Num processo iniciado pela presidenta Dilma, Executivo, Legislativo e Judiciário respondem às manifestações, mas ainda há muito o que fazer
Paulo Moreira Leite, Izabelle Torres, Josie Jeronimo e Laura DaudénDepois de atravessar o País inteiro em passeatas memoráveis, confrontos duros com a polícia e embalar cenas lamentáveis de baderna, o terremoto político iniciado com o Movimento Passe Livre de São Paulo obrigou o poder de Brasília a se mover. Entre medidas de subsídio e investimentos diretos no transporte público, gastos definidos para saúde e educação e outras rubricas do Estado brasileiro, encaminharam-se demandas estimadas R$ 115 bilhões anuais, grandeza que só costuma ocorrer após grandes catástrofes e situações de guerra.
UMA VITÓRIA DAS RUAS
Sob pressão dos manifestantes que lotavam as
galerias da Câmara, parlamentares derrubam a PEC 37,
mantendo o poder de o Ministério Público investigar
Reforma política
A prisão de Donadon foi considerada um marco, além de mais uma vitória dos movimentos das ruas, já que desde a redemocratização nenhum parlamentar havia sido preso. Mas o que dominou os debates ao longo da semana foi a proposta de reformulação do sistema político-eleitoral brasileiro. Na segunda-feira 24, numa nova aparição pela TV em 72 horas, Dilma anunciou medidas para encaminhar uma reforma política, talvez a mais antiga quimera da democracia brasileira desde o fim do regime militar. Reelaborada várias vezes ao longo da semana, a proposta do governo consiste em duas etapas. Submeter um rascunho de possíveis mudanças em nosso sistema político a um plebiscito, cuja data esperada pelo Planalto é 18 de agosto, terceiro domingo daquele mês. Com este rascunho em mãos, o Congresso seria encarregado de formular uma nova lei eleitoral, com regras novas para financiamento de campanha, para eleições parlamentares – voto proporcional, como hoje, ou voto distrital – e outras medidas. Trabalhando em prazos acelerados, o governo espera que os trabalhos estejam concluídos a tempo das novas regras já se encontrarem em vigor no ano eleitoral de 2014, quando os eleitores irão às urnas durante a sucessão de Dilma Rousseff.
SAINDO DA INÉRCIA
Dilma Rousseff reúne prefeitos e governadores no Palácio do Planalto
na segunda-feira 24. Começava ali a reação dos Três Poderes
Trilhando caminhos jurídicos que foram experimentados, em seu devido tempo, pelos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, que também cogitaram reformar o sistema político por uma estratégica parecida, a presidenta entrou nos debates com a proposta de realizar um plebiscito para convocar uma Constituinte destinada, exclusivamente, a aprovar reformas definidas por parlamentares eleitos especialmente para este fim. O problema desta ideia não era o que fazer, somente. Mas como.
Adversário conhecido da tese de Constituinte exclusiva, o vice-presidente Michel Temer não foi consultado. Outros integrantes da cúpula do governo, inclusive os ministros que em tese seriam os mais próximos da presidenta, só receberam a notícia quando parecia um fato consumado. Dentro e fora do Planalto, criou-se um ambiente que podia ser de aplauso ou de crítica, mas sempre exibia algum grau de perplexidade. Vinte e quatro horas depois, durante um encontro com entidades que haviam preparado um projeto de lei eleitoral, a Constituinte foi abandonada.
Na quinta-feira 27, a bancada do governo no Senado estava tão animada com a ideia que já discutia até a formação de grupos temáticos, mas o ambiente de Brasília não justificava otimismo quanto a ritmos e prazos. As relações entre o governo e o PT continuam delicadas, enquanto o convívio entre o Planalto e o PMDB atingiu a fronteira entre civilização e barbárie. Se quiser levar a proposta de plebiscito em frente, o governo irá precisar do apoio do PMDB, mais do que nunca. Embora ninguém possa prever como o Congresso vai se comportar depois do terremoto de protestos, o PSDB, o DEM e o PPS já se colocaram como adversários do plebiscito. Eles querem debater a reforma política dentro do Congresso, entre senadores e parlamentares, e só então submeter o resultado final à aprovação popular. Num debate a portas fechadas pelo Congresso, será mais difícil aprovar proposições que agradam ao governo e ao PT, como o financiamento público de campanha. As medidas de caráter administrativo o governo Dilma pode resolver em conjunto com os ministros. As mudanças ocorridas em outras áreas são naturalmente mais fáceis de realizar. Foi ali que ocorreram os maiores avanços ao longo da semana.
Educação
Em ruas de todo o Brasil se ouviu o grito “Da Copa eu abro mão. Eu quero mais dinheiro para saúde educação”. O pedido foi atendido. Primeiro pela presidenta Dilma Rousseff, que, em pronunciamento na sexta-feira 21, pediu que o Congresso votasse a proposta destinava 100% dos royalties da exploração do petróleo para a educação. Depois pela própria Câmara dos Deputados, que seguiu as orientações do governo e aprovou a medida, ainda que com alterações: 75% dos recursos irão para as escolas e 25% serão destinados à saúde. Além disso, os deputados também decidiram reservar à educação 50% dos recursos do Fundo Social do Pré-Sal. O projeto segue agora para o Senado, onde será votado em regime de urgência.
