Ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski trocaram farpas sobre a necessidade de réus sem foro serem julgados na 1ª instância
Laryssa Borges
Ministro Joaquim Barbosa durante sessão que julga Ação Penal 470 - Pedro Ladeira/AFP
Sob forte pressão dos advogados dos réus, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitaram nesta quinta-feira, mais uma vez, desmembrar o processo do mensalão. Dos 11 integrantes da Corte, apenas Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello optaram pelo desmembramento, cujo pedido foi feito pelo advogado Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça do governo Lula e hoje defensor de um dos réus.
A discussão consumiu praticamente todo o primeiro dia de julgamento e já impõe revisões ao cronograma inicial de julgamento estabelecido pela Corte.
Nos debates sobre o tema, o relator do caso, Joaquim Barbosa, chegou a classificar como “deslealdade” o fato de o relator do processo, Ricardo Lewandowski, ter sugerido apenas nesta quinta-feira, em plenário, que os réus sem prerrogativa de foro fossem julgados na 1ª instância. O revisor gastou mais de uma hora para defender o desmembramento do caso, protelando o início da exposição em que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, defenderá a condenação de 36 dos 38 réus. A longa intervenção de Lewandowski atrasa toda a agenda de debates e sustentações orais do tribunal.
“Me parece até irresponsável voltar a discutir essa questão (de desmembramento). A questão está desenganadamente preclusa (ultrapassada)”, disse Barbosa. Em seguida, se dirigiu a Lewandowski para protestar: “Me causa espécie Vossa Excelência se pronunciar pelo desmembramento do processo quando poderia ter feito há seis ou oito meses”. “É deslealdade”, resumiu. Ele, em seguida, deixou temporariamente o plenário do STF.
De volta à sala de votos, o relator do caso questionou ainda as causas pelas quais Lewandowski só quis discutir a possibilidade do desmembramento do processo no dia do julgamento do mérito da ação penal. Para ele, a atitude do colega coloca em risco a própria credibilidade do tribunal, que tem em mãos desde 2006 o processo sobre o maior esquema de corrupção do governo Lula.
“Vossa Excelência é revisor há dois anos. Por que não trouxe essa questão nesses dois anos? Por que exatamente no dia marcado, longamente antecipado?”, criticou ele. “O que está em jogo é a credibilidade desse tribunal. No dia do julgamento temos toda essa teorização que coloca em jogo a credibilidade, a legitimidade desse processo que já nos deu tanto trabalho”, completou.
As duras palavras do relator foram interpretadas pelo revisor do caso como termômetro do nível de tensão a que está exposta a corte. "Isso já está prenunciando que esse julgamento será muito, muito árduo", afirmou para, em seguida, criticar o tom das críticas dirigidas a ele. "Vamos manter o debate em nível civilizado", disse. O ministro Marco Aurélio Mello ainda interveio no embate entre Barbosa e Lewandowski e fez um apelo para o fim da discussão. "Não vamos descambar para o campo pessoal", pediu.
Se o processo fosse desmembrado, deveriam permanecer processados no STF apenas os mensaleiros João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT) que, por serem deputados federais, têm direito a foro privilegiado.
No início da sessão plenária, o ex-ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que defende José Roberto Salgado, dirigiu-se aos ministros para argumentar, por exemplo, que manter todo o processo do mensalão em tramitação única no STF comprometeria o direito ao duplo grau de jurisdição. Essa prerrogativa permite a possibilidade de um réu recorrer a instâncias judiciais superiores. Como o STF é a instância final do Judiciário brasileiro, o não desmembramento do processo violaria este direito.
Prescrição - Contrário ao desmembramento do processo, o ministro Gilmar Mendes disse em plenário que, se parte dos réus fosse julgada na 1ª instância, alguns dos denunciados poderiam se livrar de condenações por conta da prescrição. Na avaliação do ministro, o foro privilegiado de três dos 38 réus permite que o STF analise os autos e consiga dar um desfecho ao caso. “Esse processo só está sendo julgado por causa do foro privilegiado. Se esse processo estivesse espalhado por aí, muito provavelmente seu destino seria a prescrição, com todo tipo de artifício e manobra que pudesse ser feita”, comentou.
A tentativa de desmembramento dos autos já havia sido apresentada, ao longo da tramitação da ação penal, pelo advogado de Marcos Valério, Marcelo Leonardo. Pela lógica do desmembramento, os três deputados federais seriam processados no Supremo, os prefeitos de Uberaba (MG), Anderson Adauto, e de Jandaia do Sul (PR), José Borba, responderiam ao processo nos Tribunais de Justiça estaduais e os outros 33 réus seriam julgados em 1ª instância.
Os pedidos de desmembramento do processo começaram a ser julgados pelos ministros em novembro de 2006. Na ocasião, houve três tipos de voto. O ministro Joaquim Barbosa, relator da ação penal, queria manter no STF apenas os processados que tinham foro privilegiado; Cármen Lúcia defendeu a manutenção no STF das investigações contra todos os denunciados, e Sepúlveda Pertence, hoje aposentado, propôs a solução de manter no Supremo os denunciados com foro privilegiado junto com os co-autores. Um mês depois, no entanto, o próprio STF reviu a decisão baseada no voto de Pertence e decidiu que todos os réus deveriam responder ao processo no Supremo.
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