiro, expõe uma crise ins­titucio­­nal na segurança pública brasileira. Mais profundo que a questão salarial, há um dilema sobre o pa­­pel da autoridade policial no Es­­tado.

Concebidas como instrumentos de repressão, as polícias Civil e Militar têm sido cada vez mais cobradas para exercer um papel de agentes de cidadania – mas não recebem contrapartidas à altura dessa demanda. Ao mesmo tempo, o poder público (especialmente os estados) não tem condições orçamentárias para atender plenamente às reivindicações nem a projetos de curto prazo para amenizar a insatisfação, o que aumenta a tensão entre os dois lados.

No PR, semana será decisiva para definir se policiais vão parar

Estas segunda e terça-feiras serão dias decisivos para a possível realização de greves das polícias Civil e Militar no Paraná. As duas categorias esperam por uma contraproposta salarial do governo do estado, em uma negociação que se arrasta desde o ano passado. Ambas reivindicam reajustes superiores a 100% do piso pago atualmente e querem receber por subsídio (regime que unifica as gratificações utilizadas atualmente).

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“A primeira dificuldade é fazer uma separação entre o que é o uso legítimo da força e o que é violência pura”, diz o sociólogo Joviniano Neto. Professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e ativista dos direitos humanos, ele tem acompanhado pessoalmente os efeitos da paralisação da Polícia Militar em Salvador. “Vivemos uma grande confusão provocada pela falta de canais de diálogo, já que a greve é um instrumento ilegal para os militares, mas ao mesmo tempo eles têm razão de pedir melhores salários.”

A paralisação baiana é uma mostra do poder de mobilização dos PMs em diferentes estados e dos riscos à sociedade de uma greve de militares. Conversas telefônicas do líder do movimento no estado, Marco Prisco, comprovaram o envolvimento de policiais no planejamento de atos de vandalismo e a participação direta de colegas do Rio de Janeiro na greve. Era o aparelho repressor voltando-se contra o próprio Estado por interesses corporativos.

Em Curitiba, outro exemplo: em janeiro, policiais civis encapuzados “estouraram” um cassino no bairro Parolin. A operação, considerada legal pelo Ministério Público, foi realizada à revelia do comando policial. Serviu como um modelo do que pode ser feito para contrariar os superiores e mostrar a insatisfação da categoria.

Raízes históricas

O atual clima de instabilidade policial não é uma novidade. Na Bahia, os PMs haviam cruzado os braços em 1991 e 2001. Além disso, dados do Departamento Inter­sindical de Estatística e Estudos Socio­eco­nômicos (Dieese) registram cerca de 350 paralisações de corporações policiais nos últimos 15 anos em todo Brasil.

Parte dos problemas é histórica. O embrião da PM brasileira é a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia do Rio de Janeiro, instalada em 1809, ainda no período colonial, por dom João VI. Em meados do século 19, surgiram os corpos policiais das províncias. Com a Proclamação da República, elas evoluíram para o atual formato das corporações, sempre militarizadas e subordinadas aos estados.

As polícias civis nasceram na mesma época, em 1809. Desde o princípio, foi estabelecida a diferença funcional entre as duas. Os civis cuidam da polícia judiciária e da apuração das infrações pe­­nais, enquanto os militares tratam da preservação da ordem pública e da vigilância ostensiva. Ainda assim, ambas sempre seguiram o conceito de proteção do Estado e da propriedade privada – e não do cidadão.

Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Segurança e Pre­ven­­ção Juvenil da Uni­­ver­sidade Federal do Espírito Santo, Marcia Rodrigues diz que a atual crise é resultado de um processo progressivo que começou ao final da ditadura militar (1964-1985). “Os problemas ficaram mais difíceis a par­­­tir dos anos 1990, quando uma polícia preparada para reprimir passou a ser exigida para o que não estava preparada, que é a promoção da cidadania”, diz a pesquisadora. Para ela, o problema é mais pro­­fundo do que a questão salarial.

Na mesma linha, o coordenador do Núcleo de Violência e Cidadania da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, José Vicente Tavares, fala em “sucessão de erros”. “Estamos falando de situações que vêm se repetindo em diferentes estados, um problema nacional. Se não for enfrentada estruturalmente, vai continuar se repetindo”, afirma o professor.

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