A discussão sobre a criação de um marco legal coloca o tema da acessibilidade em pauta e revela a dificuldade em garantir a inclusão de pessoas com deficiência. No Congresso, o tema é alvo de embates porque o texto não estaria de acordo com as diretrizes apresentadas na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, proposta pelas Nações Unidas em 2006.
Depoimento
Manoel Negraes, 32 anos, cientista social, trabalha na Mobilização Social da Unilehu – Universidade Livre para a Eficiência Humana (manoel@unilehu.org.br).
“Nem tudo é o que aparenta ser”
Entre 15 e 16 anos de idade, durante o acompanhamento oftalmológico de rotina, descobri que tenho uma doença degenerativa na retina que causa perda visual progressiva: a retinose pigmentar. Desde então, convivo com essa condição. O universo da deficiência visual é muito variado e, segundo os especialistas, é formado por 80% de pessoas com baixa visão.
Na prática, consigo ver mais aquilo que está na minha frente do que aquilo que está no chão, correndo o risco de tropeçar bastante ou até mesmo cair em um buraco. Muitas pessoas com baixa visão não aparentam ter uma perda visual, pois os olhos não apresentam deformidades, como é o meu caso, já que a degeneração ocorre nas retinas, que ficam no fundo dos olhos. Com isso, é comum a desconfiança constante das outras pessoas ao me verem andar com a bengala e, ao mesmo tempo, olhar para elas ao conversar ou desviar de objetos na rua.
Deixo aqui, para finalizar, duas reflexões: uma em relação ao preconceito. Nem tudo é o que aparenta ser. Não julgue as pessoas com deficiência antes de conhecê-las, a partir de estereótipos errôneos que infelizmente já estão cristalizados no imaginário popular. Na dúvida, pergunte, busque informação e colabore para esclarecer e eliminar atitudes preconceituosas. A outra é sobre a bengala, instrumento que, apesar de ser um estigma, me proporcionou autonomia, melhorou minha autoestima e que no dia a dia me serve como arma na guerrilha por um mundo que respeite as diferenças de cada um. Espero que todos um dia consigam enxergá-la desta forma, que todos a vejam simplesmente como mais uma característica da diversidade humana.
Teor
Pontos propostos para o Estatuto Estadual da Pessoa com Deficiência:
Saúde
- Assistência integral, universal e gratuita, transporte se necessário e fornecimento de medicamentos para tratamento ambulatorial;
- Prevenção de deficiências: realização do Teste do Pezinho, exames auditivos e visuais em recém-nascidos, e exames de acuidade visual e auditiva nos alunos das escolas públicas estaduais em todo início de ano letivo;
- Primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias.
Mercado de trabalho
- Capacitação de recursos humanos;
- Ampliação das alternativas de inserção econômica da pessoa com deficiência, proporcionando qualificação profissional e incorporação no mercado de trabalho.
Educação
- Direito de opção pela frequência às classes comuns da rede comum de ensino, assim como ao atendimento educacional especializado;
- Ensino bilíngue (com Libras) para garantir a inclusão de alunos surdos ou com deficiência auditiva.
Assistência Social
- Destinação de imóveis populares comercializados pelo Estado às pessoas com deficiência ou familiares;
- Caberá ao Poder Público fornecer atendimento em casas-lares e abrigos para as pessoas com deficiência sem residência familiar e desamparadas pelo envelhecimento;
Mobilidade e acessibilidade
- Implantação de sinalização ambiental, visual e tátil para orientação de pessoas com deficiência nas edificações de uso público, uso coletivo e uso privado;
- Estabelecimentos privados e públicos deverão manter ao menos um de seus guichês adequado à altura e condizentes às necessidades das pessoas com deficiência, que utilizam cadeiras de rodas, para que tenham um melhor contato visual e de comunicação com o funcionário.
