Bernardo Figueiredo gosta de viver na roça, não suporta gravatas e chegou a ser expulso da escola. Mas ele é o escolhido por Dilma para cuidar dos bilionários investimentos em rodovias e ferrovias
Marta SalomonVIDA NO CAMPO
Figueiredo gosta mesmo é de cuidar das vacas e dos cavalos de sua fazenda
Mineiro de Sete Lagoas, 62 anos, o assessor de Dilma para negócios bilionários cultiva gostos extravagantes – segundo define ele mesmo –, como torcer pelo time do Bangu, no Rio de Janeiro, e pela Portuguesa, em São Paulo, além do Cruzeiro, em Minas Gerais. Não gosta de usar gravata. “Tento não usar: me sinto mal, como se fosse ser enforcado”, explica. Só quando o protocolo exige, Figueiredo põe terno e dispensa o figurino predileto, de homem da roça, apreciador de cigarros de palha e dedicado a cuidar de vacas e cavalos na fazenda de 500 hectares (cinco quilômetros quadrados), onde mora há mais de uma década, nos arredores da capital, com a segunda mulher e parte dos sete filhos. Foi na fazenda que o novo presidente da EPL passou os quatro meses de quarentena, após ter seu nome rejeitado pelo Senado para um segundo mandato à frente da Agência Nacional de Transportes Terrestres, numa derrota imposta à presidenta Dilma Rousseff por 36 votos a 31, em março. “Fiquei quatro meses escondidinho lá”, conta. Impedido legalmente de trabalhar, ele saía da fazenda para participar dos debates do grupo encarregado de mudar o rumo do governo na área de transportes, abatida por escândalos e baixo investimento. “Foi fácil me cooptar: é um desafio”, diz o executivo.
PONTE
Responsável pela coordenação do PAC, Maurício Muniz
foi quem levou Figueiredo para trabalhar no governo
Na passagem pela Casa Civil, participou dos primeiros estudos para o embrião da Empresa de Planejamento e Logística, mas a ideia não foi adiante. “Identificada a falta de projetos e de dados, o presidente Lula pediu estudos para recriar o Geipot”, conta, lembrando da extinta Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes, criada nos anos 60 como grupo executivo e fechada no governo Fernando Henrique Cardoso. O antigo Geipot marcou o começo da carreira de Figueiredo na área de transportes. No início dos anos 70, o homem dos negócios bilionários estudava economia na Universidade de Brasília e conseguiu um estágio no Geipot. Em 1973, passou em primeiro lugar no concurso para a empresa, onde chegou a chefe de projetos. O currículo de Figueiredo registra a passagem por estatais e concessionárias de ferrovias, inclusive a América Latina Logística, uma das maiores empresas do setor. Na iniciativa privada, também dirigiu a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários, que representava interesses das concessionárias fiscalizadas depois por Bernardo Figueiredo, quando comandou a agência reguladora de transportes terrestres. “Sou um técnico que atua há 40 anos com transportes e nunca trabalhou com outra coisa”, diz, quando convidado a se autodefinir. A relação com ferrovias é anterior à carteira de trabalho. Os trilhos do trem passavam atrás da casa de Figueiredo em Sete Lagoas, a estação de trem ficava ao lado, e o apito da locomotiva marcou sua infância, antes de se mudar para Brasília.
NO COLÉGIO
Figueiredo frequentou a mesma sala de Fernando Collor (foto)
na escola pública que reunia os filhos da elite brasiliense
A relação de Figueiredo com o poder e a política é peculiar. Filho de um subprocurador da República e neto de presidente do Supremo Tribunal Federal, que renunciou ao posto em 1969, em protesto contra a ditadura, abandonou o sobrenome famoso Gonçalves de Oliveira e optou pelo Figueiredo, da mãe. No colégio, ainda era conhecido como Bernardo Gonçalves de Oliveira. Frequentou a mesma sala de Fernando Collor na escola pública que reunia os filhos da elite brasiliense. Mas sua turma era outra, mais à esquerda, que disputou e ganhou do time de Collor as eleições no Centro Integrado de Ensino Médio (Ciem). O também colega de colégio e jornalista Hélio Doyle o levaria a se filiar ao PDT, nos anos 80, e, depois, a migrar para o PT. Recentemente, Bernardo Figueiredo foi pesquisar e descobriu que não havia participado do recadastramento petista e, por isso, fora excluído da lista de filiados. “Nunca tive militância partidária”, anota. Na ANTT, acolheu, a contragosto, diretores indicados por políticos. Na montagem da equipe da EPL, tem carta branca para optar por técnicos. A estatal deve trabalhar com cerca de 150 funcionários, três vezes mais do que os 45 cargos de que dispõe atualmente.
Figueiredo chegou a ser expulso em 1968 do Ciem, com outros 31 garotos, em meio a protestos. Mas, se as agudas diferenças entre direita e esquerda o apaixonavam na época do colégio, hoje considera “tolo” o debate sobre se o governo Dilma Rousseff está ou não privatizando a economia. “Vender ativo público, como foi feito no passado, não é a mesma coisa que fazer concessão de serviços públicos, mas tudo é privatização”, fala, esquivando-se do tema. “Estamos trazendo a iniciativa privada porque a capacidade de investimento do governo não permitia que coisas fossem feitas com consistência”, resume. Para atrair investidores privados para o trem de alta velocidade – sua obsessão –, Figueiredo convenceu o governo a bancar riscos que dizem respeito ao número de passageiros. “É mais vantajoso tomar o risco e ter um preço mais barato da tarifa”, raciocina. A depender da disposição do executivo e dos planos do governo, o trem-bala será apenas o primeiro de uma série.
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