Planejamento do atendimento médico do evento não foi apresentado. Inquérito aberto por promotores do Rio detalha problemas que vão do número insuficiente de vagas na rede pública à possibilidade de falta d'água em Guaratiba
Pâmela Oliveira, do Rio de Janeiro
O terreno em
Guaratiba, na Zona Oeste do Rio, que servirá ao Campus Fidei, último
evento da Jornada Mundial da Juiventude - JMJ 2013 - Lucas Landau
O documento, ao qual o site de VEJA teve acesso com exclusividade, faz um alerta sobre risco para os fiéis caso não sejam atendidas exigências ainda não providenciadas. A igreja e a Dream Factory não apresentaram – nem a autoridades nem ao público – o planejamento detalhado do atendimento médico para a JMJ. Os pontos de atenção listados pelos promotores, durante reuniões realizadas nos dias 7 e 22 de maio, vão de formalidades burocráticas, como a inexistência de documentação e licenças adequadas a empresas para atendimento de emergência, ao risco de falta d’água para os participantes da vigília, que deve varar a noite de 27 para 28 de julho, em Guaratiba.
Representantes do Grupamento de Socorro de Emergência (GSE), do Corpo de Bombeiro, participaram de reunião com organizadores da Jornada Mundial da Juventude de Madri para trocar experiências. Foi constatado que uma das dificuldades foi a falta de água potável e para uso geral. A Dream Factory admitiu, no dia 22 de maio, que “se muitos (peregrinos) chegarem mais cedo (...) não consegue garantir que a adutora vai conseguir dar conta da demanda”. A empresa acena com o plano B, que seria a contratação de caminhões pipa – o que ainda não foi confirmado.
Inundação – A Dream Factory admitiu ao MP que há risco de inundação do terreno que receberá 2 milhões de católicos para missa de encerramento, em Guaratiba. O terreno, que está sendo preparado para receber os fiéis, fica abaixo do nível do mar e próximo ao rio Piraquê. Diversos trechos do rio e dos canais estão assoreados, o que poderia facilitar a retenção de água no terreno de 3,5 milhões de metros quadrados onde ocorrerá o Campus Fidei - último e maior ato do encontro católico.
A empresa explicou, durante reunião com promotores no último dia 22, que “o terreno é ruim, muito baixo, e que o rio Piraquê na maré alta alaga os canais próximos”. Disse ainda que está sendo feita a dragagem dos canais, mas que espera uma licença ambiental para operar a draga que fará o serviço.
Saúde - A reportagem do site de VEJA solicita, há uma semana, o planejamento de saúde aos organizadores do evento. A assessoria de imprensa que atende a igreja e a Dream Factory informou que não tem como detalhar o projeto. Como já afirmou o presidente da Rio Eventos, Leonardo Maciel, órgão do município do Rio, há grande dose de “imprevisibilidade” na Jornada. Afinal, a maior parte do público estará em casas de voluntários, o transporte terrestre é predominante e, por fim, a vigília realizada na Zona Oeste tem como local um terreno ainda sem qualquer tipo de infraestrutura.
Uma das exigências do MP é quanto à documentação da empresa contratada pela Dream Factory para o atendimento em Copacabana. A empresa Resgate Plus, contratada para disponibilizar os sete postos de atendimento médico no bairro, onde será realizada a via-sacra, não tem autorização da Vigilância Sanitária Municipal. A informação foi repassada pela Secretaria Municipal de Saúde à promotora Madalena Junqueira Ayres, da 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Saúde da Capital, que instaurou o inquérito. O único documento apresentado ao MP foi Alvará de Autorização Provisório da Secretaria Municipal de Fazenda, de 15 de maio – também exigido, mas que não exime a empresa de ter registro para os serviços específicos de saúde que a empresa se propõe a explorar.
Em Copacabana, será realizado o primeiro ato oficial da jornada, na tarde do dia 25 de julho: a recepção ao papa Francisco. O bairro é o cenário, todos os anos, de uma reunião de público igual ou maior que o esperado para a JMJ, o réveillon de Copacabana. Como evento privado, no entanto, a Jornada precisa apresentar um esquema próprio de postos de atendimento.