Para participar da consulta pública acessewww.seju.pr.gov.br ou envie email paraestatutopessoacomdeficiencia@seju.pr.gov.br
O projeto de lei federal, proposto em 2000 pelo senador Paulo Paim (PT-RS), é considerado assistencialista e um dos principais pontos de discórdia é a falta de incentivo para a inclusão no mercado de trabalho. Pessoas que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) em função da deficiência, por exemplo, não podem trabalhar. O problema é que o BPC está fixado em apenas um salário mínimo e, sem a possibilidade de exercer uma atividade, não há como complementar o rendimento.
Mercado de trabalho
Outra demanda constante são cursos profissionalizantes para inserir a pessoa com deficiência no mercado de trabalho. Desde 1991, uma legislação federal estipula um porcentual de pessoas com deficiência que as empresas devem contratar, dependendo do porte e número de funcionários. Apesar disso, muitos empregadores ainda descumprem a lei, seja pela dificuldade de encontrar profissionais ou pelo desconhecimento.
Para tentar aproximar empresas e pessoas com deficiência, surgiu em 2003 a organização não governamental Universidade Livre para a Eficiência Humana (Unilehu). Desde a sua criação, a Unilehu já ajudou a formar 5 mil profissionais e encaminhou 4 mil para vagas em empresas parceiras. A presidente da instituição, Andréa Koppe, diz que os cursos ofertados são gratuitos e, além da intermediação de vagas e cursos profissionalizantes, a ONG também presta atendimento psicossocial e estimula a elevação da escolarização formal.
Na outra ponta, as empresas recebem consultoria sobre como receber e gerenciar os novos funcionários. É possível, por exemplo, a realização de palestras para sensibilizar as equipes e até cursos de Libras. “O maior entrave é a empresa entender as necessidades da pessoa com deficiência. Acessibilidade não é só arquitetônica, com a construção de rampas. Se houver acessibilidade, a deficiência tende a desaparecer”, diz Andréa.
Para a atendente Daiane de Freitas Camargo, 21 anos, o primeiro emprego, conquistado há um ano, significou a independência. “Fiquei mais comunicativa e menos tímida”, conta a jovem, que tem deficiência física. Parte do salário vai para uma poupança e o restante é investido em autoestima. Ela gosta de estar sempre bem vestida e maquiada e entre seus planos para o futuro está cursar o ensino superior. “A única dificuldade ainda é a locomoção em lugares públicos. As calçadas são esburacadas e impedem nosso acesso”.
Escola faz inclusão geral
Com um projeto voltado para a inclusão de alunos com deficiência, a Escola Ana Ferreira da Costa, em Campina Grande do Sul, ficou em terceiro lugar no prêmio Fani Lerner, realizado ano passado. A discussão começou quando a instituição começou a receber os alunos, e os professores perceberam que não tinham a capacitação necessária para um bom acolhimento.
Dois alunos surdos do ensino fundamental chegaram à escola e o professor coordenador da iniciativa, Marcos Simioni, decidiu fazer um trabalho de inclusão em todo o colégio, não apenas nas turmas onde as crianças estudavam. Uma das ideias, por exemplo, foi criar a “hora da Libra”. Todas as quartas-feiras, professores, alunos e funcionários se reuniam para aprender algo da linguagem de sinais. Os cartazes da escola também passaram a ser bilíngues.
Na sala de aula das crianças, a professora Simone Rodrigues de Freitas, especialista em Libras, fazia dois momentos de ensino, contemplando o português e a linguagem de sinais. Os docentes levavam para sala de aula materiais adaptados, como livros e jogos, que ajudavam a flexibilizar o conteúdo. Apresentações, como no Dia das Mães e dias folclóricos, também ganharam tradução em tempo real.
Convenção
Definição de pessoa com deficiência, segundo a ONU:
- São aquelas com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que podem obstruir sua participação plena na sociedade em igualdade de condições com os demais .
Princípios da Convenção :
- O respeito pela dignidade, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência;
- A não discriminação;
- A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade;
- Respeito pela diferença e aceitação dessas pessoas como parte da diversidade humana;
- A igualdade de oportunidades;
- A acessibilidade;
- A igualdade entre o homem e a mulher;
- O respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito delas de preservar sua identidade.
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