Estima-se que apenas 5,2% dos alunos da rede pública terminam o terceiro ano do Ensino Médio com os conhecimentos adequados na disciplina. Situação similar se verifica no 9º ano do Ensino Fundamental: apenas 22% dos alunos da rede pública demonstraram possuir conhecimentos adequados em Português. Segundo o relatório divulgado na terça-feira 25 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os investimentos em educação no Brasil passaram de 3,5% do PIB em 200º para 5,6% em 2010 – a média dos países membros da organização é de 6,3% do PIB. Ainda assim, o gasto com cada aluno do Ensino Médio foi de US$ 2,5 mil, o que equivale a 28,5% do gasto que os países desenvolvidos têm com seus estudantes na mesma série.
Saúde
Sem um sistema de saúde coerente para atender toda população, o País ameaça reunir deficiências dos dois mundos, o da saúde privada e o da saúde pública. Com um pouco mais de dinheiro no bolso, e a convicção de que jamais serão bem atendidos na rede pública, um número cada vez maior de famílias tornou-se cliente de planos privados de saúde capazes de atrair as pessoas pelo baixo preço – e que pelo mesmo motivo não consegue oferecer o atendimento prometido.
Num quadro que não será resolvido do dia para a noite, a saúde recebeu duas boas notícias, nos últimos dias. Ao garantir 25% dos royalties do petróleo a saúde, a Câmara destinou-lhe R$ 70 bilhões nos próximos dez anos.
Num esforço para produzir efeitos rápidos, o governo está convencido de que a saúde da população mais pobre, que reside longe dos centros urbanos, pode melhorar, e muito, se tiver um médico por perto. Para tanto, o Planalto decidiu comprar uma briga para trazer médicos estrangeiros, mas mudou de tática. Irá, primeiro, levantar todos os empregos disponíveis, onde ficam e o salário oferecido. Numa primeira etapa, as vagas serão oferecidas aos médicos brasileiros. Os postos restantes serão ocupados por estrangeiros interessados em mudar-se para o País.
Transporte Público
Se tarifas fossem o único problema do transporte público, o problema estaria bem encaminhado. Nos últimos dias, doze capitais reduziram o preço do transporte e um número incalculável de municípios menores fez o mesmo. A realidade é que faltam investimentos de fôlego, para criar um sistema eficiente, com um mínimo de conforto para atrair cidadãos que, na primeira oportunidade, preferem sentar-se no volante de seu automóvel. Para Maurício Broinizi, coordenador executivo da Rede Nossa São Paulo, vivemos, nesse âmbito, uma situação limite. “Nada contra o direito de ter um carro, mas o problema é o uso intensivo sem que haja uma alternativa.”
Quem esperava que a realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas em 2016 poderia reverter esse quadro também se frustrou. Conforme o TCU, até agora houve desembolso de apenas 27% dos valores já contratados, que somam R$ 4,8 bilhões. A previsão de investimentos nessa área é de 11,8 bilhões. “Em um determinado momento as autoridades desistiram de fazer os investimentos em mobilidade e só se preocuparam em fazer estádios”, afirma o engenheiro Jaime Waisman, professor da Escola Politécnica da USP. “O que seria o legado desses eventos simplesmente não vai acontecer.”
Diante da insatisfação, a presidenta Dilma Rousseff anunciou a criação de um Conselho Nacional de Transporte Público e instou as cidades a fazerem o mesmo – algumas, como São Paulo e Florianópolis já possuem esse órgão. A proposta veio acompanhada de uma promessa: Dilma prometeu disponibilizar R$ 50 bilhões para obras de mobilidade. O esforço do Executivo foi acompanhado pelo Legislativo. A Câmara aprovou na quarta-feira 26 a redução para zero do PIS/Pasep e do COFINS, impostos que incidem sobre o transporte coletivo e podem ajudar na redução das tarifas. A proposta segue para o Senado. Já nas cidades, a preção por mais transparência surtiu efeito imediato. Em São Paulo, o prefeito Fernando Haddad suspendeu a licitação que renovaria por mais 15 anos os contratos das empresas de transporte público da capital. O valor da licitação é de R$ 46 bilhões. Quase ao mesmo tempo, a Câmara de Vereadores aprovou a instalação de uma CPI para investigar o setor – o mesmo aconteceu na cidade do Rio de Janeiro – o que pode ajudar a mapear o encontro entre verbas de campanhas e interesses políticos.
Corrupção
Além da prisão de Natan Donadon, Legislativo e Judiciário tiraram da gaveta medidas que dormitavam há anos. Proposição que transforma a corrupção em crime hediondo também foi aprovada pelo Senado. A Câmara votou o fim do voto secreto para cassação de mantados.
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