Os promotores também fizeram um alerta para o Campus Fidei, em Guaratiba. O Ministério Público exige a contratação de uma aeronave para o resgate aéreo. O MP argumenta que o helicóptero é necessário para caso haja “um desastre com necessidade de resgate aéreo de pacientes”. Já a organização da JMJ diz que não previsão para o aluguel do helicóptero, e que a aeronave é responsabilidade do poder público. A tréplica do MP destaca que, como trata-se de um evento privado, essa responsabilidade é dos organizadores. Governo do estado e prefeitura do Rio entraram com 26 milhões de reais para a organização da jornada providenciar todos os aspectos relativos a saúde e segurança do evento.
A resposta da organização sobre os riscos para a saúde dos participantes informa que a JMJ conta com seguro para os peregrinos inscritos, mas desconsidera que muitos dos participantes não adquiriu o pacote que inclui essas garantias. “Todos os peregrinos inscritos têm seguro viagem com rede de atendimento credenciada, que inclui diversos hospitais. A JMJ terá postos médicos e ambulâncias UTI em todos os Atos Centrais de Copacabana, na rota de peregrinos e no Campus Fidei. Além disso, existem três grupos de voluntários que atuarão na equipe de saúde durante a JMJ com 250 médicos, 369 enfermeiros e 200 técnicos e auxiliares de enfermagem e socorristas”.
Para o Ministério Público, um evento que pode reunir dois milhões de pessoas não pode se fiar na rede hospitalar instalada na cidade. O risco está, principalmente, na parte mais isolada da jornada, em Guaratiba. Os promotores visitaram o Hospital Pedro II, um dos mais próximos do Campus Fidei, em Guaratiba. Segundo o MP, a unidade opera com superlotação, que não permite “atender outra demanda maior”. Durante a reunião, a Secretaria Municipal de Saúde informou que os hospitais federais da Lagoa, Ipanema e dos Servidores do Estado receberão pacientes das unidades localizadas em regiões mais próximas a Guaratiba para que leitos sejam desocupados e sirvam de retaguarda para o evento.
De acordo com o inquérito, ainda não há empresa contratada para o atendimento médico na Quinta da Boa Vista, na Zona Norte, onde haverá uma “feira vocacional” - atração que mistura áreas para confissão, lojas de produtos oficiais, apresentações musicais e até mesmo área reservada prática a de desportes radicais, entre os dias 23 e 26 de julho. Durante a reunião no MP, a organização da Jornada admitiu que o evento “ainda está sendo planejado e que não há empresa identificada para a prestação de serviços de saúde”. A previsão é que 8.000 fiéis compareçam ao local, onde o papa vai confessar cinco jovens previamente escolhidos, como representantes de cada continente.
A promotora Madalena Junqueira Ayres também cobrou da organização da JMJ o planejamento do socorro médico ao papa Francisco. O projeto deve ser apresentado na próxima reunião, em 12 de junho. O Comitê Organizador Local informou que o atendimento do papa e dos cerca de 30 membros do séquito será feito em hospitais particulares.
Resposta - O diretor geral da Dream Factory, Eduardo Magalhães, a diretora do Setor Jurídico do Instituto Jornada Mundial da Juventude, Claudine Milione Dutra, e dom Paulo Cesar da Costa negaram, na tarde de sexta-feira, que o planejamento de saúde da JMJ tenha problemas. A empresa alega ter apresentado o planejamento, mas não no grau de detalhes exigido pela promotora Madalena Junqueira Ayres, que inclui, por exemplo, os equipamentos disponíveis em cada ambulância. “Eles querem o detalhamento do detalhamento do detalhamento. Isso está sendo feito. Estamos no prazo”, afirmou Magalhães. Segundo ele, a empresa Resgate Plus, que não tem autorização da Vigilância Sanitária do município, não chegou a ser contratada. Dom Paulo admitiu que, até o momento, o planejamento do atendimento médico na Quinta da Boa Vista não está concluído, mas argumentou que trata-se de um “evento de menor porte”. Sobre a possibilidade de falta d’água em Guaratiba, os organizadores afirmam que está sendo analisada a possibilidade de credenciamento de vendedores ambulantes para oferecer aos fiéis água e refrigerantes no campus Fidei e garantir que “não haja a mínima possibilidade das pessoas ficarem com sede” devido à falta d’ água.
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